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8/17/2019 Curso Im Ana
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Iniciação à MatemáticaAna Cristina Vieira
UFMG - 2016
A disciplina Iniciaç˜ ao à Matem´ atica , lecionada para os alunos do primeiro perı́ododo curso de Matemática da UFMG, tem o objetivo de introduzir linguagem e con-ceitos básicos de Matemática. A parte de linguagem consiste de l´ ogica e demon-straç˜ oes ; os conceitos básicos são conjuntos , relaç˜ oes , funç˜ oes e uma introduçãoelementar ao conceito de infinito. Esse material, adaptado do material preparadopelo Professor Michel Spira em 2011, é fundamental para o discurso matemático edeve acompanhar o aluno ao longo de seu curso.
Com uma ou outra exceção pontual, não há matemática “complicada”nessasnotas; elas usam apenas matemática elementar em ńıvel de ensino médio. Dessemodo, elas devem ser perfeitamente acesśıveis ao público-alvo do curso, ou seja, aoscalouros do curso de Matemática.
1 Lógica
Nessa seção apresentamos a parte elementar da l´ ogica proposicional , que é a lin-guagem na qual são escritos argumentos matemáticos e com a qual se pode discutirsua correção. Em outras palavras, com essa linguagem podemos fazer demonstraç˜ oes e construir conhecimento matemático válido. Deixamos claro que a disciplina deLógica é um importante ramo de conhecimento e de pesquisa ativa, que vai muitoalém do que aparece nessas notas.1
1.1 Proposições, negação e conectivos
Uma proposiç˜ ao é uma afirmativa (ou proposiç˜ ao declarativa) à qual se atribui,arbitrariamente ou em função do contexto, um valor verdade, que pode ser verdadeiro(v) ou falso (f), mas não ambos. Proposições serão denotadas por letras minúsculas
p, q , r, s, . . . .
Não é nosso propósito aqui definir formalmente o que é uma proposição; notamos,no entanto, que comandos, perguntas e afirmativas contendo vari áveis 2 não são
1Para efeito de transparência, declaro que a parte de lógica dessas notas foi desavergonhada-mente adaptada, quando não literalmente copiada, do livro Discrete Mathematics and its Applica-tions de Kenneth H. Rosen. Lembro que o plágio é a mais sincera forma de elogio.
2Mais sobre variáveis mais tarde.
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proposições, pois a sentenças desses tipos não é posśıvel atribuir um valor verdade.Essas idéias devem ficar claras com o exemplo a seguir.
Exemplo 1.1 As seguintes sentenças são proposições:
• Hoje é sexta-feira.• 1 + 1 = 2.• 5 < 3.• π é um número racional.
As seguintes sentenças não são proposições:
• pergunta: Que horas são?• comando: Limpe o seu prato.• afirmativa contendo uma vari´ avel: x2 = 7.Em geral, nosso interesse é saber quais as consequências (lógicas) de supor uma
proposição verdadeira ou falsa, sem questionar a atribuição do valor verdade. Comoexemplo, tomemos proposições que fazem menção a um ponto espećıfico no futuro,como Amanh˜ a vai chover . É claro que não podemos atribuir a ela um valor ver-dade definitivo; no entanto, podemos explorar as consequências lógicas de supô-la
verdadeira (é melhor preparar o guarda-chuva) ou falsa (podemos passear sem prob-lemas).Ainda outro exemplo do que acabamos de dizer é dado pelo postulado das par-
alelas de Euclides, que é a afirmativa “por um ponto fora de uma reta passa umaúnica paralela a essa reta”. Ao supô-lo verdadeiro, temos como consequência todoo edif́ıcio da geometria euclidiana; supô-lo falso, por outro lado, leva às geometriasnão euclidianas, tão consistentes e “reais” quanto a euclidiana.
Nosso jogo é criar novas proposições a partir de outras, às quais já foi atribuı́doum valor verdade, e estabelecer regras para decidir do valor verdade das novas. Éisso que passamos a fazer agora.
1.2 Conectivos lógicos
Consideremos as proposições Hoje é quarta-feira e Hoje n˜ ao é quarta-feira ; quandoa primeira é verdadeira a segunda é falsa, e vice-versa. Nesse caso, dizemos que asegunda afirmativa é a negação da primeira. Mais formalmente, dada uma proposi-ção p, denotamos sua negação por ∼ p.
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Aqui temos um problema, pois em linguagem coloquial “ou” tem duas interpretaçõesdistintas, dependendo do contexto. Para ver isso, consideremos primeiro a sentença
“Para fazer parte do nosso grupo de estudos você deve saber cálculo ou álgebra”.Isso quer dizer que basta saber um entre cálculo ou álgebra para entrar para o grupo;pode-se até saber os dois, mas isso não é necessário. Ou seja, a idéia aqui é pelomenos um . Essa interpretação corresponde à disjunção, como definimos acima, e éhabitualmente denotada por ou inclusivo.
Por outro lado, em “Com o sandúıche você pode escolher batatas fritas ou salada”fica claro que é permitido escolher exatamente uma das opções, mas não as duas.Aqui temos o ou exclusivo, denotado por ⊕ e definido pela tabela
p q p ⊕ q v v f
v f v f v v f f f
Lê-se p ⊕ q como “ p xou q ”3.
Exercı́cio 1.1 Determine o valor lógico (V ou F) de cada proposição, justificando.
1. senπ = 0 ∧ cos π = 0.2.
√
−4 = 2
√
−1
∨ π é racional.
3. π 2.4. | − 2| 1 ∨ 3 = 1.2. (−1)6 = −1 ∧ 25 1.
4. 3.(5 + 2) = 3.5 + 3.2 ∧ (−1)6 > −1.3Terminologia inventada pelo Prof. Michel, motivada pelo “xor” em inglês.
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.O conectivo condicional é denotado pelo śımbolo → e é definido pela tabela
p q p → q v v v v f f f v v f f v
Exemplo 1.4 (1 + 1 = 2) → (gatos miam) é verdadeira, bem como (1 + 1 = 3) →(gatos miam) e (1 + 1 = 3) → (gatos latem); já (1 + 1 = 2) → (gatos latem) éfalsa.
Lê-se p → q como “ p implica q ”, “se p então q ”, “ p é condi̧cão suficiente para q ”,“q é condição necessária para p”, “ p só se q ” e “q quando p”, entre outras maneiras.Em p → q dizemos que p é o antecedente , a hip´ otese ou a condiç˜ ao suficiente ; q édita a consequente , a tese ou a condiç˜ ao necess´ aria .
É natural perguntar qual a relação de p → q com o uso tradicional de “implica”.Uma maneira amigável de aproximar a definição de → da linguagem comum é pensarna proposição “Se fizer sol vamos nadar”. Ela é verdadeira se fizer sol e formos nadar,e falsa se fizer sol e não formos nadar. Mas como atribuir valor verdade a ela se n ãofizer sol? Certamente não poderemos dizer que ela é falsa e só nos resta a alternativade considerá-la verdadeira.
Exerćıcio 1.3 Determine o valor lógico (V ou F) de cada proposição, justificando.
1. senπ = 0 → cos π = 0.2.
√ −1 = −1 → π é irracional.3. π2 2 → √ π
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4. Se você dirigir mais de 400km vai ser necessário reabastecer o carro. de doismeses.
5. Seu livro vai ser útil no futuro se você tomar cuidado com ele.
6. Você pegou o emprego, logo você era o melhor candidato. emprego.
Ainda um pouco de terminologia. Chamando p → q de direta , dizemos queq → p é sua rećıproca (que também podemos denotar como p ← q ) e ainda, que∼ q →∼ p é sua contrapositiva .
Exemplo 1.5 A proposição “Se T é um triângulo equilátero então T é isósceles”é verdadeira, mas sua rećıproca é falsa. O mesmo se aplica a (1 + 1 = 3) →(gatos miam).
Exercı́cio 1.5 Enuncie a rećıproca e a contrapositiva de cada uma das proposiçõesa seguir.
1. Se chover eu ficarei em casa.
2. Se eu durmo tarde eu preciso ficar na cama até o meio dia.
3. Nas férias eu sempre viajo para o interior.
Fechamos nossa lista de conectivos com o bicondicional , para o qual usamos ośımbolo ↔. A proposição p ↔ q é lida como “ p se e somente se q ” ou “ p é condi̧cãonecessária e suficiente para q ”, e sua tabela verdade é
p q p ↔ q v v v v f f f v f f f v
Em outras palavras, p ↔ q é verdadeira quando p e q têm o mesmo valor verdade,e falsa caso contrário.
Exemplo 1.6 (1 + 1 = 2) ↔ (gatos miam) é verdadeira, bem como (1 + 1 = 3) ↔(gatos latem); já (1 + 1 = 2) ↔ (gatos latem) e (1 + 1 = 3) ↔ (gatos miam) sãofalsas.
Exercı́cio 1.6 Determine o valor lógico (V ou F) de cada proposição, justificando.
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1. cos π2
= 0 ↔ | − 5| = −(−5).
2. −(√ −1)2
= −1 ↔ π é irracional.3.
√ 12 =
√ 2√
3 ↔ cos π = 1.
.
Exerćıcio 1.7 Escreva cada uma das proposições a seguir na forma p ↔ q .1. Para ser aprovado é necessário e suficiente que você faça todos os exercı́cios e
tire 100 na última prova.
2. Se você ler o jornal todo dia você ficará bem informado, e reciprocamente.
3. Se chover é um dia da semana e se é um dia da semana então vai chover.
4. Se você não ver o mágico ele está na sala e se ele não estiver na sala você vaivê-lo.
Exerćıcio 1.8 Um aluno concluiu que x > 0 ↔ x > −1 através do seguinteargumento:
x > 0 ↔ x(x + 1) > 0 ↔ x2 + x > 0 ↔ x2 > −x ↔ x > −1
Descreva o(s) erro(s) neste racioćınio, justificando seus argumentos e analisandocada implicação envolvida no exercı́cio.
Uma tautologia (resp. contradiç˜ ao) é uma proposição que é sempre verdadeira(resp. falsa), qualquer que seja a escolha dos valores verdade das proposi ções que acompõe. Vamos denotar tautologias e contradições pelas letras T e F, respectiva-mente. Uma proposição que não é nem uma tautologia nem uma contradição é ditauma contingência .
Exerćıcio 1.9 Mostre que as seguintes proposições são tautologias.
1. p → ( p ∨ q )2. ( p ∧ q ) → p3. [ p ∧ ( p → q )] → q 4. [( p → q )∧ ∼ q ] →∼ p
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5. [( p → q ) ∧ (q → r)] → ( p → r)6. [( p
∨q )
∧ ∼ p]
→q
7. [( p → q ) ∧ (∼ p ∨ r)] → (q ∨ r)
Exercı́cio 1.10 Mostre que p∧ ∼ p é uma contradição.
Para proposições compostas que envolvem mais de duas proposições, devemosdiscutir o problema de precedência de operadores, caso contrário expressões do tipo
p∧q ∨r seriam ambı́güas4. Nessas notas vamos procurar evitar ambigüidades usandoparêntesis, mas apenas para constar, registramos que a ordem usual é ∼, ∧, ∨, → e↔.
Exercı́cio 1.11 Sejam p: “Você dirige a mais de 60km/h” e “q : Você vai ser mul-tado”. Escreva as proposições a seguir usando p, q , negação e conectivos lógicos.
1. Você não dirige a mais de 60km/h.
2. Você dirige a mais de 60km/h mas não vai ser multado.
3. Você vai ser multado se dirigir a mais de 60km/h.
4. Se você não dirigir a mais de 60km/h você não vai ser multado.
5. Você vai ser multado mesmo dirigindo a menos de 60km/h.
6. Dirigir a mais de 60km/h é suficiente para ser multado.
7. Se você for multado é porque você dirigia a mais de 60 km/h.
Exercı́cio 1.12 Expresse em logiquês as seguintes proposições:
1. Você passou com A sem fazer todos os exercı́cios.
2. Você passou com A, fez todos os exerćıcios e tirou 100 na última prova.
3. Para passar com A é necessŕio tirar 100 na última prova.
4. Você tirou 100 na última prova e não fez todos os exerćıcios, mas mesmo assimpassou com A.
4O problema aqui é o mesmo que em 2 + 3 × 4, que pode ser lido como 2 + (3 × 4) e (2+ 3)× 4.A convenção habitual de × antes de + nos diz qual é a leitura correta.
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5. Tirar 100 na última prova e fazer todos os exerćıcios é suficiente para passarcom A.
6. Você vai passar com A se e somente se você fizer todos os exerćıcios ou tirar100 na última prova.
1.3 Equivalência
Duas proposições p e q são equivalentes , notação p ≡ q , se elas têm o mesmo valorverdade para qualquer escolha dos valores verdade das proposições que as compõem.Notamos que ≡ n˜ ao é um conectivo; p ≡ q é apenas uma maneira curta de dizer“ p ↔ q é uma tautologia”.
Exemplo 1.7 Para mostrar que ∼ ∼ p ≡ p, basta fazer a tabela verdade: p ∼ p ∼ ∼ pv f v f v f
A observação da primeira e da última coluna dessa tabela mostra que os valoresverdade de p e ∼ ∼ p são os mesmos, ou seja, temos nossa equival̂encia.
Exercı́cio 1.13 Verifique que p ≡ p ∧ p ≡ p ∨ p ≡ p ∧ T ≡ p ∨ F.
O exemplo a seguir é de grande importância; isso ficará claro quando falarmosde demonstrações.
Exemplo 1.8 (a contrapositiva) Vamos mostrar que vale a equival̂encia ( p →q ) ≡∼ q →∼ p. Como antes, basta fazer a tabela verdade
p q ∼ p ∼ q p → q ∼ q →∼ pv v f f v v v f f v f f
f v v f v v f v v v v v
e observar que as colunas de p → q e ∼ q →∼ p são iguais. Enfatizando: uma implicaç˜ ao e sua contrapositiva s˜ ao logicamente equivalentes.
Exercı́cio 1.14 Mostre que p → q ≡∼ p ∨ q .
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Entre outras equival̂encias importantes, mencionamos as leis distributivas
p ∧ (q ∨ r) ≡ ( p ∧ q ) ∨ ( p ∧ r) e p ∨ (q ∧ r) ≡ ( p ∨ q ) ∧ ( p ∨ r)e as leis de de Morgan 5
∼ p ∧ q ≡∼ p∨ ∼ q e ∼ p ∨ q ≡∼ p∧ ∼ q.
Exercı́cio 1.15 Verifique as leis acima.
Exercı́cio 1.16 Mostre que ∼ p → q ≡ p∧ ∼ q . Confira com o exerćıcio 1.14.
Equivalências servem para transformar proposições compostas “complicadas” em
outras “mais simples”.
Exemplo 1.9 Vamos mostrar que ∼ p ∨ (∼ p ∧ q ) ≡∼ p∧ ∼ q . Usando algumasequivalências já vistas e outras que ficam a cargo do(a) leitor(a) demonstrar, temos
∼ p ∨ (∼ p ∧ q ) ≡∼ p∧ ∼ (∼ p ∧ q )≡∼ p ∧ (∼ ∼ p ∨ q )≡∼ p ∧ ( p∨ ∼ q )≡ (∼ p ∧ p) ∨ (∼ p∧ ∼ q )≡ F ∨ (∼ p∧ ∼ q )≡∼ p∧ ∼ q
Exercı́cio 1.17 Seja T uma tautologia e F uma contradição. Mostre que
1. p ∧ T ≡ p2. p ∨ F ≡ p3. p ∧ F ≡ F
4. p ∨ T ≡ T5. p ∨ p ≡ p6. p ∧ p ≡ p5A repetição de “de” não é um erro de digitação; estamos falando do matemático inglês Augustus
de Morgan (*–*).
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Exercı́cio 1.18 Mostre que
1. ( p→
q )∧
( p→
r)≡
p→
(q ∧
r)
2. ( p → q ) ∨ ( p → r) ≡ p → (q ∨ r)3. p ↔ q ≡ ( p → q ) ∧ (q → p)4. ∼ p ↔ q ≡ p ↔∼ q
Exercı́cio 1.19 Definimos o conectivo ↓ por p q p ↓ q v v f
v f f f v f f f v
1. Mostre que p ↓ q ≡∼ p ∧ q 2. Mostre que ( p ↓ q ) ↓ ( p ↓ q ) ≡ p ∨ q 3. Ache uma proposição equivalente a p → q usando apenas o conectivo ↓.
1.4 Quantificadores
Iniciamos essa seção com um caso particular das idéias que queremos estudar. Con-sideremos o conjunto Z dos números inteiros e a expressão “x é par”, que denotamospor P (x). Para qualquer inteiro n, podemos substituir x por n para obter a propo-sição “n é par”, que denotamos por P (n). Por exemplo, escolhendo substituindo xpor 8 obtemos a proposição P (8), que é verdadeira, e substituindo x por 5 obtemosa proposição P (5), que é falsa.
Em geral (e sem grandes pretensões de rigor), temos um conjunto não vazio D,dito o domı́nio (de discurso) e um predicado (ou funç˜ ao proposicional ) P (x) em D detal modo que, para qualquer d ∈ D, a substituição de x por d tem como resultadouma proposição P (d). Chamamos x de vari´ avel (livre) ou elemento genérico dodomı́nio; o processo de substituir x por d será indicado por x = d e denominadosubstituiç˜ ao.
É conveniente pensar em uma variável livre como uma caixinha onde se podecolocar qualquer elemento do domı́nio; em outras palavras, variáveis livres não ex-istem fisicamente, elas apenas marcam posição. Em geral, vamos denotar elementosdo domı́nio por letras como a, b, c,...e variáveis livres por letras como x, y, z , . . . .
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Observamos de passagem que podemos ter predicados com duas ou mais vari áveise domı́nios distintos para as variáveis. Por exemplo, podemos usar P (x, y) para
denotar “x estuda y”, onde x percorre os alunos do ICEx e y as disciplinas oferecidaspelo Departamento de Matemática.
1.4.1 Os quantificadores ∃ e ∀Sejam agora D um domı́nio e P (x) um predicado em D. A quantificaç˜ ao existencial de P (x) é a proposição “P (x) é verdadeira para pelo menos um elemento de D”; anotação é ∃xP (x), lida em voz alta como “existe x tal que P (x) é verdadeira”. Essaproposição é verdadeira se existe pelo menos um d ∈ D tal que P (d) é verdadeira;um tal d é chamado exemplo. Se não existirem exemplos então ∃xP (x) é falsa.
A quantificaç˜ ao universal de P (x) é a proposição “P (x) é verdadeira para todos
os elementos de D”; a notação é ∀xP (x), lida em voz alta como “P (x) é verdadeirapara todo x”. Essa proposição é falsa se existir pelo menos um d ∈ D tal que P (d)seja falsa; um tal d é chamado contraexemplo. Se não existem contraexemplos então∀xP (x) é verdadeira.Exemplo 1.10 6Seja G o domı́nio dos gatos e consideremos a proposição ∃g(g é branco).Para mostrar que ela é verdadeira, basta exibir um gato branco, ou seja, dar um ex-emplo; notamos que um segundo exemplo é desnecessário nesse caso. Para negá-la,deve-se mostrar que a implicação é gato → n˜ ao é branco é verdadeira. Isso exigeuma demonstração; voltaremos oportunamente a esse ponto.
Por outro lado, é importante notar que para mostrar que ∃g(g é branco) é falsanão adianta trazer 999 gatos não brancos para inspeção. De fato, pode acontecerque o milésimo gato que entre na sala seja branco, isto é, um exemplo.
Consideremos agora ∀g(g é branco). Para mostrar que ela é falsa, basta exibirum gato não branco, ou seja, dar um contraexemplo; notamos que um segundocontraexemplo é desnecessário nesse caso. Para mostrar que ela é verdadeira, deve-se mostrar que gato → branco é verdadeira.
Por outro lado, é importante notar que para mostrar que ∀g(g é branco) é ver-dadeira não adianta trazer 999 gatos brancos para inspeção. De fato, pode acontecerque o milésimo gato que entre na sala seja não branco, isto é, um contraexemplo.
Exemplo 1.11 Seja D = Z. Então ∃x(x2 = 4) é verdadeira, pois x = 2 é umexemplo; de fato, 22 = 4. Por outro lado, ∃x(x2 = 2) é falsa, pois não há n ∈ Z talque n2 = 2 (na verdade, não há r ∈ Q tal que r2 = 2; isso será demonstrado maistarde); ou seja, não existem exemplos nesse caso.
6Esse exemplo foi propositalmente escrito no estilo “copiar e colar”; o ob jetivo é constrastar ∃e ∀.
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Exemplo 1.12 Seja D = R. Então ∀x(x ≥ 0) é falsa; um contraexemplo é x = −1,pois −1 > 0 é falso. Por outro lado, ∀x(x2 ≥ 0) é verdadeira, pois é fato sabido queo quadrado de qualquer número real é positivo ou nulo.
Os exemplos acima devem ser lidos e relidos até serem entendidos com toda aclareza; para enfatizar, vamos repetir seu conteúdo. Dado um domı́nio D e umafunção proposicional P (x) em D:
1. para mostrar que ∃xP (x) é verdadeira, basta apresentar um exemplo, isto é,exibir explicitamente d ∈ D tal que P (d) seja verdadeira;
2. para mostrar que ∃xP (x) é falsa, não basta exibir um ou mais elementos d ∈ Dtais que P (d) seja falsa; é necessário um argumento que mostre que P (x) é
falsa para todos x ∈ D;3. para mostrar que ∀xP (x) é verdadeira, não basta exibir um ou mais elementos
d ∈ D tais que P (d) é verdadeira; é necessário um argumento que mostre queP (x) é verdadeira para todos x ∈ D;
4. para mostrar que ∀xP (x) é falsa, basta apresentar um contraexemplo, isto é,exibir explicitamente d ∈ D tal que P (d) seja falsa.
Os itens 2. e 4. acima podem ser escritos de modo resumido como segue:
2. ∼ ∀
xP (x)≡ ∃
x∼
P (x);
4. ∼ ∃xP (x) ≡ ∀x ∼ P (x).Notamos que essas expressões devem ser encaradas como definições; a discussãoprecedente teve apenas o objetivo de motivá-las. Em geral, vamos discutir dessemodo expressões que envolvam equivalência e quantificadores, deixando o o bomsenso agir e sem nos preocupar com rigor excessivo.
Exercı́cio 1.20 Ache contraexemplos para as seguintes proposições, todas comdomı́nio D = R.
1. ∀x(x2 ≥ x)2. ∀x(x = 1)3. ∀x(x = 3)4. ∀x(x2 = x)
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5. ∀x(x2 = 7)6.
∀x(x2 > 0)
Exercı́cio 1.21 Sendo {1, 2, 3} o universo das variáveis x e y, determine o valorlógigo das proposições.
1. ∃x∀y(x2 < y + 1).2. ∀x∃y(x2 + y2
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4. O quadrado de número real é um número real positivo.
5. Qualquer inteiro positivo é um produto de dois números primos.
Exercı́cio 1.24 Expresse as seguintes sentenças em logiquês; depois escreva suanegação e faça a versão para o português. Em cada caso, explicite o domı́nio dediscurso.
1. Todos os cachorros têm pulgas.
2. Há um cavalo que sabe somar.
3. Macacos não falam francês.
4. Há um porco que nada e pesca.
5. Cachorro velho não aprende truques.
Exercı́cio 1.25 Discuta as expressões
1. ∀x(P (x) ∧ Q(x)) ≡ ∀xP (x) ∧ ∀xQ(x)2. ∃x(P (x) ∨ Q(x)) ≡ ∃xP (x) ∨ ∃xQ(x)
Exercı́cio 1.26 Faça a negação de cada afirmação abaixo, onde as variáveis são
reais.
1. ∀x∀y∃z (x + 2y > z ∧ x − z ≤ y).2. ∀x∃y∀z (x2 + y2 = 2z ∨ √ y z ∧ z + 1 < y2 → √ y ≥ x + 1).4. ∃x∀y∀z (x2 + 3 = 2z → y > x ∨ √ y + 1 < 0).
1.4.2 Existência e unicidade: o “quantificador” ∃!Em Matemática é usual, dado um domı́nio D e um predicado P , usar ∃!xP (x)(lido como “existe um único x tal que P (x) é verdadeira”) para substituir as duasafirmativas simultâneas (i) existe d ∈ D tal que P (d) é verdadeira (exist̂encia ) e(ii) se P (x) e P (y) são verdadeiras então x = y (unicidade ). Notamos que não hádependência entre (i) e (ii); de fato, (ii) faz sentido sem a necessidade de sabermosse (i) é verdadeira ou não.
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Exemplo 1.13 Consideremos, no domı́nio Z, a equação x = 12
. Se m e n são duassoluções, então de m = 1
2 = n concluimos que m = n; ou seja, se a equação tem
solução, então essa solução é única. Esse raciocı́nio é totalmente independente dofato óbvio de que nossa equação não tem soluções.
Deve agora estar claro que
∃!xP (x) ≡ (∃xP (x)) ∧ [∀x∀y(P (x) ∧ P (y)) → (x = y))]onde notamos, como antes, que essa expressão deve ser tomada como a definição de∃!.
Essa última expressão merece dois comentários. Primeiro, temos um exemplode quantificadores aninhados 7 cujo significado deve ser óbvio. Também vemos “x”aparecer várias vezes, mas isso não significa que “é o mesmo x”. Letras em expressões
lógicas são apenas marcadores de lugar; em vez de usar apenas x e y, poderiamoster escrito ∃!rP (r) ≡ (∃sP (s)) ∧ [∀t∀u[(P (t) ∧ P (u)) → (t = u)] e tudo continuariaem seu lugar.
Exercı́cio 1.27 Ache (se posśıvel) um contraexemplo para as seguintes proposiçõescom domı́nio Z
1. ∀x∀y(x2 = y2 → x = y)2. ∀x∃y(y2 = x)3.
∀x
∀y(xy
≥x)
Exercı́cio 1.28 Ache (se posśıvel) um contraexemplo para as seguintes proposiçõescom domı́nio R
1. ∀x∃y(x = 1y
)
2. ∀x∃y(y2 − x
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1.5 Regras de inferência
Nessa seção vamos estudar regras, ditas de inferência , que nos permitem criar im-plicações verdadeiras a partir de proposições dadas. Essas regras permitem a escritade demonstrações e a cŕıtica de sua correção, e desse modo são as ferramentas decriação de conhecimento matemático formal.
1.5.1 Inferência
As regras de inferência nada mais são que algumas tautologias às quais damos nomesespeciais8. Consideremos, por exemplo, a tautologia p → ( p ∨ q ), que lemos como“ p implica p ∨ q ” ou “de p concluimos p ∨ q ”. Nosso interesse futuro, ao fazerdemonstrações, é partir de hipóteses supostamente verdadeiras, de modo que vamos
também adotar a leitura “se p é verdadeira então p ∨ q é verdadeira”. Esta regra éconhecida pelo nome de adiç˜ ao e é representada pelo primeiro diagrama da lista aseguir. Outro exemplo é o silogismo hipotético
[( p → q ) ∧ (q → r)] → ( p → r)
lido como “se p implica q e q implica r então p implica r”.Listamos a seguir as regras de inferência. Em qualquer caso, dizemos que as
proposições acima do traço horizontal são as hip´ oteses e a proposição abaixo dotraço a tese ou conclus˜ ao.
p
∴ p ∨ q (adiç˜ ao)
p ∧ q ∴ p
(simplificaç˜ ao)
p
q
∴ p ∧ q (conjunç˜ ao)
p
p → q ∴ q
(modus ponens )
p → q ∼ q
∴ ∼ p(modus tollens )
p → q q → r
∴ p → r(silogismo hipotético)
p ∨ q ∼ p
∴ q
(silogismo disjuntivo)
p ∨ q ∼ p ∨ r
∴ q ∨ r(resoluç˜ ao)
Exercı́cio 1.31 Para cada uma das regras de infer̂encia, escreva a tautologia cor-respondente e uma verbalização adequada. Depois confira o exerćıcio 1.9.
Vamos agora ilustrar o uso dessas tautologias em linguagem coloquial.
8Lógicos profissionais objetarão, com razão, a essa “definição”; mas para nosso consumo, ela ésuficiente.
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adiç˜ ao: Fui ao cinema, logo fui ao teatro ou ao cinema.simplificaç˜ ao: Fui ao cinema e ao teatro, logo fui ao cinema.
conjunç˜ ao: Fui ao cinema e fui ao teatro, logo fui ao cinema e ao teatro.modus ponens: Vou sair e se saio vou ao cinema, logo vou ao cinema.modus tollens: Se saio vou ao cinema e não fui ao cinema, logo não saı́.silogismo hipotético: Se saio vou ao cinema e se vou ao cinema chego tarde,
logo se saio chego tarde.silogismo disjuntivo: Fui ao teatro ou ao cinema e não fui ao teatro,
logo fui ao cinema.resoluç˜ ao: Estou à procura de um exemplo que não seja forçado.
Isso deve ser suficiente para mostrar que, apesar de seus nomes imponentes, as regrasde inferência nada mais são que métodos de racioćınio habituais.
1.5.2 Inferência e quantificadores
Apresentamos a seguir regras de infer̂encia para quantificadores, supondo fixos umdomı́nio D e um predicado P (x) em D.
∀xP (x)∴ P (d)(particularizaç˜ ao universal )
P (d) para qualquer d∴ ∀xP (x)(generalizaç˜ ao universal )
∃xP (x)
∴ P (d) para algum d(particularizaç˜ ao existencial )
P (d) para algum d∴ ∃xP (x)(generalizaç˜ ao existencial )
A particularização universal diz que se ∀xP (x) é verdadeira e d é um elementofixo do domı́nio então P (d) também é verdadeira. A particularização existencial dizque se ∃xP (x) é verdadeira então existe um exemplo; inversamente, a generalizaçãoexistencial diz que se existe um exemplo então ∃xP (x) é verdadeira.
Sobre a generalização universal, é importante explicar o significado de qualquer (ou genérico ou arbitr´ ario). Em geral, quando temos um domı́nio D e dizemos “Seja
x ∈ D qualquer”, entendemos que x é um elemento de D do qual sabemos apenasque ele está em D; qualquer conclusão a que chegarmos sobre x é então válida paratodos os elementos de D. Ou seja, esse “um qualquer” responde por todos. 9
Seguem ilustrações simples das regras de inferência para quantificadores.
9No livro 1984, George Orwell introduziu o conceito de “duplopensar”, que devemos usar aqui:a expressão “um qualquer” não é contraditória.
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particularizaç˜ ao universal: Se todos os gatos são brancos entãomeu gato é branco.
generalizaç˜ ao universal: Se qualquer gato é branco, entãotodos os gatos são brancos.particularizaç˜ ao existencial: Se existe pelo menos um gato branco
então existe um gato branco.generalizaç˜ ao existencial: Se meu gato é branco então
existe pelo menos um gato branco.
Ou seja, também não temos nada de novo aqui; estamos apenas registrando modoshabituais de pensamento e expressão para referência futura.
1.5.3 Falácias
Vamos apresentar brevemento dois erros comuns de racioćınio, chamados de fal´ acias .O primeiro chama-se afirmar a tese e vem da contingência [( p → q ) ∧ q ] → p. Umexemplo é “se você estudar, você passa. Você passou, logo você estudou”. O segundodiz-se negar a hip´ otese e é baseado na contingência [( p → q )∧ ∼ p] →∼ q ; umexemplo é “Se você estudar, você passa. Você não estudou, logo você não passou”.
Exercı́cio 1.32 Comente criticamente os exemplos do parágrafo anterior.
Exercı́cio 1.33 Mostre que [( p → q ) ∧ q ] → p e [( p → q )∧ ∼ p] →∼ q sãocontingências.
Cada uma dessas falácias equivale a afirmar que se p → q é verdadeira então arećıproca q → p também o é. Esse é o conteúdo do exercı́cio a seguir.
Exercı́cio 1.34 Mostre que [( p → q ) ∧ q ] → p ≡ (q → p) ≡ [( p → q )∧ ∼ p] →∼ q .
2 Argumentos
Uma seqüência finita de proposições p1, p2, . . . , pn que acarreta uma proposiçãofinalq é dito um argumento; p1, p2, . . . , pn são chamadas hip´ oteses (em conjunto, ditas a hipótese ou premissas ) e q é chamada tese (ou conclus˜ ao).
Exemplo 2.1 Abaixo temos um argumento; as duas primeiras proposições são aspremissas e a última é a conclusão.
“Todos os leões são ferozes.”“Alguns leões não bebem café.”“Alguns animais ferozes não bebem café.”
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Um argumento é v´ alido (ou correto) se a implicação ( p1 ∧ p2 ∧ . . . ∧ pn) → q é verdadeira, caso em que dizemos que q segue (logicamente) de p1, p2, . . . pn. A
validade de um argumento é estabelecida através de uma seqüência de argumentosválidos. Dito assim, parece que entramos um cı́rculo vicioso, mas lembramos que játemos uma lista de argumentos válidos (por definição) prontos para o uso, a saber,as regras de inferência. Vamos a um exemplo.
Exemplo 2.2 Mostrar que das hipóteses “Hoje não faz sol e está mais frio queontem”, “Só vamos nadar se fizer sol”, “Se não formos nadar vamos passear decanoa” e “Se formos passear de canoa vamos chegar tarde em casa” pode-se concluirque “Vamos chegar tarde em casa”. Para isso, consideremos as proposições p:“Fazsol”, q :“Hoje faz mais frio do que ontem”, r :“Vamos nadar”, s :“Vamos passear decanoa” e t :“Vamos chegar tarde em casa”. Vamos ao trabalho.
1. ∼ p ∧ q (hip´ otese )2. ∼ p (simplificaç˜ ao a partir de 1.)3. r → p (hip´ otese )4. ∼ r (modus tollens a partir de 2. e 3.)5. ∼ r →∼ s (hip´ otese )6. s (modus ponens a partir de 4. e 5.)7. t (modus ponens a partir de 6. e 7.)
Exercı́cio 2.1 Dadas as premissas L´ ogica é dif́ıcil ou poucos estudantes gostam de L´ ogica e Se Matem´ atica é f́ acil ent˜ ao L´ ogica n˜ ao é dif́ıcil , determine se as seguintes
conclusões são válidas, justificando sua resposta.1. Matemática não é dif́ıcil se muitos estudantes gostam de Lógica.
2. Poucos estudantes gostam de Lógica se Matemática não é fácil.
3. Matemática não é fácil ou Lógica é dif́ıcil.
4. Lógica não é dif́ıcil ou Matemática não é fácil.
Exercı́cio 2.2 Para cada um dos argumentos a seguir, determine se ele é corretoou incorreto, justificando sua resposta.
1. Todos nessa sala sabem lógica. João estuda nessa sala. Logo João sabe lógica.
2. Todos os alunos de Matemática fazem Cálculo. Maria faz Cálculo. Logo Mariaé aluna de Matemática.
3. Papagaios gostam de frutas. Meu animal de estimação não é um papagaio.Logo meu animal de estimação não gosta de frutas.
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4. Todos que fumam ficam doentes. Paulo não está doente. Logo Paulo nãofuma.
Exerćıcio 2.3 Qual a conclusão que se pode tirar das premissas “Quando jogofutebol fico cansado”, “Quando fico cansado faço uma massagem” e “Eu não fizuma massagem”?
3 Definições
Já usamos várias vezes as expressões definimos , definido por e assim por diante; estána hora de falarmos um pouco mais sobre definições.
Uma definiç˜ ao é uma sentença que descreve o significado de um termo10. Em
outras palavras, uma definição é uma sentença que estabelece para uso da comu-nidade o significado de um novo termo em função de termos mais antigos. Se issoparece um poço sem fundo, de fato é; para que ele tenha fundo, temos as noç˜ oes primitivas , mas não é hora de entrar em muitos detalhes e continuamos com nossavisão simples.
Podemos, e é bom fazê-lo, enxergar uma definição como uma nova entrada emum dicionário que usamos em nosso trabalho, ou seja, nada mais que um sinônimoou uma abreviação. Um exemplo é a definição usual de números pares e ı́mpares:n é par é uma abreviação de “existe um inteiro k tal que n = 2k”, e similarmentepara n ́ ımpar.
Os exemplos acima devem deixar claro que os rótulos “certo, verdadeiro” ou
“errado, falso” não se aplicam a definições. Em outras palavras, não se discorda deuma definição, desde que fique claro o ambiente de sua validade. Nossa definição denúmeros pares e ı́mpares, por exemplo, é universal.
4 Teoremas e demonstrações
Nessa seção vamos discutir uma das atividades principais11 do trabalho matemático,que é demonstrar teoremas . As demonstrações apresentadas são propositalmentesimples; nosso objetivo é concentrar-nos na estrutura lógica de uma demonstraçãoe não em detalhes técnicos.
Teorema é sinônimo de “argumento”12 Em geral, teoremas aparecem na forma p → q ; lembramos que p é dita a hip´ otese e q a tese . Quando p é falsa ou q é
10http://en.wikipedia.org/wiki/Definition11Alguns dirão, com bons argumentos, a atividade principal.12Como sempre, lógicos profissionais vão objetar a essa “definição”; o autor não se incomoda e
segue em frente.
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verdadeira, p → q é verdadeira por definição; dizemos que o teorema é vazio noprimeiro caso e trivial no segundo.
A demonstraç˜ ao do teorema p → q consiste em mostrar que a implicação éverdadeira por meio de um argumento. É importante notar que não se discute se
p é ou não verdadeira; nosso interesse é apenas mostrar que a implicação é ver-dadeira. Como teoremas vazios não nos interessam, a partir de agora vamos chamarde teoremas afirmativas do tipo se p é verdadeira ent ̃ao q é verdadeira .
Exemplo 4.1 O teorema “Se há gatos em Arturus V então há vida extraterrestre”é verdadeiro, independente do valor verdade da hipótese.
Exercı́cio 4.1 Insira o conectivo lógico mais apropriado (→, ←, ←→ ou nenhum)entre cada par de afirmações de modo que se torne uma proposição verdadeira, onde
x é variável real. Justifique.
1. x = 3 ... x2 = 3x
2. x2 > 0 ... x = 03. x2 > 1 ... x > 1
4. x2 + 2x + 1 = 1 ... x = 0
5. x2 + 2x + 1 = 0 ... x = −1
6. x2
− 2x + 1 = 1 ... x = 0.Exercı́cio 4.2 Em cada caso abaixo, decida sobre o conectivo mais apropriado entreA e B: A → B, B → A, A ←→ B ou se não há conexão entre eles. Nas sentenças,x e y denotam números reais.
1. A : xy = 0. B : x = 0 ou y = 0.
2. A : xy = 0. B : x = 0 e y = 0.
3. A : xy = 0. B : x ≥ 0 ou y ≥ 0.
4. A : xy = 0. B : x2
+ y2
≥ 1.Exercı́cio 4.3 Considerando x e y números reais, insira conectivos →, ←, ←→ entreas sentenças abaixo. Justifique as implicações que são corretas e dê contraexemplosnuméricos para ilustrar a falsidade daquelas que você considerou erradas.
1. x2 + xy + y2 = 0 ... x = 0 e y = 0
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2. x2 = y2 ... x = y
3. x3 = y3 ... x = y.
Há vários métodos de demonstrar teoremas. A mais comum é mostrar direta-mente, por meio de um argumento, que a tese é verdadeira; uma demonstração dessetipo é dita direta . Vamos a um exemplo.
Teorema 4.1 Se n é um inteiro ı́mpar ent ̃ao n2 também é um inteiro ı́mpar.
Demonstraç˜ ao: Como n é ı́mpar, temos n = 2k + 1 para algum k ∈ Z. Logon2 = 4k2 + 4k + 1 = 2(2k2 + 2k) + 1, ou seja, n é ı́mpar. 13
Todos devem julgar a segunda maneira de escrever bem melhor. O ponto é darfluência à exposição suprimindo a escrita de justificativas “triviais” que decor-rem imediatamente de definições, resultados conhecidos ou argumentos de domı́niopúblico. Isso deve ser feito com cuidado e levando em conta o público alvo. Porexemplo, entre nós não é necessário justificar a passagem n2 = 4k2 + 4k + 1, mastalvez fosse conveniente fazê-lo para alunos do ensino fundamental e médio.
Exerćıcio 4.4 Comente o uso da generalização universal na demonstração acima.
A demonstração indireta de um teorema consiste em demonstrar sua contrapos-itiva.14
Teorema 4.2 Se n2 é par ent ̃ao n é par.
Demonstraç˜ ao: A contrapositiva é se n é ı́mpar ent ̃ao n2 é ı́mpar . Por sorte, esse éo teorema anterior, que já demonstramos (e assim faz parte ı́mplicita da hipótese).
Notamos que nesse teorema a demonstração direta não é aparente; de fato, escrevern2 = 2k não ajuda (em prinćıpio) a fazer algum comentário sobre n (o que fazercom n =
√ 2k?).
Exerćıcio 4.5 Prove com uma demonstração indireta e depois com uma demon-stração por contradição que se n ∈ Z e n3 + 5 é ı́mpar então n é ı́mpar.
Exerćıcio 4.6 Sendo n e m números inteiros, demonstre diretamente.
13O sinal é tradicionalmente usado para indicar o final de uma demonstração.14Lembramos, pela última vez, que p → q ≡∼ q →∼ p.
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1. Se n for par então (n − 1)2 + n3 é ı́mpar.2. Se n for par e n + m for ı́mpar então n2 + m2 + 1 é par.
3. Se n2 + m2 − 5 for par então ou n é ı́mpar ou m é ı́mpar.
Exercı́cio 4.7 Sendo n e m números inteiros, use a contrapositiva para demonstrar.
1. Se n2 − 3 for par então n é ı́mpar.2. Se nm + 1 for par então n e m são ambos ı́mpares.
3. Se n2 + m2 − 4 for ı́mpar então ou n é ı́mpar ou m é ı́mpar.
A equivalência( p → q ) ≡ ( p∧ ∼ q → F) .
dá origem a outra técnica de demonstração, dita por absurdo ou por contradiç˜ ao:para demonstrar p → q basta demonstrar p∧ ∼ q → F. A hipótese p∧ ∼ q échamada de hip´ otese de absurdo.
Exercı́cio 4.8 Verifique essa equivalência.
A idéia deve ser clara: como r → F só é verdadeira quando r é falsa, mostrarque p∧ ∼ q → F é verdadeira equivale a mostrar que p∧ ∼ q é falsa. Comosupomos p verdadeira, isso é o mesmo que mostrar que ∼ q é falsa, ou seja, que q é verdadeira. Em português, a fórmula usual é: supomos a tese falsa e chegamos auma contradição, logo a tese é verdadeira.
Vamos a um exemplo de uma demonstração por absurdo.
Teorema 4.3 Se n2 é par ent ̃ao n é par.
Demonstraç˜ ao: Suponhamos, por absurdo, que n seja ı́mpar. Então n = 2k + 1 paraalgum k e temos
n2 = (2k + 1)2 = 4k2 + 4k + 1 = 2(2k2 + 2k) + 1.
Logo n2 é ı́mpar, um absurdo pois n2 é par por hipótese.
A hipótese de absurdo nesse teorema é (n2 par) ∧ (n ı́mpar). Esquematicamente,mostramos que
(n2 par) ∧ (n ı́mpar) → (n2 par) ∧ (n2 ı́mpar) ≡ F,
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ou seja, p∧ ∼ q → p∧ ∼ p. Em geral, é isso que acontece em uma demonstraçãopor absurdo; ao final, falseia-se a hipótese que supomos verdadeira para começar,
sendo isso “a contradição”. Desse modo, se admitirmos que a hipótese de qualquerteorema é tudo o que sabemos verdadeiro anteriormente, então deve estar claro nãohá diferença entre demonstrações indiretas e por absurdo.
Uma das demonstraçãos por absurdo clássicas é a seguinte.
Teorema 4.4√
2 é irracional.
Demonstraç˜ ao: Suponhamos que√
2 ∈ Q, ou seja, que existam a, b ∈ Z tais que√ 2 = a
b. Simplificando se necessário, podemos supor que mdc(a, b) = 1. Temos
então a2 = 2b2; logo a2 é par e segue do teorema 4.3 que a é par, digamos a = 2c
com c ∈ N. Então a2
= (2c)2
= 4c2
= 2b2
, ou seja, b2
= 2c2
. Logo b2
é par e, outravez pelo teorema 4.3, temos que b é par; segue que mdc(a, b) ≥ 2, um absurdo poismdc(a, b) = 1. Logo
√ 2 é irracional.
Exerćıcio 4.9 Qual é a hipótese de absurdo dessa demonstração?
Exercı́cio 4.10 Sendo n e m números inteiros, demonstre por contradição.
1. Se n2 + 7 for par então n é ı́mpar.
2. Se nm − 1 for ı́mpar então n é par ou m é par.3. Se nm + 2 for ı́mpar então n é ı́mpar e m é ı́mpar.
Exercı́cio 4.11 Prove por contradição que a soma de um número racional comoutro irracional é irracional (sugest˜ ao: a diferença de dois números racionais éracional).
Se um teorema tem a forma ( p1 ∨ p2 ∨ . . . ∨ pn) → q , ele pode ser demonstradopor casos , usando a equivalência
( p1 ∨ p2 ∨ . . . ∨ pn) → q ≡ ( p1 → q ) ∧ ( p2 → q ) ∧ . . . ∧ ( pn → q ) ,
ou seja, demonstram-se separadamente as implicações p1 → q , p2 → q , . . . , pn → q .Vamos a um exemplo.
Teorema 4.5 Se n é ı́mpar ent ̃ao n2 é da forma 8k + 1.
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Demonstraç˜ ao: O algoritmo da divisão nos diz que existem inteiros q e r tais quen = 4q + r e 0 ≤ r < 4. Como n é ı́mpar, temos dois casos posśıveis: r = 1 our = 3.
15
No primeiro caso, temos
n2 = (4q + 1)2 = 16q 2 + 8q + 1 = 8(2q 2 + q ) + 1,
que é ı́mpar. No segundo caso temos
n2 = (4q + 3)2 = 16q 2 + 24q + 9 = 8(2q 2 + 3q + 1) + 1,
que também é ı́mpar.
Poderiamos também ter dividido essa última demonstração em quatro casos difer-entes, a saber n = 8k + 1, n = 8k + 3, n = 8k + 5 e n = 8k + 7, para depois demon-
strar o teorema em cada um desses casos. Fazemos isso abaixo para apresentar umatécnica de exposição que costuma reduzir bastante o trabalho em demonstrações porcasos.
Demonstraç˜ ao: (outra do teorema 4.5) Suponhamos n = 8k + 5. Então
n2 = (8k + 5)2 = 64k2 + 80k + 25 = 64k2 + 80k + 24 + 1 = 8(8k2 + 10k + 3) + 1
é da forma 8k + 1. Os outros casos são análogos.
O uso de “análogo” ao final da demonstração indica que os outros casos são demon-strados de maneira idêntica, salvo mudanças óbvias. Notamos que n = 8k + 1 nãoseria uma boa escolha para depois argumentar por analogia; de fato, esse caso n ãotem o “truque” 25 = 24 + 1.
Exercı́cio 4.12 Mostre que se x, y ∈ R então min(x, y) + max(x, y) = x + y.
Exercı́cio 4.13 Mostre que se x, y ∈ R então |x + y| ≤ |x| + |y|.
Exercı́cio 4.14 Prove as afirmações, sendo x e y números reais.
1. Se x ≥ y ≥ 0 ou x − y2 = 1 então x2 ≥ y2.
2. Se x ≥ y2 ou x ≤ y ≤ 0 então x(x − y2) ≥ 0.Em teoremas da forma p ↔ q , é habitual dividir a demonstração em duas partes:
a direta p → q e a rećıproca q → p.15Se r = 0 ou r = 2 então n seria par, uma contradição. Em geral, detalhes desse tipo não são
mencionados, mas é sempre bom tê-los em mente.
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Teorema 4.6 Mostre n é par se e somente se n2 é par
Demonstraç˜ ao: Suponhamos primeiro que n seja par, isto é, n = 2k para algumk ∈ Z. Então n2 = 4k2 = 2(2k2) é par. Reciprocamente, suponhamos n2 par; nessecaso o teorema 4.3 nos mostra que n também é par.
Mais geralmente, é comum encontrar teoremas cujo enunciado é do tipo “Mostrarque as afirmativas p1, p2, . . . , pn são equivalentes”, ou seja, que pi ↔ p j para todosos pares i, j. Idealmente, teoremas nessa forma são demonstrados usando o esquema
p1 → p2, p2 → p3, . . . , pn−1 → pn e pn → p116.
Teorema 4.7 Mostre que as seguintes afirmativas s˜ ao equivalentes:
p1 : n é par
p2 : n − 1 é ı́mpar
p3 : n2 é par
Demonstraç˜ ao: Vamos mostrar que p2 → p1 → p3 → p217. p2 → p1: temos n − 1 = 2k + 1, donde n = (n − 1) + 1 = (2k + 1) − 1 = 2k é par. p1 → p3: esse é o teorema 4.3. p3 → p2: observamos que se n2 é par então n2 − 1 é ı́mpar. Como n2 − 1 =
(n − 1)(n − 1) e um produto ı́mpar só tem fatores ı́mpares segue que n − 1 é ı́mpar.
Para finalizar essa seção, vamos falar de demonstrações de exist̂encia e unicidade .No primeiro caso, pede-se para garantir a exist̂encia de um objeto que satisfaça adeterminadas condições.
Teorema 4.8 Existe um inteiro positivo que pode ser escrito como soma de cubos de duas maneiras diferentes.
Demonstraç˜ ao: Basta escrever 1729 = 13 + 123 = 93 + 103.
Exercı́cio 4.15 Discuta como escrever o enunciado do teorema anterior na formausual p → q .
16Qual é a regra de inferência que está sendo usada aqui?17Escolhemos essa ordem por convenîencia pessoal, outras são evidentemente possı́vieis.
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Uma demonstração desse tipo é dita construtiva , pois exibe explicitamente um objetocom as propriedades requeridas. Quando a existência é provada abstratamente, isto
é, sem um exemplo concreto, dizemos a é demonstração n˜ ao construtiva , como aseguir.
Teorema 4.9 Existem n´ umeros irracionais x e y tais que xy é racional.
Demonstraç˜ ao: Sabemos do teorema 4.4 que√
2 é irracional. Seja r =√
2√ 2. Se r
é racional então o teorema está provado com x = y =√
2. Se r é irracional então
r√ 2 =
√ 22
= 2 é racional e o teorema está provado com x = r e y =√
2.
Notamos que essa demonstração não nos diz qual entre r e r√ 2 é racional; sabemos
apenas que um deles é racional. Uma outra demonstração clássica, que afirma apenas
a existência do objeto procurado sem exibı́-lo, é a seguinte.
Teorema 4.10 Existem infinitos n´ umeros primos.18
Demonstraç˜ ao: Vamos mostrar que se p1, p2, . . . , pn são primos então existe um primodistinto de todos eles. Para isso, consideremos o número r := p1 p2 . . . pn + 1. Peloteorema fundamental da Aritmética, r possui um divisor primo p; claramente19 p édiferente de p1, p2, . . . , pn.
Essa demonstração é devida a Euclides (±300 a.c.) e é considerada uma das maisbelas de toda a Matemática.
Exercı́cio 4.16 Mostre que há um inteiro positivo igual à soma de todos os inteirospositivos menores que ele. Sua demonstração é construtiva?
Exercı́cio 4.17 Mostre que dado qualquer natural n existem n inteiros positivosconsecutivos, nenhum dos quais é um número primo. Sua demonstração é constru-tiva?
Exercı́cio 4.18 Prove que se x é irracional ≥ 0 então √ x é um número irracional.
Exercı́cio 4.19 Prove que√
2 +√
3 é um número irracional.
Exercı́cio 4.20 Se x e y são números reais positivos, prove que a média aritméticade x e y é maior que a média geométrica de x e y, isto é, x+y
2 >
√ xy.
18Qual é a hipótese desse teorema?19Uma das irritantes palavras usadas por matemáticos quando ficam com preguiça de escrever
todos os detalhes; nesse caso, cabe ao(a) leitor(a) preencher as lacunas.
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