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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC

GUILHERME CARNIELLI ROMERO

JÉSSICA ANDRADE TRINDADE

ASPECTOS DA INTERAÇÃO BIOMATERIAL-TECIDO: UMA REVISÃO

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2019

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GUILHERME CARNIELLI ROMERO

JÉSSICA ANDRADE TRINDADE

ASPECTOS DA INTERAÇÃO BIOMATERIAL-TECIDO: UMA REVISÃO

Projeto referente ao

Trabalho de Graduação apresentado à

Universidade Federal do ABC como

requisito parcial para obtenção do

diploma no curso de graduação em

Engenharia Biomédica.

Orientador: Prof. Dr. Frederico Augusto

Pires Fernandes

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2019

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“Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma coisa.

Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso aprendemos sempre.”

Paulo Freire

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RESUMO

ROMERO, Guilherme Carnielli; TRINDADE, Jéssica Andrade. Aspectos da

Interação Biomaterial-Tecido: Uma Revisão. Trabalho de Graduação em

Engenharia Biomédica. Universidade Federal do ABC. São Bernardo do Campo, SP,

2018.

A biocompatibilidade é definida como a capacidade de um biomaterial em

desencadear e influenciar no processo de cicatrização, restauração e integração

tecido-material em uma lesão, de maneira a interagir com os tecidos do entorno e

órgãos adjacentes - sem causar dano e sem prejudicar a função do dispositivo ali

presente. O objetivo deste trabalho foi o aprofundamento dos conceitos teóricos desta

interação biomaterial-tecido. Além disso, trazer uma perspectiva mais acessível sobre

o processo da biocompatibilidade sem perder de vista a coerência dos conceitos.

Foram avaliados os mecanismos de biocompatibilidade, como as respostas

fisiológicas ao biomaterial de maneira sistêmica e local, as consequências à cada

classe de biomaterial existente e quais os artifícios possíveis para melhorar a

aplicabilidade clínica. A interação na interface do biomaterial-tecido é uma cadeia

complexa de reações entre o organismo e o dispositivo. É necessário e possível um

equilíbrio de ambas as partes para o funcionamento desejável, com variações e

particularidades dentro de cada classe de biomaterial.

Palavras-chave: biomateriais; biocompatibilidade; resposta inflamatória.

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ABSTRACT

ROMERO, Guilherme Carnielli; TRINDADE, Jéssica Andrade. Aspects of

Biomaterial-Tissue Interaction: A Review. Trabalho de Graduação em Engenharia

Biomédica. Universidade Federal do ABC. São Bernardo do Campo, SP, 2018.

Biocompatibility is defined as the ability of a biomaterial to trigger and influence the

healing process, restoration and tissue-material integration in a lesion, in order to

interact with surrounding tissues and adjacent organs - without causing damage and

without impairing the function of the device. The objective of this work was to deepen

the theoretical concepts of the biomaterial-tissue interaction. In addition, bring a more

accessible perspective on the process of biocompatibility without losing sight of the

coherence of concepts. The mechanisms of biocompatibility, such as the physiological

responses to the biomaterial in a systemic and local way, the consequences to each

class of biomaterial and the possible factors to improve the clinical applicability were

evaluated. The interaction at the biomaterial-tissue interface is a complex chain of

reactions between the organism and the device. It is necessary and possible a balance

between both parts for desirable operation, with variations and particularities within

each class of biomaterial.

Keywords: biomaterials; biocompatibility; inflammatory response

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 6

2. OBJETIVOS 9

3. METODOLOGIA 10

4. AMBIENTE FISIOLÓGICO 11

4.1 Coagulação 13

5. SISTEMA IMUNE 17

6. INTERAÇÃO ENTRE PROTEÍNAS E A SUPERFÍCIE 20

7. INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO 23

8. CLASSES DE BIOMATERIAIS 29

8.1. Biomateriais Metálicos 30

8.2. Biomateriais Poliméricos 33

8.3. Biomateriais Cerâmicos 34

9. INFLUÊNCIA DAS PROPRIEDADES DOS MATERIAIS NA BIOCOMPATIBILIDADE 37

9.1. Metais e ligas 38

9.2. Polímeros 41

9.3. Cerâmicas 42

10. DISCUSSÃO E PERSPECTIVAS 44

11. CONCLUSÃO 47

REFERÊNCIAS 48

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1. INTRODUÇÃO

Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA, 2018), um

biomaterial é uma substância ou biomaterial, com exceção de alimentos e drogas,

utilizado de maneira terapêutica ou diagnóstica que tem interação direta com fluidos

e tecidos biológicos. Eles podem ser de natureza sintética ou natural, orgânico ou

inorgânico, vivos ou inanimados e tem função de aprimorar ou substituir uma função,

um tecido ou um órgão danificado. (RATNER, 2004)

Os biomateriais correspondem a uma parte significativa dos 300 mil

biomateriais utilizados em saúde de acordo com dados de 2005. Há registros de uso

dos biomateriais desde a Antiguidade, como por exemplo, suturas de linho e ouro

utilizadas no Antigo Egito (2000 A.C.). Atualmente, existem aplicações cada vez mais

diversas e que se aprimoraram ao longo do tempo como as lentes de contato,

sensores, tecidos artificiais, dentre outros. (WILLIAMS, 2008).

Os biomateriais podem ser divididos em quatro principais categorias:

poliméricos, metálicos e cerâmicos (provindos de animais e plantas). Sendo que,

algumas vezes, duas classes de biomateriais são combinadas nos chamados

materiais compósitos, formando assim uma quinta classe. Cada classe apresenta

suas características, individualidades e usos. Como consequência, a interação dos

mesmos com tecidos e células é diferente. Sendo assim, com o advento de novas

tecnologias, estes materiais foram sendo aperfeiçoados e otimizados: quanto mais se

conhece sobre o mecanismo fisiológico de interação biomaterial-tecido, mais

complexos se tornam os desafios dentro desta área (RATNER, 2004; PIRES; BIERHALZ;

MORAES, 2015).

Dessa interação, o fator mais importante e que difere o biomaterial de um

material comum é a capacidade de entrar em contato com tecidos, fluidos ou sistema

do corpo humano sem causar dano de grau inaceitável ao local de implante. O

mecanismo de coexistência entre o biomaterial e o tecido de forma equilibrada e que

maximize o desempenho do dispositivo médico tem sido objeto de estudo de

cientistas e discutida no contexto da biocompatibilidade (WILLIAMS, 2008).

De uma maneira geral, pode-se dizer que o desempenho de materiais para uso

na área da saúde é controlado por dois conjuntos de características, um que

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determina a capacidade de um dispositivo em executar a função apropriada

(funcionalidade) e outro que está relacionado à compatibilidade do biomaterial com o

corpo. Os dois termos, biofuncionalidade e biocompatibilidade, são usados para

denotar essas características. De forma simplificada, eles podem ser considerados

conceitos diferentes mas, na prática, e com aplicações cada vez mais avançadas isso

tem se alterado. De fato, a biofuncionalidade pode ser descrita como um conjunto de

propriedades que permitem que um dispositivo desempenhe uma determinada

função, enquanto a biocompatibilidade se refere à capacidade do dispositivo de

continuar a executar essa função, de maneira efetiva e pelo tempo que for necessário

(WILLIAMS, 2008).

Biocompatibilidade é um termo muito utilizado dentro da ciência dos

biomateriais, porém a sua definição está em constante atualização, frente a novas

tecnologias, desenvolvimento de novos biomateriais e principalmente os novos

desafios de aplicação. O conceito envolve atualmente desde engenharia de tecidos,

entrega de medicamentos, até nanotecnologia e transfecção de genes — tornando

ainda mais urgente o estudo dos mecanismos dessa interação e a clareza de seus

funcionamentos (WILLIAMS, 2008).

Segundo Ratner (2015), biocompatibilidade é a capacidade de um biomaterial

em orientar e desencadear um processo de cicatrização, restauração e integração

tecido-material em uma lesão normal. Desse ponto de vista, grande parte dos

dispositivos utilizados comercialmente no período atual não se encaixa no conceito

de biocompatível, pois podem desencadear também processos inflamatórios no

organismo após longo período de exposição, ainda que de maneira controlada. Outro

ponto importante é que esta definição só faz sentido em uma interação in vivo do

biomaterial, visto que estes processos dependem na maioria das vezes de

vascularização (RATNER, 2015).

O conceito de biocompatibilidade tem sido reavaliado constantemente e alguns

fatores impulsionam a sua atualização. Primeiramente, todos somos seres únicos,

com particularidades de cada sistema biológico e modos de funcionamento muito

específicos que dependem de fatores internos e externos, como alimentação, rotina

de vida, genética, dentre outros. Com isso, a resposta do organismo está sujeita ao

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indivíduo e ao local de implante do biomaterial e a mesma já começa com o prórpio

início do procedimento. (RATNER, 2015).

A lesão induzida pelo próprio procedimento cirúrgico de implante sempre inicia

uma cascata de respostas do hospedeiro, começando pelo contato do biomaterial,

adsorção de proteínas na superfície, seguida de coagulação sanguínea e ativação do

sistema complemento. Durante a resposta inflamatória aguda inicial, os neutrófilos e

monócitos são recrutados para o local da inflamação. A inflamação aguda pode levar,

na melhor das hipóteses, à restauração da integridade do tecido ou pode evoluir para

inflamação crônica e encapsulação fibrótica. A extensão e a duração dessas

respostas dependem de vários aspectos, como o tipo de lesão e a cirurgia realizada,

o tipo de tecido ou órgão implantado com o biomaterial e as propriedades de tamanho

e superfície do biomaterial implantado, por exemplo (ZHOU; GROTH, 2018).

Apesar de serem repostas normais e esperadas quando um bmaterial é

implantado, o grande questionamento que se abre neste âmbito é: o processo

inflamatório em si pode ser classificado como bom ou ruim? Desejável ou

indesejável? Ele deve ser combatido em todos os momentos da terapia do paciente

ou somente controlado? Utilizar os próprios sistemas biológicos do organismo, o seu

equilíbrio natural e menos intervenções artificiais tem se mostrado mais efetivo e vem

sendo estudado por grandes áreas como a Engenharia de Tecidos e a Medicina

Regenerativa. (ZHOU; GROTH, 2018).

Assim, o presente trabalho busca integrar e atualizar o conceito principal de

biocompatibilidade e os conceitos direta e indiretamente relacionados (biomateriais e

suas classes, biofuncionalidade, resposta do hospedeiro e interações com o meio

fisiológico) por meio de uma revisão bibliográfica que apresenta os principais e mais

recentes estudos e etapas indo desde o implante do biomaterial até o seu uso em

longo prazo. Para isso, é necessário destacar e um melhor entendimento das

principais características que um biomaterial deve apresentar para desencadear uma

resposta otimizada e cada vez melhor para o paciente, facilitando assim futuros

estudos e pesquisas.

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2. OBJETIVOS

O presente estudo tem como objetivo o aprofundamento teórico no âmbito da

interação entre biomateriais e tecidos, para aplicações na área médica. A partir disso

avaliaram-se os mecanismos de biocompatibilidade, assim como as respostas

fisiológicas do corpo e suas consequências para as diferentes classes de biomateriais

existentes.

Além disso, este trabalho tem por objetivo específico proporcionar um texto

sobre o processo inflamatório e a interação do biomaterial do ponto de vista fisiológico

para estudantes da área de Exatas e Engenharia em uma linguagem fácil e acessível

- dada à dificuldade em encontrar material em linguagem adequada para este público.

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3. METODOLOGIA

A pesquisa foi realizada de setembro de 2018 a julho de 2019, na Universidade

Federal do ABC, câmpus São Bernardo do Campo, São Paulo, Brasil. Foi realizado

um levantamento histórico na literatura sobre trabalhos que apresentassem a

evolução dos conceitos de biocompatibilidade de materiais usados na medicina, os

biomateriais. Com tais conceitos fundamentados, foi realizada uma pesquisa

bibliográfica sobre a resposta do organismo frente a aplicação de um biomaterial, bem

como as particularidades associadas à estrutura e propriedades de cada classe de

biomaterial.

Os conceitos abordados neste trabalho foram identificados por meio de

pesquisa em metodologias, caracterizações e resultados de artigos científicos,

disponíveis em bancos de dados de publicações acadêmico-científicas, como por

exemplo Web of Science e PUBMED. O período de pesquisa e escrita foi de Setembro

de 2018 à Julho de 2019.

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4. AMBIENTE FISIOLÓGICO

As interações de células, tecidos e fluidos corpóreos com biomateriais ou

dispositivos médicos é uma área de crucial importância para todos os tipos de

tecnologias médicas. Um dos principais conceitos para se entender melhor a

interação do biomaterial com o tecido é que diversos processos e mecanismos

ocorrem simultaneamente durante essa interação. O ambiente fisiológico é

quimicamente, eletricamente e mecanicamente ativo. Isso significa que o local de

interação entre um biomaterial implantado e o corpo é palco para diversos processos

e reações bioquímicas (DEE; PULEO; BIZIOS, 2002).

De um âmbito geral, cerca de 60% do corpo humano é composto por líquidos.

A maior parte deste líquido está dentro das células e é chamado de líquido intracelular

e o restante se encontra fora delas, o líquido extracelular. Esse líquido é transportado

pelo sangue e é responsável por levar íons e nutrientes para manter a vida celular.

Sendo assim, células, tecidos e órgãos podem viver, crescer e executar suas funções

com concentrações adequadas de oxigênio, glicose, íons, aminoácidos, lipídeos e

outros constituintes que estiverem disponíveis para manter a homeostasia -

responsável pela manutenção das condições constantes, ou estáticas do meio interno

(GUYTON; HALL; 2011).

Dependendo da aplicação, os biomateriais podem entrar em contato com

diferentes estruturas como ossos, órgãos, vasos sanguíneos, articulações, gordura,

músculo, entre outras. Mas, de uma maneira geral, a maioria dos materiais interage

inicialmente com o principal tecido do corpo humano: o sangue. O sangue pode ser

considerado como uma suspensão de células no plasma - uma solução aquosa que

contém uma grande variedade de moléculas orgânicas e inorgânicas - e seus

principais componentes podem ser vistos na Tabela 1 (GUYTON; HALL; 2011).

Existem três principais grupos de células presentes no sangue; o primeiro tipos

são os eritrócitos, também conhecidos por hemácias, que são responsáveis por

carregar oxigênio que será usado na troca gasosa dentro dos capilares nos tecidos e

órgãos. Além disso, os eritrócitos são o tipo de célula em maior número no sangue

como um todo. O segundo tipo de célula são os leucócitos ou glóbulos brancos que

englobam os neutrófilos, linfócitos, monócitos, eosinófilos, basófilos. Ao contrário das

plaquetas e das hemácias, eles não estão necessariamente confinados no sangue e

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são liberados nos tecidos, quando necessário, para realização de atividades

específicas (GUYTON; HALL; 2011).

Tabela 1. Principais componentes do plasma humano.

Componente Concentração (g/dL)

Água 90 - 92

Proteínas

Albumina 3,3 - 4

Fibrinogênio 0,34 - 0,43

Globulina alfa 1 0,31 – 0,32

Cátions

Na+ 0,31 - 0,34

K+ 0,016 - 0,021

Ca2+ 0,0009 - 0,011

Mg2+ 0,002 - 0,003

(Adaptado de WILLIAMS, 1987)

Por fim, o terceiro grupo seria o das plaquetas. Essas células possuem um

papel importante na regulação da hemostasia e, dentro de algumas condições, são

ativadas e levam a alterações bioquímicas, funcionais e estruturais nas células. Os

efeitos mais notáveis da ativação das plaquetas podem ser vistos no processo de

adesão celular a locais de lesão na parede de vasos sanguíneos, a sua agregação e

a fusão de grânulos e substâncias com a membrana plasmática para facilitar a

liberação de conteúdos e dar continuidade ao processo de coagulação. Cada um

desses tipos está disposto na Figura 1 (GUYTON; HALL; 2011).

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Figura 1. Tipos de células sanguíneas.

(Adaptado de SCHWARTZ e CONLEY, 2019)

Como visto na Tabela 1, o plasma possui uma composição bastante

heterogênea de íons, moléculas e estruturas. As proteínas presentes no plasma

incluem aquelas que fornecem nutrientes para as células, principalmente albumina e

lipoproteínas, aquelas que estão envolvidas no transporte de hormônios e outras

substâncias químicas, e aquelas que estão envolvidas no processo de defesa,

especialmente as imunoglobulinas, e de especial relevância para esta discussão, as

proteínas que participam da coagulação de maneira direta ou indireta (GUYTON;

HALL; 2011).

4.1 Coagulação

Toda vez que um vaso é lesionado ou rompido, diversos mecanismos

fisiológicos atuam para restabelecer o processo de hemostasia, que pode ser definido

como a prevenção da perda de sangue. Os principais mecanismos são: (1) constrição

vascular, relacionada a contração da musculatura lisa, diminuindo o fluxo de sangue

no vaso lesionado, (2) formação de um tampão plaquetário, (3) formação de um

coágulo a partir do processo de coagulação e (4) crescimento fibroso no coágulo para

o fechamento do mesmo (DEE; PULEO; BIZIOS, 2002).

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Quando as plaquetas presentes no sangue entram em contato com células e

estruturas endoteliais, como o colágeno, ou até dando continuidade à adsorção de

proteínas às superfícies, diversas alterações estruturais ocorrem. As plaquetas

aderem, se dilatam e tomam formas diferentes, ocorrem contrações que fazem com

que os grânulos alfa secretem seus conteúdos, incluindo o fator plaquetário 4 (PF4)

e a tromboglobulina β (βTG). Além disso, ocorre a liberação do conteúdo dos

chamados grânulos densos incluindo o ADP (Adenina Difosfato) e a síntese do

Tromboxano 𝐴2(𝑇𝑥𝐴2) que acabam atraindo e recrutando ainda mais plaquetas e

formam o chamado tampão plaquetário (Figura 2) (GUYTON; HALL; 2011).

Figura 2. Ilustração da reação plaquetária à superfícies artificiais.

(Adaptado de RATNER, 2004)

Com a ativação do processo subsequente de coagulação, desencadeado pela

formação da trombina, são produzidos filamentos de fibrina que se anexam à esses

tampões e os deixam mais firmes como pode ser visto na Figura 2 (DEE; PULEO;

BIZIOS, 2002; GUYTON; HALL; 2011).

O outro mecanismo, e talvez o mais importante da hemostasia, é a coagulação.

O coágulo começa a se formar em até 15 segundos dependendo do trauma, sendo

que quem inicia esse processo são as proteínas produzidas pela parede vascular,

pelas plaquetas e as proteínas presentes no sangue que se aderem a parede

lesionada. Sendo assim, a coagulação pode ser definida como o resultado de reações

químicas em cascata de proteínas chamadas de fatores de coagulação. Esses fatores

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circulam no sangue e são ativados, por exemplo, quando em contato com uma

superfície de um biomaterial (DEE; PULEO; BIZIOS, 2002; GUYTON; HALL; 2011).

O mecanismo geral da coagulação pode ser descrito essencialmente em três

principais etapas. Na primeira, teríamos a formação de um ativador da protrombina

por meio de cascatas de reações em resposta à lesão de um vaso ou de algum

problema no sangue. Na segunda, temos que esse ativador vai acelerar a conversão

da protrombina em trombina. Por fim, a trombina trabalha como enzima para converter

fibrinogênio em fibras de fibrina, formando um conjunto de células sanguíneas,

plaquetas e plasma para formar o coágulo (GUYTON; HALL; 2011).

Pode-se dividir o processo de obtenção do fator de ativação da protrombina

em dois subgrupos: via extrínseca e a via intrínseca como pode ser visto na Figura 3.

Na primeira, o processo se inicia com um trauma nas paredes vasculares e nos

tecidos que liberam tromboplastina, fosfolipídeos e complexos lipoproteicos. Esses

fatores interagem entre si por meio de diferentes relações e acabam por liberar os

fatores VII e o fator X que têm como via final a formação de fibrina com a participação

de um feedback positivo da trombina (GUYTON; HALL; 2011).

A coagulação intrínseca, por sua vez, começa com a exposição do sangue à

uma superfície estranha, um biomaterial por exemplo, ou com um trauma nas

plaquetas. O fator XII se liga à superfície e a cascata é ativada. As plaquetas que se

aderem à superfície ou que são danificadas liberam fosfolipídeos e fatores

plaquetários III, responsáveis pela ativação do fator X e na formação do ativador de

protrombina. Como as vias intrínseca e extrínseca se unem na ativação do fator X,

temos a denominação de caminho comum (Figura 3) para a série de reações do fator

X até a formação da fibrina propriamente dita (GUYTON; HALL; 2011).

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Figura 3. Mecanismos de coagulação. (Adaptado de RATNER, 2004)

Ressalta-se o fato de a coagulação ser automaticamente iniciada com a

implantação de um biomaterial e, apesar de o grau da coagulação, da inflamação e

dos eventos subsequentes serem determinados pelas propriedades da superfície dos

biomateriais, todo e qualquer tipo de biomaterial vai provocar uma resposta biológica.

O entendimento dos mecanismos iniciais da via intrínseca são de extrema importância

para o desenvolvimento de biomateriais com interação sanguínea cada vez mais

promissores (DEE; PULEO; BIZIOS, 2002).

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5. SISTEMA IMUNE

O corpo humano, de uma maneira geral, tem a capacidade de reagir a toda

substância e/ou biomaterial que entrar em contato com ele. A sobrevivência de um

organismo depende da sua capacidade de reconhecer, interpretar e responder às

mudanças em seu ambiente fisiológico. Essas mudanças podem ser propositais, em

caso da utilização de um biomaterial, por um antígeno que pode estar ligado ou de

maneira inesperada. Essa capacidade é definida como imunidade, que é dividida em

adquirida e inata (GUYTON; HALL, 2011; GERMAIN, 1994).

A imunidade adquirida é desenvolvida por um processo mais específico

durante e após a exposição a um determinado vírus, antígeno, bactéria ou toxina. A

outra parte da imunidade resulta dos processos mais generalizados e é chamada de

imunidade inata (GUYTON; HALL; 2011).

Na imunidade inata, os principais mecanismos de funcionamento são os de

fagositores e liberação de mediadores inflamatórios, além da síntese de proteínas e

ativação das mesmas pelo sistema complemento. As células efetoras principais são

os macrófagos, neutrófilos, células dendríticas e células Natural Killers (NK). Todos

estes mecanismos para a imunidade inata só podem ser ativados por meio de

estímulos muito específicos não-adaptativos. Os padrões moleculares reconhecidos

por esse sistema são os previamente programados no código genético de cada

indivíduo (CRUVINEL et.al., 2010).

Moléculas como lipopolissacarídeos, resíduos de manose e ácidos teicóicos,

que são encontrados na membrana da maioria dos micro-organismos, estão

relacionados ao que constitui-se como Padrões Moleculares Associados à Patógenos

(PAMPs). Esses padrões ativam à resposta inata de maneira semelhante ao modelo

antígeno-anticorpo, onde os receptores de reconhecimento de padrão interagem com

a composição molecular e desencadeiam uma resposta específica à molécula

(CRUVINEL et.al., 2010).

Já para a imunidade adquirida, as principais células efetoras são as

apresentadoras de antígenos de maneira conjunta aos linfócitos. O mecanismo desse

sistema tem por característica proeminente à especificidade da resposta, o que evita

respostas autoimunes do organismo. Há também neste mecanismo a diversidade no

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reconhecimento e memória do contato com o antígeno, que são associados às

moléculas do complexo de histocompatibilidade principal, conjunto de genes humano

que corresponde a cerca de 20% do controle do sistema imune, e apresentados aos

linfócitos T (DEE; PULEO; BIZIOS, 2002; CRUVINEL et.al., 2010).

Apesar de possuírem diferenças tanto de células efetoras quanto de

mecanismo de funcionamento, há uma ponte que interliga a imunidade adquirida e

inata: as células dendríticas (CD). Especializadas em captura e apresentação de

antígenos para os linfócitos, são atraídas pelos elementos da resposta inata e

responsáveis pela sensibilização dos linfócitos T da imunidade adquirida. As CD

agem de maneira diferente dependendo do estado de maturação (CRUVINEL et.al.,

2010).

Quando imaturas, partem da medula óssea e vão para à corrente sanguínea,

podendo entrar em contato, por exemplo, com o antígeno da lesão. Ali, são ativadas

e migram para os os órgãos linfóides onde são maturadas. As CD tem por

característica reter parte do antígeno dentro de si após o contato, levando-o

consequentemente para dentro dos órgãos linfóides, contribuindo para a memória

imunológica - importante para a imunidade adquirida. Dependo das respostas que

estas células fornecem ao organismo, isso orquestra qual da resposta imune, inata

ou adquirida, será ativada como reação a lesão ou processo infeccioso (GERMAIN,

1994; CRUVINEL et.al., 2010).

O processo inflamatório faz parte da resposta da imunidade inata contra os

micro-organismos. Além disso, a imunidade inata estimula e fornece sinais de alerta

para gerar resposta da imunidade adquirida, influenciando também a forma que a

imunidade adaptativa se desenvolve. Sendo assim, o conhecimento do sistema imune

e seus componentes é crucial para a interpretação correta do mecanismo da

inflamação (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2015).

Apesar de existir essa divisão entre os dois principais sistemas (inata e

adquirida) o desenvolvimento de uma resposta imune apropriada e eficaz requer um

interação coordenada e cuidadosamente controlada entre os dois sistemas, por meio

de fatores solúveis e subconjuntos celulares (ABBAS; LICHTMAN; PILLAI, 2015).

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A implantação de um biomaterial induz uma reação do hospedeiro ao implante

que determina o desempenho biológico do implante. Dispositivos médicos, usados na

reparação ou regeneração de tecidos, impactam diretamente o sistema imune, pois

na maioria das vezes são confeccionados com materiais que são estranhos ao

sistema imune, como metais, polímeros, entre outros Produtos de degradação

liberados por biomateriais e as mudanças de superfície resultantes da degradação

do biomateriais ativam o sistema imunológico. A interação entre o sistema imune do

hospedeiro e o biomaterial depende do tecido que circunda o implante, o que

impulsiona as defesas inatas específicas do tecido seguida pela indução de respostas

imunes adaptativas (FISHMAN et.al, 2015).

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6. INTERAÇÃO ENTRE PROTEÍNAS E A SUPERFÍCIE

Para aplicações biológicas, independente do tipo, é necessário entender a

importância da interação inicial entre o biomaterial e o tecido. O ambiente fisiológico

em que as células, tecidos e órgãos estão inseridos são de suma importância para a

definição de sua forma e função, por exemplo. As substâncias do ambiente fisiológico

estão sempre se comunicando e gerando sinais que vão levar as células a realizarem

suas atividades comuns como migrar, dividir e diferenciar. Tais atividades oferecem

a complexidade de todas as respostas celulares no corpo e podem definir

especificamente a reação a qualquer biomaterial implantado (AGRAWAL, 2014).

A superfície é a região de maior importância em qualquer biomaterial, pois

estabelece o primeiro contato entre o meio externo e interno. A interface biomaterial-

tecido que é estabelecida no implante é quase sempre uma interação entre o sangue

e o biomaterial. Desta maneira, pode-se dizer que os eventos iniciais são

comandados pela adsorção de proteínas do sangue na superfície. O processo de

adsorção pode ser definido como a adesão de moléculas do fluido a uma superfície

sólida que, consequentemente, irá ativar processos como o de coagulação

sanguínea, ativação do complemento e adesão celular, por exemplo (DEE; PULEO;

BIZIOS, 2002)..

De maneira microscópica, as proteínas estão imediatamente disponíveis nos

fluidos corporais, como o sangue, e são adsorvidas na superfície do biomaterial,

quando implantado. Além disso, com a chegada de outros fatores humorais, como

anticorpos e leucócitos, há a geração de biomoléculas adicionais de adsorção de

superfície (WILLIAMS, 1986).

As proteínas nativas revestem os biomateriais em um processo que é rápido e

extremamente competitivo pelo fato da grande diversidade de proteínas existentes,

formando então uma matriz provisional no entorno do biomaterial. Quando a adsorção

de proteínas presentes no plasma ocorre em um biomaterial implantado, essas

proteínas competem por sítios de ligação de superfície com base em seus respectivos

gradientes de concentração e afinidades (BADYLAK, 2015).

O fenômeno mais comum envolvendo interação entre essas proteínas nas

superfícies é conhecido como Efeito Vroman, conforme Figura 4. Apesar da difusão

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proteica ocorrer em taxas diferentes, as proteínas que já adsorvidas podem ser

deslocadas da superfície por proteínas subsequentes. As proteínas que têm maior

afinidade com a superfície e são tipicamente maiores e flexíveis são capazes de

deslocar outras proteínas, que foram adsorvidas precocemente. Esta capacidade lhes

permite aderir fortemente ao biomaterial, por possuírem mais pontos de contato

(FELGUEIRAS et.al., 2018).

No final do processo de adsorção, a grupo inicial de proteínas na superfície foi

substituída por outras proteínas. A composição final da camada adsorvida é, portanto,

um resultado do tipo, quantidade e afinidade relativa das proteínas recrutadas e

disponíveis no meio. Na Figura 4 observa-se que a proteína B chega primeiro na

superfície mas acaba sendo substituída pela proteína A, que cria ligações mais

estáveis com a superfície (FELGUEIRAS et.al., 2018).

Figura 4. Representação do Efeito Vroman.

(Adaptado de FELGUEIRAS et.al., 2018).

Além disso, a adsorção é impulsionada principalmente pelo acúmulo de

numerosas ligações não covalentes na interface superfície-proteína, pela

redistribuição dos grupos carregados na superfície e pelas mudanças

conformacionais na estrutura da proteína. Tamanho, carga, estrutura, estabilidade e

taxa de desdobramento das proteínas contribuem para as interações de superfície.

Já para o biomaterial, a topografia, composição, hidrofobicidade e carga são os

principais determinantes da adsorção de proteínas. Algumas das principais

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características das proteínas e seus efeitos podem ser vistos na Tabela 2 (BADYLAK,

2015).

Tabela 2. Relação entre as propriedades e efeitos das proteínas para a interação com o biomaterial.

Propriedade Efeito

Tamanho Quanto maior a proteína, maior a superfície de contato e

melhor a aderência

Carga elétrica Moléculas perto do seu ponto isoelétrico tem a tendência de

adsorver mais rapidamente

Estabilidade As ligações de crosslink entre cadeias proteicas garantem a estabilidade da molécula. Quanto menor a estabilidade, mais

rápido é o processo de conexão com a superfície

Taxa de desdobramento Quanto maior for à velocidade em que a proteína se desenrola, mais rápida é o contato com a superfície

(Adaptado de DEE, PULEO e BIZIOS, 2002)

Pode-se ver que as principais características das proteínas como tamanho e

carga elétrica exercem um importante papel na interação das proteínas e biomaterial.

Forma-se, então uma camada de proteínas, adsorvida na superfície, que irão interagir

com as células que posteriormente chegarão ao local do implante, guiando então os

eventos e respostas celulares subsequentes, como inflamação e infecção que irão

ditar o sucesso ou não do implante.

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7. INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO

A inflamação é um processo normal e necessário para a restauração de lesões

de tecidos e cura - sendo uma etapa posterior ao processo de coagulação. Ainda no

Egito Antigo já foram documentados indícios desse processo, descrito em 1650 a.C.

como “algo em chamas”. Porém, somente no primeiro século foram definidos mais

detalhes desse processo. Calor, rubor, tumor e dor são os quatro pontos cardinais do

processo inflamatório e permitem sua identificação (Figura 5), descritos de maneira

certeira pelo romano Celsus no primeiro século (ZHOU; GROTH, 2018; ABBAS;

LICHTMAN; PILLAI, 2015).

Figura 5. Cinco sinais do processo inflamatório.

(Adaptado de KRISHNAPPA, 2016)

A infecção é o processo de colonização do tecido por microorganismos como

bactérias, fungos ou vírus. Como resultado da infecção, ocorre a ativação da resposta

inflamatória do organismo: removendo resíduos indesejados, englobando e

fagocitando microorganismos e secretando as substâncias químicas necessárias

para atrair novos tipos celulares e reconstruir o tecido (DEE; PULEO; BIZIOS, 2002).

Uma característica visual de que ocorre um processo infeccioso é a presença

de supuração. Ela é a produção de pus, o que não necessariamente ocorre num

processo inflamatório. Erroneamente entendia-se também que a supuração seria um

processo necessário para “aliviar” o local contaminado. A produção de pus ocorre

com o recrutamento das células do sistema imune para o local, para lutar contra os

microrganismos ali presente. Com a morte dessas células, ocorre a formação de um

líquido esbranquiçado, que são os glóbulos brancos mortos. Por certo tempo

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acreditou-se até que a ‘sangria’ prevenisse a inflamação; porém, este processo além

de não ter efeito contra a inflamação pode até ocasionar a morte do paciente (DEE;

PULEO; BIZIOS, 2002).

Sobre esse tema, é necessário enfatizar que o processo infeccioso pode ativar

um processo inflamatório, mas não o contrário. Ou seja, um processo inflamatório não

precisa necessariamente ter a contaminação por microrganismos no tecido. Nos

estudos mais recentes apresenta-se que é possível distinguir um processo

inflamatório como desencadeado pela estimulação microbiana ou de maneira estéril,

no caso das doenças autoimunes e inclui-se aqui também a implantação de

biomateriais, que seria um caso específico. Para isso, é necessário observar um

complexo protéico específico da imunidade inata: as inflamassomas (XIAO, 2017).

Descobertos em 2002, por Martinon, Burns e Tschopp, as inflamassomas são

um centro de sinalização do organismo que regula o sistema imune inato. Esse

sistema é responsável por reconhecer e desencadear uma resposta rápida à infecção

e ativação do processo inflamatório (MARTINON; BURNS; TSCHOPP, 2002;

LAMKANFI; DIXIT, 2017).

Além disso, essas moléculas são responsáveis também por promover a

ativação da enzima responsável por clivar proteínas que regulam a morte celular e a

inflamação, e da secreção de citocinas pró-inflamatórias, da família das CASPASEs.

Além disso, há a ativação do complexo proteico conhecido como inflamassomas

NLRPx. Dentro deste grupo, destaca-se a NLRP3 (LAMKANFI; DIXIT, 2017).

A NLRP3 é extremamente versátil no que diz respeito ao processo inflamatório

por microrganismos, respondendo a muitos tipos de estímulos patológicos. Sua

ativação está relacionada também diretamente à distúrbios auto-inflamatórios e auto-

imunes, e assim fornece um novo mecanismo racional sobre como as moléculas

desencadeiam e suportam processos inflamatórios estéreis e como respondem a

processos inflamatórios infecciosos (LAMKANFI; DIXIT, 2017; BEZBRADICA; COLL;

SCHRODER, 2017).

Com isso, ela se torna a chave para discernir o ponto de diferenciação entre

uma inflamação e uma inflamação por infecção. De acordo com Bezbradica et. al.

(2017) a diferença é esta: quando há uma lesão sem infecção, a resposta da NLRP3

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é mais lenta e mais fraca; quando a inflamação é por infecção, a resposta desta

proteína é mais rápida e consideravelmente mais forte. Junto com os macrófagos, a

proteína NLRP3 é uma sentinela do nosso organismo ao processo de dano aos

tecidos (XIAO, 2017; (BEZBRADICA; COLL; SCHRODER, 2017).

Há indícios de que a resposta à inflamação por infecção tem uma resposta

extremamente robusta e rápida, visando a contenção da proliferação do patógeno.

Há uma diferença clara entre à ativação da NLRP3 para restaurar o tecido e a ativação

para tornar a inflamação mais intensa. Ainda não se tem ao certo todo mecanismo,

porém o que destaca-se aqui é que a inflamação não depende da presença de

microorganismos e no caso da implantação de um biomaterial que passou pelo

processo de esterilização, o conhecimento do NLRP3 irá elucidar melhor como o

organismo responde a esse corpo estranho, porém no modelo ideal, não contaminado

(XIAO, 2017).

A inflamação também pode ser subdividida não pelo agente iniciador do

processo, mas pelo tempo de duração, conforme Tabela 3. No caso de inflamação

considerada aguda, a resposta é imediata e com resolução em poucos dias. Já no

caso crônico, esse processo pode ser arrastado por meses ou anos. O que diferencia

ambas é que a persistência do estímulo inflamatório inicial faz com haja o

recrutamento de células de defesa mais robustas, os macrófagos. Esses, são

recrutados para tentar realizar o processo de fagocitose. Quando não ocorre uma

resolução, ou seja, a partícula estranha não consegue ser fagocitada inicia-se então

o processo de formação de cápsula fibrosa para isolar do tecido esta partícula,

processo conhecido como fibrose, conforme esquema apresentado na Figura 6

(ABBAS et.al., 2008).

O processo de encapsulamento, ou fibrose, é o resultado final após

implantação principalmente de materiais com respostas características do tipo quase-

inerte, ou seja, que não elucidam algum tipo de ligação com o tecido local. O dano ao

tecido, associado à implantação de qualquer biomaterial ou dispositivo, desencadeia

uma série de eventos que coletivamente podem ser também chamados de resposta

de corpo estranho (Foreign Body Response - FBR) (ZHOU; GROTH, 2018;

WEIGERT, 2017).

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Tabela 3. Características do processo inflamatório.

Inflamação

Aguda Crônica

Agente Causal Patógenos, agentes químicos Persistência do estímulo

inflamatório

Células envolvidas Neutrófilos, monócitos, mastócitos Macrófagos, linfocitos,

fibroblastos

Início Imediato Tardio

Duração Poucos dias Meses ou anos

Evolução Cicatrização com restauração Destruição tecidual e fibrose

(Adaptado de CRUVINEL, 2010).

Na Figura 6 tem-se a representação das principais etapas da interação

biomaterial-tecido, sem distinção de classe de biomaterial, porém com características

inertes. Na primeira seção, a esquerda da imagem, as proteínas são representadas

por formas geométricas e ocorre o processo de adsorção protéica na superfície do

biomaterial, conforme discutido no ítem 6 do presente trabalho. Esta etapa se inicia

logo após a implantação do biomaterial e as proteínas são derivadas do sangue e do

próprio tecido local. Adicionalmente, as proteínas mais comuns no sangue estão

apresentadas na Tabela 1. Essas proteínas adsorvidas foram uma matriz provisional

ao redor do biomaterial e favorecem o recrutamento e a posterior adesão de uma

grande variedade de células do sistema imune assim como a ativação das cascatas

de coagulação e do sistema complemento, resultando no início das respostas

inflamatórias (WEIGERT, 2017).

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Figura 6. Etapas principais da interação de um biomaterial com um tecido hospedeiro.

(Adaptado de ZHOU e GROTH, 2018)

Na sequência, essas células aderidas elucidam a etapa seguinte, chamada de

inflamação aguda, por meio da secreção de diferentes tipos de agentes quimiotáticos.

Assim, principalmente monócitos e neutrófilos são atraídos para o local da inflamação.

O papel dos neutrófilos na fase aguda é atuar como as primeiras células inflamatórias

contra patógenos invasores. Entretanto, os neutrófilos possuem um ciclo de vida

relativamente curto e acabam desaparecendo do exsudato. Concomitantemente,

monócitos são atraídos pelos quimiotáticos liberados, migrando então para o tecido

danificado e se diferenciando em macrófagos do tipo M1, conforme visto na segunda

etapa da Figura 6. Esses macrófagos, derivados de uma expressão fenotípica

diferencial, podem promover respostas inflamatórias secretando várias citocinas e

quimiocinas pró-inflamatórias, como a interleucina IL-1, IL-6, IL-8 (WEIGERT, 2017).

A estimulação contínua nos tecidos após o implante causada pelos

biomateriais possibilita a continuidade do processo de inflamação, agora

caracterizado como crônico. Nessa parte, os macrófagos são os principais

reguladores pois possuem uma grande variedade de receptores de membrana

plasmática que podem mediar o comportamento celular, como sobrevivência celular,

adesão e crescimento, diferenciação, migração, fagocitose, citotoxicidade e assim por

diante. Uma vez ativados, os macrófagos podem secretar uma variedade de fatores

pró-inflamatórios, como citocinas, quimiocinas e enzimas degradativas. Além disso,

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macrófagos isolados podem coalescer para formar Células Gigantes de Corpo

Estranho (FBGCs) em uma tentativa de aumentar suas capacidades fagocíticas ou

degradativas como pode ser visto na Figura 6. (WEIGERT, 2017).

A formação de FBGC é uma das principais características da inflamação

crônica induzida por biomaterial. As interleucinas IL-4 e a IL-13 são consideradas

como os principais indutores da formação de FBGC em resposta a biomateriais.

Descobriu-se que as propriedades superficiais dos biomateriais, bem como a camada

de proteínas adsorvidas nas superfícies desempenham papéis importantes durante a

adesão, ativação e fusão de macrófagos a FBGC. Durante a fase mais tardia, os

macrófagos normalmente se diferenciam para um fenótipo chamado de "M2",

produzindo Fator de Crescimento Derivado de Plaquetas (PDGF) e Fator de

Crescimento Transformador-β1 (TGF-β1) para estimular a proliferação de fibroblastos

e síntese de colágeno (WEIGERT, 2017).

O estágio final das respostas do hospedeiro à maioria dos biomateriais

implantados é geralmente um encapsulamento fibroso, que é orquestrado pela

interação dinâmica entre macrófagos e fibroblastos. No último quadro da Figura 6, os

fibroblastos são ativados para secretar colágeno e se proliferar. Atuam nos fatores

profibróticos liberados dos macrófagos “M2” e das FBGCs. Finalmente, uma cápsula

fibrosa é formada em torno do biomaterial, podendo levar à falha (WEIGERT, 2017).

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8. CLASSES DE BIOMATERIAIS

Inicialmente, os biomateriais estavam relacionados à materiais e substâncias

que, nos sentidos sistêmicos e farmacológicos, eram feitos para implantação ou

incorporação. A principal característica desejada era exigência de inércia no

biomaterial, ou seja, de interagir o mínimo possível com o ambiente fisiológico a sua

volta e, como consequência, provocar o mínimo de respostas possíveis (PARK,

1984).

Com o passar dos anos e com o progresso da ciência, ocorreu um melhor

entendimento da interação entre os materiais e o ambiente em que são implantados.

Consequentemente, a definição de biomateriais mudou para se adaptar. Williams

1987, define um biomaterial como um material usado em um dispositivo médico,

destinado a interagir com sistemas biológicos. De maneira mais geral, um biomaterial

seria todo material que destina-se a interagir com sistemas biológicos para avaliar,

tratar, aumentar ou substituir qualquer tecido, órgão ou função do corpo (AGRAWAL,

2014; WILLIAMS, 1999).

Em uma classificação básica, os materiais e consequentemente os

biomateriais podem ser divididos em diferentes categorias gerais com base em sua

estrutura molecular e tipo de ligação entre seus átomos. As principais separações e

classificações, como descritas anteriormente, são entre materiais metálicos,

cerâmicos, poliméricos, naturais e suas ramificações. Os principais tipos e suas

aplicações na medicina e biologia podem ser vistos na Tabela 4 abaixo (AGRAWAL,

2014).

De acordo com a Tabela 4, cada classe de biomaterial apresenta aplicações

específicas, que variam de acordo com suas características morfológicas,

propriedades e tipos de respostas que são elucidadas quando aplicados em um

ambiente fisiológico. Apesar dessas aplicações mais convencionais, observa-se um

aumento no número de estudos dos biomateriais para diferentes aplicações

(RATNER, 2004).

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Tabela 4. Relação entre os principais biomateriais e suas aplicações.

Biomaterial Aplicações

Cerâmicas

Alumina e Zircônia Confecção de acetábulos e cabeças femorais para artroplastias de quadril e implantes dentários

Fosfatos de Cálcio Regeneração tecidual e sistemas de liberação de fármacos

Vidros Bioativos Reparo e regeneração óssea, reconstrução maxilo-facial,

cirurgia da coluna vertebral e otorrinolaringológias

Metais

Aço inoxidável Stents, fios e implantes dentários, fixação de fraturas,

instrumentos cirúrgicos

Ligas de Cobalto Substituição de ossos e articulações, restaurações e implantes

dentários, válvulas cardíacas

Platina e Pr-Ir Eletrodos de marcapassos

Ni-Ti Placas ósseas, stents, fios ortodônticos

Titânio e ligas Próteses totais de joelho e implantes dentários

Polímeros

Polietileno (PE) Articulações totais para articulações e joelhos, scaffolds

Poliuretano (PU) Proteção para implantes de longa duração

Poli(ε-caprolactona) (PCL) Dispositivo para liberação de drogas e suporte para

crescimento celular

Poli(cloreto de vinila) (PVC) Sacos para armazenamento de sangue

(Adaptado de RATNER, 2015)

8.1. Biomateriais Metálicos

Considerando as diferentes matérias biomateriais propriamente ditos, os

metais destacam-se por apresentar características importantes como alta resistência

à fadiga e fratura que resultam em um ótimo desempenho mecânico. Sendo assim,

os metais vêm sendo utilizados como componentes estruturais com o objetivo de

substituir, reforçar ou estabilizar partes que são constantemente submetidas a altas

cargas de tração e compressão. Alguns dos principais exemplos seriam parafusos,

placas para fixação de fraturas, próteses para substituição de articulações e implantes

dentários (BEZBRADICA; COLL; SCHRODER, 2017; PARK e BRONZINO, 2002).

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Porém, com o avanço da medicina e da ciência dos materiais, outras

propriedades dos metais começaram a ser exploradas. Além da resistência mecânica

anteriormente citada, a durabilidade e a possibilidade de visualização em imagens de

raios X foram características que permitiram uma maior aplicação desses materiais

na área médica. A boa condutividade elétrica, a possibilidade de polimento e abrasão

da superfície, bem como à capacidade de serem esterilizados são características

importantes atuantes no desenvolvimento de biomateriais metálicos. Atualmente, os

metais mais utilizados na área médica são os aços inoxidáveis, as ligas de titânio e o

titânio puro, e as ligas à base de cobalto-cromo como podem ser vistos na Tabela 4

(BEZBRADICA; COLL; SCHRODER, 2017; PARK e BRONZINO, 2002).

As propriedades que caracterizam os metais de forma única são

consequências diretas de dois principais fatores: (1) sua estrutura em retículo

cristalino; (2) força das ligações atômicas. O agrupamento dos átomos de uma

maneira tridimensional de forma ordenada é responsável pela alta densidade desses

materiais. A boa condutividade elétrica e térmica está estritamente relacionada ao fato

dos núcleos de íons carregados positivamente poderem movimentar-se. Já a

resistência à tração está relacionada à intensidade das ligações metálicas que

possuem traços únicos quando comparados a outros tipos de ligações (PARK e

BRONZINO, 2002).

No entanto, apesar de possuírem propriedades importantes, para que possam

ser aplicados com segurança no corpo humano, os metais ou ligas devem cumprir

alguns requisitos importantes. Para isso, devem ser biocompatíveis, no sentido de

não produzir nenhum tipo de reação alérgica ou tóxica além do esperado. Além disso,

devem possuir uma estabilidade química e apresentar apropriada resistência à

corrosão, a fim de prevenir a degradação causada pela interação com as substâncias

presentes no ambiente biológico conforme descrito nos capítulos anteriores

(BEZBRADICA; COLL; SCHRODER, 2017; PARK e BRONZINO, 2002).

Uma das principais classificações consideráveis para a biocompatibilidade dos

mesmos é o fato de serem considerados nobres ou não. Os que se enquadram nessa

categoria, como o ouro e a prata, tem como diferencial que não são suscetíveis a

processos corrosivos. No entanto, alguns fatores como alta densidade, resistência

insuficiente e alto custo, inviabilizam as aplicações ortopédicas, por exemplo. Todos

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os demais metais, ou seja, os não nobres de uso médico são suscetíveis à corrosão

quando em contato com os sistemas biológicos (BEZBRADICA; COLL; SCHRODER,

2017).

O ambiente salino, com temperaturas altas e neutro dos nossos fluidos

corporais, associados ao oxigênio dissolvido, gás carbônico, células, enzimas e

proteínas, causam uma espécie de ataque químico ao metal. Os átomos do metal

sofrem ionização e entram na solução, reagindo com o oxigênio, com as células e

formando complexos com as biomoléculas já presentes (MORAIS; GUIMARAES;

ELIAS, 2007). É possível controlar esta degradação, com modificações na

microestrutura da superfície de maneira a dificultar a remoção dos íons. É importante

observar que além do biomaterial, há proteínas adsorvidas na superfícies, podendo

atuar como barreiras a diluição e alterar à reação de oxirredução e corrosão

eletroquímica, ao criar regiões com deficiência de oxigênio (DEE; PULEO; BIZIOS,

2002).

Entre as formas mais comuns de corrosão em implantes metálicos, destacam-

se três principais: (1) por pites; (2) em frestas e (3) por desgaste. A primeira é

localizada e pode ser identificada pela formação de cavidades de pequeno diâmetro

mas profundas. A segunda, ocorre em fendas existentes no metal em contato com

outro componente, metálico ou não. Já a corrosão por desgaste é resultado dos

danos produzidos por componentes metálicos em contato físico direto, danificando a

superfície e favorecendo o aparecimento de fraturas (PIRES; BIERHALZ; MORAES,

2015).

Como uma forma de combater esse processo de corrosão, alguns tipos de

metais e ligas metálicas facilitam a formação de uma fina película de maneira

espontânea quando a superfície do metal sofre exposição ao ar. Esta película, na

forma de camada de passivação, impede a troca de íons, protegendo a superfície.

Uma vez rompida essa camada, o processo de corrosão se inicia e a liberação dos

íons metálicos irá ocorrer até que o filme seja regenerado, se isto for possível, no

chamado tempo de repassivação. Alguns fatores, não apenas relacionados ao

biomaterial mas também da composição do ambiente onde ele vai ser exposto,

podem comprometer a resistência à corrosão. Assim, alternativas foram e estão

sendo criadas para que, por exemplo, os implantes possam ser submetidos a

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tratamentos ainda na sua fabricação visando otimizar seu uso (PIRES; BIERHALZ;

MORAES, 2015).

Apesar de serem estudados apenas as consequências negativas da corrosão,

existe um lado favorável focado no desenvolvimento de materiais biodegradáveis com

aplicações promissoras em pediatria e ortopedia, nas quais se teria dificuldade de

remoção do dispositivo sem danificar o tecido saudável. Como exemplo, um dos

materiais que vem sendo estudado para esse tipo de uso é o magnésio, que

apresenta boas propriedades mecânicas e baixa resistência à corrosão, sendo que

os produtos de sua degradação são rapidamente excretados do organismo e não

apresentam toxicidade apreciável (PARK, KIM, 2002).

8.2. Biomateriais Poliméricos

Polímeros podem ser definidos como macromoléculas de alta massa molar

formadas por pequenas unidades chamadas de meros ligadas entre si em diferentes

ligações. Essas ligações são na sua maioria covalentes, mas podem ocorrer ligações

de hidrogênio, interações de van der Waals e reticulação entre moléculas. Uma das

principais classificações dos polímeros, que leva em consideração o tipo de ligação,

é a divisão entre polímeros termoplásticos e termorrígidos (PIRES; BIERHALZ;

MORAES, 2015).

Os polímeros chamados de termoplásticos, por exemplo, são capazes de se

fundirem e solidificarem repetidas vezes, consequência das ligações secundárias e,

quando o biomaterial é aquecido, ocorre um deslizamento entre as cadeias

responsável por essa característica de plasticidade. Os termorrígidos, por sua vez,

são caracterizados por ligações covalentes fortes que formam uma estrutura

tridimensional reticulada estabilizada. Assim, estes materiais são insolúveis e as

ligações são rompidas somente por elevadas quantidades de energia (PIRES;

BIERHALZ; MORAES, 2015).

Diversos pontos devem ser considerados ao selecionar um polímero, uma vez

que cada tipo pode apresentar propriedades particulares. Mesmo assim, atualmente,

os biomateriais poliméricos são bem utilizados no meio médico, apresentando como

principal vantagem aos materiais cerâmicos e metálicos, a facilidade de fabricação

em diversas formas, além de um custo mais baixo e maior variedade de propriedades

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mecânicas e físicas. É possível controlar essas propriedades pela variação da

formulação e conformação do biomaterial, além do tipo e processamento (WONG;

BRONZINO, 2007).

Os polímeros podem ser obtidos de duas principais maneiras: (1) a partir de

reações de polimerização ou (2) sintetizados por processos bioquímicos em

organismos vivos classificando-se, assim, respectivamente, como sintéticos e

naturais. Os mais utilizados são os sintéticos pelo fato de possuírem propriedades

bem definidas e possibilidade de serem produzidos a um custo relativamente baixo.

Além disso, os polímeros sintéticos têm uma estabilidade maior durante o uso quando

comparado com os naturais, característica muito importante quando se fala de

biomateriais e biocompatibilidade (PIRES; BIERHALZ; MORAES, 2015).

Em teoria, os polímeros devem ter uma vantagem sobre os metais, uma vez

que a solução isotónica salina e proteica, que compreende o fluido extracelular, não

está normalmente associada à degradação de polímeros sintéticos de alto peso

molecular. Embora todos os polímeros sejam suscetíveis à degradação, a maioria dos

processos de degradação envolve a absorção de algum tipo de energia que é capaz

de causar a ruptura de ligações covalentes primárias para formar radicais livres, que

causam a propagação da degradação molecular por reações secundárias.

Os polímeros sintéticos e naturais se degradam de formas distintas, por meio

da clivagem hidrolítica e enzimática de suas ligações, respectivamente. Por isso, os

estudos de degradação e citotoxicidade devem ser bem elucidados, garantindo à

segurança clínica ao paciente, quando em contato com o ambiente fisiológico. Essas

e outras características de biocompatibilidade serão apresentadas nos capítulos a

seguir (AGRAWAL, 2014).

8.3 Biomateriais Cerâmicos

Os biomateriais cerâmicos, como conhecemos hoje, começaram a ser

aplicados na década de 70, em contrapartida aos implantes metálicos, que

apresentavam as primeiras falhas em compatibilidade e utilização. Essa necessidade

se deu principalmente pelo fato dos biomateriais cerâmicos, mesmo apresentando

propriedades mecânicas insuficientes se comparados aos metais, se assemelhavam

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mais com as propriedades do tecido ósseo. Isso favorece sua aplicação neste âmbito,

com destaque aos implantes osseointegrados (AZEVEDO, 2007).

O primeiro uso de biomaterial cerâmico ocorreu em 1894, com Dreesman. Ele

relatou que o gesso (𝐶𝑎𝑆𝑂4. 1/2𝐻2𝑂) seria um possível substituto para os ossos,

tendo resistência baixa e rápida fragmentação e degradação. Entretanto, com a

evolução dos estudos percebeu-se que essas propriedades não favorecem sua

aplicação em implantes, não entrando na lista de biocerâmicas (AZEVEDO, 2007;

KRIEGER, 2003).

As cerâmicas são compostos inorgânicos, formadas por elementos metálicos

e não-metálicos com ligações iônicas e/ou covalentes; isto é, ligações difíceis de

serem quebradas. Isso atribui ao biomaterial, essencialmente uma baixa

condutividade elétrica e térmica, por não possuir elétrons livres na sua estrutura.

Apesar de serem consideradas geralmente inertes, esse comportamento depende do

ambiente que o biomaterial está inserido. Como descrito nos capítulos anteriores, a

presença de proteínas e enzimas especificas, ambiente fisiológico, pH, dentre outros

aspectos interferem na interação do biomaterial com o tecido ou o organismo

(KRIEGER, 2003).

Existem duas principais classificações de cerâmicas que são usadas como

biomateriais: as cerâmicas estruturais (ou técnicas) e as reabsorvíveis ou solúveis

(essas relacionadas as “biocerâmicas”). Dois principais exemplos de cerâmicas

estruturais são a alumina (𝐴𝑙2𝑂3) e a zircônia (𝑍𝑟𝑂2), que são usadas por possuírem

baixa reatividade química e insolubilidade em água. Das solúveis, esse

comportamento de solubilidade depende de sua composição, processamento e forma

final, assim como do pH do local e do 𝑝𝑂2 (BLACK, 2006).

Com isso, os biomateriais cerâmicos podem ser divididos em bioinertes,

bioativos e bioreabsorvíveis. As bioinertes, como a alumina e a zircônia tem baixa

interação com o tecido hospedeiro, de maneira a manter suas propriedades físicas e

mecânicas depois de implantadas e não provocar resposta no tecido. Já as bioativas

são conhecidas por estimular o processo de regeneração do sistema tecidual,

interagindo com o tecido ao redor do implante - como por exemplo a hidroxiapatita e

os biovidros. Por último estão as cerâmicas biorreabsorvíveis, que sofrem degradação

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por vias biológicas ou químicas, sendo estáveis a longo prazo (PIRES; BIERHALZ;

MORAES, 2015).

Apesar da dificuldade em se traçar regras gerais, alguns princípios podem ser

importantes para o estudo do comportamento das cerâmicas: (1) Formas cristalinas

tendem a ser menos solúveis que materiais amorfos e vítreos; (2) Formas hidratadas

ou com um fator de molhabilidade maior tendem a ser mais solúveis que materiais

não hidratados da mesma composição; (3) A perda de massa por unidade depende

da área da superfície, assim, materiais porosos ou finos tendem a se dissolver mais

rapidamente do que os de forma sólida e não porosa (BLACK, 2006).

Em relação às suas aplicações, as cerâmicas são usadas principalmente para

reparo e reconstrução de partes do sistema musculoesquelético. A escolha para uma

determinada aplicação dependerá do tipo de biocerâmica e da fixação necessária.

Cerâmicas densas, não-porosas, quase inertes, como 𝐴𝑙2𝑂3 e 𝑍𝑟𝑂2, se ligam ao

crescimento ósseo em irregularidades superficiais pela fixação mecânica

(DOROZHKIN, 2010).

As cerâmicas porosas, por sua vez, podem facilitar o crescimento ósseo e a

regeneração tecidual sendo estudadas como scaffolds para a engenharia de tecidos.

As bioativas podem ser usadas como revestimentos em implantes metálicos.

Cerâmicas e vidros reabsorvíveis na forma de pó ou em grânulos são concebidos

para serem reabsorvidos no corpo à taxa semelhante de formação de um osso novo,

por exemplo. Sendo assim, tem-se uma grande variedade de aplicações e possíveis

estudos relacionado às aplicações desse tipo de biomaterial (HENCH, 2005).

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9. INFLUÊNCIA DAS PROPRIEDADES DOS MATERIAIS NA

BIOCOMPATIBILIDADE

O termo biocompatibilidade é usado tão amplamente e em diversas áreas que

o significado original da palavra pode estar ficando cada vez mais amplo. Apesar

disso, não existe nenhuma dúvida de que a biocompatibilidade é de suma importância

para implantes de materiais médicos, sintéticos ou naturais. Quando falamos que um

biomaterial é biocompatível, algumas perguntas vêm à tona como: como podemos

medir a biocompatibilidade? Podemos quantificá-la? Como podemos melhorar e

otimizar a biocompatibilidade para cada classe de biomaterial? Algumas dessas

perguntas já podem ser respondidas com certa certeza, mas a grande maioria dessas

e de outras ainda estão sendo estudadas (RATNER, 2015).

A biocompatibilidade teve sua evolução por volta de 1970, mas foi em 1987 em

que Williams publicou um livro em que chegou-se em um consenso sobre o significado

do termo. De acordo com ele, biocompatibilidade pode ser caracterizada como “a

habilidade de um biomaterial em realizar um resposta apropriada em uma aplicação

específica em um hospedeiro”. Apesar de suficiente para a época, hoje já não supre

as demandas atuais. Existem muitos conceitos da biologia, medicina e engenharia

que impactam direta e indiretamente na biocompatibilidade (RATNER, 2015).

Conceitos de biocompatibilidade e biofuncionalidade são de extrema

importância para a obtenção de materiais cada vez mais otimizados e que causem

uma resposta toxicológica e inflamatória cada vez menor. De maneira geral, temos

que quando um biomaterial é implantado dois tipos de respostas ocorrem à essa

intervenção: a resposta local e aguda e a resposta sistêmica e remota (DUCHEYNE,

2017).

Na resposta local, tem-se em mente que para o implante de um biomaterial em

algum tecido ou órgão é sempre necessário uma intervenção cirúrgica. Essa

intervenção por si só já acarreta na ativação de dois principais processos; (1)

inflamação, que nada mais é que a reação inicial do corpo e que envolve mudanças

na microvasculatura e na composição celular do tecido; (2) a fase de reparo em que

o tecido tenta se reestruturar funcionalmente o dano. Além disso, se uma incisão for

feita, temos sangramentos dos vasos afetados e a consequente ativação da

coagulação e de seus processos (DUCHEYNE, 2017).

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Na resposta sistêmica, considera-se que existe uma reação resultante da

liberação de quaisquer produtos, oriundos do biomaterial, no tecido e a distribuição

desses produtos é de grande importância para o corpo. Esses produtos podem ser

vistos apenas no tecido local ou podem, de maneira mais ativa, rapidamente ter

acesso à vasculatura e ser rapidamente disseminados na corrente sanguínea e

consequentemente em muitos órgãos e tecidos do corpo. Em algumas circunstâncias,

os produtos podem sofrer biodegradação e/ou metabolismo e ser excretados na urina

ou nas fezes sem deixar resíduos. Por exemplo, íons metálicos, em particular, podem

ser demonstrados no sangue, na matéria excretada e em vários órgãos após a

implantação de próteses, podendo até causar câncer (DUCHEYNE, 2017)..

Conforme visto, cada tipo de biomaterial oriundo de uma classe específica,

possui suas características e aplicações que variam de forma rotineira. Sendo assim,

torna-se importante a discussão e a investigação dos efeitos e respostas que cada

classe pode causar, tanto no seu local de implantação quanto no corpo como um todo

(RATNER, 2004).

9.1. Metais e ligas

A biocompatibilidade de qualquer biomaterial é a habilidade de exercer a

função a qual foi submetido, com uma apropriada resposta do organismo hospedeiro

(este termo é conhecido na literatura como host response). Todo biomaterial metálico

implantado possui alguma interação com os tecidos em contato, havendo liberação

de íons, principalmente por desgaste ou corrosão. De acordo com Ducheyne (2017),

o conceito central da biocompatibilidade dos biomateriais metálicos é que quanto

maior é à resistência do biomaterial à corrosão, maior a biocompatibilidade

(DUCHEYNE, 2017).

De maneira geral, as famílias de ligas metálicas aplicadas como biomateriais

tem sua composição química ajustada de maneira a permitir a ocorrência da

passivação. A passivação é a formação espontânea de um filme de óxido bastante

fino e estável, que protege a superfície do metal contra a degradação.

Nos últimos 50 anos, os materiais metálicos e ligas que mais foram utilizados

com aplicação médica são os que possuem a menor liberação de íons metálicos e

produtos de oxidação. Além disso, o estado da arte deste tópico se concentra nos

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estudos de implantes ortopédicos, com foco nos efeitos toxicológicos locais e

sistêmicos da liberação de partículas metálicas no tecido ao redor do implante

(DUCHEYNE, 2017).

De acordo com Jones et. al. (2001), íons metálicos e partículas liberadas pelo

implante, associados a conexões modulares, são responsáveis pela osteólise. Essas

são conexões metal-metal, como em próteses de quadril e joelho, compostas por

duas ou mais partes com uma articulação. Quando implantadas e carregadas com o

esforço do usuário, elas podem induzir reações de corrosão severa - com seus

subprodutos afetando os tecidos adjacentes à prótese (JONES, 2001).

Além da formação da cápsula fibrosa de colágeno, no caso dos materiais

metálicos, é possível que seja ativado uma resposta inflamatória crônica pós-

implante. Isto ocorre pois o ambiente fisiológico extracelular promove reações

eletroquímicas na superfície do metal. As partículas fisiológicas que mais influenciam

no processo de corrosão in vivo são as que possuem moléculas oxidantes, como as

proteínas oxidantes, enzimas com subprodutos de peróxido de hidrogênio, e

moléculas como superóxidos (JONES, 2001).

Com isso, quanto maior a resistência à corrosão da superfície do implante,

mais biocompatível este vai ser e menos dano às células adjacentes vai produzir.

Outras propriedades, como a resistência a tração, também são importantes para à

biocompatibilidade, porém tem sua maior influência no desempenho mecânico da

prótese em si e não em sua toxicidade ao organismo hospedeiro (JONES, 2001).

No decorrer da corrosão, principal processo que ocorre nos metais

implantados, os íons liberados têm potencial para interagir com o tecido hospedeiro

por meio de diferentes mecanismos sendo a composição do metal ou da liga de

extrema importância. Os efeitos causados no organismo aparecem devido à influência

do íon sobre os mecanismos de adesão bacteriana (cresce com a rugosidade do

biomaterial), por toxicidade, efeitos subtóxicos (relacionados à síntese de produtos

envolvidos na resposta inflamatória) ou alergia aos íons metálicos liberados (JONES,

2001).

Na Figura 7 pode-se observar que existem dois caminhos possíveis para íons

liberados por corrosão, sendo o primeiro pela formação de óxido, sal, hidróxido ou

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complexo; e o segundo pela liberação do íon por flutuação. Os íons metálicos

liberados por flutuação são agentes de toxicidade maior do que na formação de

subprodutos, pois tem maior facilidade de combinação com biomoléculas (ELIAZ,

2019).

Figura 7. Detalhamento da liberação de íons por corrosão e desgaste (Adaptado de ELIAZ, 2019)..

Pode-se citar, como exemplo, ligas à base de cobre, que induzem os linfócitos

a produzirem níveis elevados de IL-2 (induz a maturação de linfócitos B e de células

T). A alergia, por sua vez, pode ser causada como reação adversa a metais como

ouro, prata, paládio, níquel e outros. Vale ressaltar que o níquel merece certa atenção

pois a grande maioria das ligas que são usadas em aparelhos ortodônticos e próteses

dentárias contém níquel e podem ou não causar uma reação alérgica (SCHMALZ,

2002).

Em relação a um uso mais prolongado, a liga Ti-6Al-4V, por exemplo, mostrou

ótimas propriedades mecânicas para uso em próteses de quadril, porém a liberação

de íons metálicos pode causar efeitos carcinogênicos locais e sistêmicos. O alumínio

e o titânio podem alterar a função, a proliferação celular e a síntese da matriz

extracelular. Os íons de titânio, alumínio e vanádio podem inibir a formação de apatita,

dificultando a mineralização na interface. Além disso, o acúmulo de alumínio tem sido

associada também a desordens neurológicas (MORAIS; GUIMARAES; ELIAS, 2007).

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Em linhas gerais, a maioria dos metais e ligas elucida uma resposta tecidual

bastante semelhante à sequência apresentada na Fig. 6, sendo o resultado final a

fibrose ou encapsulamento. Porém, um metal com alta taxa de degradação no

ambiente fisiológico pode gerar uma reação inflamatória mais intensa, resultando em

uma camada fibrosa mais espessa.

9.2. Polímeros

Segundo Pavithra e Doble (2008), a biocompatibilidade dos materiais

poliméricos é afetada pelas suas propriedades físicas e químicas [31]. Dentre elas,

as principais são: energia superficial, rugosidade, grupos funcionais da cadeia

polimérica, hidrofobicidade e densidade de cargas elétricas.

Mudanças na superfície do biomaterial polimérico geram uma força motriz

termodinâmica que reduz a energia livre na interface entre o sólido (polímero) e o

líquido (fluidos corporais ou sangue). Ao considerar a topografia, quanto mais rugoso

for o biomaterial, maior será a adesão celular e menor será o movimento das células,

promovendo, assim, uma maior biocompatibilidade (PAVITHRA, DOBLE, 2008).

Ainda sobre a superfície, outro parâmetro que influencia o processo é a

interação com a água. Quanto mais hidrofílico for o substrato, melhor será a adesão

celular. Isso ocorre, pois há maior correspondência com a membrana plasmática.

Quanto à massa molar, macromoléculas com maiores massas reduzem a aderência

de plaquetas e adsorção de proteínas, de modo a interferir na biocompatibilidade.

Além disso, essa cadeia polimérica pode apresentar grupos mais eletronegativos ou

não, além de grupos ionizáveis (aniônicos ou catiônicos). Se a densidade de grupos

catiônicos aumentar, há uma maior citotoxicidade do polímero (PAVITHRA, DOBLE,

2008).

A biocompatibilidade em materiais poliméricos varia também com a

composição dos seus meros. Por exemplo, os macrófagos não conseguem aderir ao

meio de cultura em um hidrogel de poli(2-hidroxietil metacrilato), mas conseguem em

um de poliestireno. Isso se deve à composição e tamanho dos monômeros da cadeia

(PAVITHRA, DOBLE, 2008).

Em resumo, de acordo com Badylak (2015), todos os materiais

“biocompatíveis”, quer sejam metálicos, polímeros, cerâmicos, ou de outra classe com

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características de interação com a água terão um processo de cura muito similar, com

a formação de uma cápsula fibrosa de colágeno, dependendo exclusivamente das

seguintes características: não possuir nenhum componente lixiviável na sua

composição; nenhum produto contaminante extrínseco ao organismo; e o menor atrito

mecânico possível com os tecidos circundantes. Até mesmo os materiais

biodegradáveis, como o PLA, produzirão uma cápsula fibrosa. Porém, com o tempo,

o biomaterial é dividido em pequenas partes que serão metabolizadas. Isto faz com

que essa cápsula seja parcialmente reabsorvida pelo organismo quando degradados

(BADYLAK, 2015).

9.3. Cerâmicas

É essencial reconhecer que nenhum biomaterial é adequado e suficiente para

todas as aplicações de biomateriais no contexto da biocompatibilidade. Sendo uma

classe de biomateriais, as cerâmicas, e biovidros são geralmente usados para reparar

ou substituir tecidos conectivos rígidos do esqueleto. Seu sucesso depende da

obtenção de uma fixação estável ao tecido conjuntivo. Esse mecanismo de fixação é

diretamente relacionado ao tipo da resposta à interface implante-tecido. Nenhum

biomaterial implantado no tecido vivo é inerte já que todos os materiais provocam uma

resposta dos tecidos vivos. Existem quatro tipos de resposta tecidual: (1) se um

biomaterial é tóxico, o tecido ao redor pode morrer; (2) Se o biomaterial é não-tóxico

e biologicamente inativo (quase inerte), um tecido fibroso de espessura variável se

forma; (3) Se o biomaterial for não tóxico e biologicamente ativo (bioativo), uma

ligação interfacial se forma e (4) Se o biomaterial não é tóxico e se dissolve, o tecido

circundante o substitui (RATNER, 2004).

Quando utilizados para aplicações ortopédicas e ortodônticas, os materiais

cerâmicos podem modificar o equilíbrio entre a matriz e a produção e secreção de

citocinas da resposta osteoblástica nas proximidades do implante levando a uma

resposta inflamatória caracterizada por recrutamento maciço e ativação de células

imunes, sendo as primeiras células polimorfonucleares (PMNs), seguidas por

monócitos. Alguns destes tipos de células podem degradar cerâmicas por

mecanismos fagocitóticos (monócitos / macrófagos) ou por um mecanismo ácido com

bomba de prótons para reduzir o pH do microambiente e reabsorvê-los (osteoclastos).

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Estes últimos são derivados de monócitos que se diferenciam e se tornam células

ósseas especializadas na remodelação (VELARD et.al., 2013).

Os mecanismos de degradação intracelular da cerâmica CaP (fosfato de

cálcio), por exemplo, são modulados por vários parâmetros, como as propriedades

químicas da própria cerâmica, o local de implantação (ectópico e ortotópico) e a

presença de várias proteínas, como citocinas, hormônios, vitaminas e peptídeos, que

podem ser introduzidos ou enxertados sobre as cerâmicas para aumentar sua

bioatividade, sua interação com as células-tronco mesenquimais ou sua diferenciação

com a linhagem osteogênica (VELARD et.al., 2013).

Neste contexto, a reatividade da superfície das cerâmicas à base de fosfato de

cálcio desempenha um papel na sua capacidade de ligação óssea e no seu efeito de

melhoria na formação de tecido ósseo. Durante o implante, ocorrem reações na

superfície do biomaterial, como dissolução, precipitação e trocas iônicas, que também

podem contribuir para a formação óssea e a osteocondutividade dos materiais. Essas

reações são acompanhadas de adsorção e incorporação de moléculas biológicas,

incluindo proteínas adesivas e numerosos fatores de crescimento, como fatores

osteoindutores. A combinação de estudos in vivo e in vitro em humanos e animais

levou a uma melhor compreensão das reações de superfície de cerâmicas bioativas

no corpo e seus efeitos na formação óssea e na função celular (VELARD et.al., 2013).

Os chamados biovidros (Bioglass®) vêm sendo estudados desde 1972 com

Greenlee, Jr. et al onde foi testado como implante de fêmur em ratos. Após vários

estudos experimentais e mudanças na constituição, foi possível fazer com que esse

tipo de cerâmica fosse capaz de “estimular” a produção do tecido ósseo por meio da

reparação pela osteoprodução e osteoestimulação. Quando eles são inseridos no

organismos, ocorre a formação de uma camada de hidroxiapatita biologicamente ativa

que está ligada à forte ligação com o tecido ósseo. Essa força do Biovidro resiste a

esforços mecânicos e pode até ser maior que a força de coesão (força interna que

mantém as moléculas unidas) do biomaterial (HENCH, 2006; ROSENGREN, 2003).

Além disso, os biovidros podem interagir com tecido conjuntivo, desde que a

interface esteja imóvel. Muitas vezes, a capacidade dos biovidros em estimular o

crescimento ósseo excede a dos implantes à base de hidroxiapatita e faz com que

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vidros bioativos ou vidro-cerâmicas sejam potenciais substitutos de ossos (HENCH,

2006; ROSENGREN, 2003).

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10. DISCUSSÃO E PERSPECTIVAS

Os biomateriais são constantemente usados em cirurgias cardiovasculares,

ortopédicas, oftalmológicas, dentais, reconstrutivas, entre outras. O mercado dos

biomateriais tem crescido anualmente a uma taxa considerável. Para que tenham seu

desempenho garantido é essencial o entendimento dos aspectos da interação entre

esses biomateriais implantados e o tecido receptor.

Com base em toda a literatura levantada, fica claro que a interface biomaterial-

tecido é de extrema relevância para a biocompatibilidade do dispositivo. É neste ponto

onde vão ocorrer as primeiras interações com as proteínas do sangue e

posteriormente as células do sistema imune. Da perspectiva do organismo, a

característica mais importante para a biocompatibilidade é a interação do biomaterial

com macrófagos, pois estas células ditam a resposta inflamatória. Ainda existe muitos

fatores para compreensão de processos histoquímicos e físico-químicos que ocorrem

nesta interface. Há conhecimento dos sinalizadores imunológicos, mas o caminho

exato dessa resposta ainda é desconhecido (MATLAGA, 1976).

Da perspectiva do biomaterial, as características gerais mais importantes são

a hidrofilicidade (interação com a água) e a velocidade de formação da cápsula

fibrosa. Para metais, o principal processo é a ação corrosiva sofrida pelo fluido

extracelular. Para cerâmicas, é o ataque via meio aquoso, com à hidrólise da

superfície e consequente liberação de óxidos - que aumenta conforme maior

presença de impurezas. Para polímeros, o principal meio é a presença de carga

superficial, que quando positiva, atrai eritrócitos para o local. Além disso, a

similaridade das cadeias com à estrutura molecular das proteínas inerentes ao

hospedeiro, dificultam a distinção imunológica entre o biomaterial e o tecido vivo,

causando uma reação mais severa do que em materiais inertes (MATLAGA, 1976).

Ainda observando o biomaterial, no panorama macroscópico, há uma

característica que é relevante e interfere na reação inflamatória ocasionada: a

geometria do implante. Segundo, MATLAGA et. al., em um estudo com próteses de

silicone, foi possível perceber que a presença de ângulos agudos torna a resposta

celular e de enzimas lisossômicas muito mais intensa, não sendo proporcional à

toxicidade do polímero. Quanto menor for a razão entre a superfície de área pelo

volume do implante, maior a resposta inflamatória (MATLAGA, 1976).

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Para melhorar a interação entre o biomaterial-hospedeiro e promover melhor

fixação do implante ou do dispositivo, existem estratégias de tratamento das

superfícies de cerâmicas e metais, e da composição dos monômeros, para os

polímeros. Para metais, o uso de revestimentos poliméricos, medicamentosos ou das

próprias cerâmicas (HA, TCP ou outras CaPs) impedem os metais de liberar íons da

superfície. Para cerâmicas, trabalhar na composição (principalmente a proporção

HA/TCP) e na estrutura cristalina são estratégias essenciais para garantir que haja a

formação de uma pequena camada fibrosa em alguns casos e até mesmo a

osseointegração (MATLAGA, 1976; VELARD et.al., 2013).

É necessário conhecer o tipo de tecido e mais especificamente as

características que um biomaterial deve apresentar para elucidar uma resposta

apropriada frente à ele. Um dado biomaterial pode apresentar biocompatibilidade

adequada a um tecido e potencialmente inadequada em relação a outro tecido

específico. Mesmo ocorrendo respostas mais específicas à cada tipo de biomaterial,

de maneira geral os materiais quase-inertes demonstram uma resposta semelhante

à observada na Figura 6.

Além da resposta local, bastante abordada ao longo de texto, efeitos

sistêmicos e remotos podem ser desencadeados frente à implantação de um dado

biomaterial. O efeito sistêmico geralmente ocorre após um tempo significativo de

implantação e principalmente devido ao acúmulo de resíduos de degradação do

dispositivo. A Figura 9 apresenta os principais efeitos, locais e sistêmicos, e as

principais complicações associadas ao dispositivo. Como complicação, podemos

observar desde falhas do dispositivo até problemas ao organismo receptor, como

infecção e trombose.

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Figura 9. Resumo dos principais efeitos sistêmicos e locais da interface biomaterial-tecido e

principais complicações associadas. Adaptado de RATNER, 2015

Elucidando os aspectos da interação entre um biomaterial e o tecido receptor

e abordando as características importantes a cada classe de biomaterial, é possível

obter os caminhos para uma resposta adequada do tecido local e sem efeitos

sistêmicos nocivos, como observado na Figura 9. Conhecer os efeitos do implante no

tecido hospedeiro e do tecido no implante são importantes na mediação de

complicações e falhas do dispositivo.

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11. CONCLUSÃO

A interação na interface do biomaterial-tecido é uma cadeia complexa de

reações entre o organismo e o dispositivo, buscando um encaixe perfeito e uma

aceitação de ambas as partes para o funcionamento aceitável. O biomaterial funciona

como uma espécie de “anti-herói”: apresenta a solução necessária para o caso

clínico, porém traz consigo reações inflamatórias tanto locais (relacionados aos

efeitos do biomaterial no tecido e os efeitos do ambiente fisiológico no biomaterial)

quanto sistêmicas. Ambas são não desejáveis e, a longo prazo, podem trazer

complicações discutidas anteriormente como reações inflamatórias e infecção.

O equilíbrio do sistema imune em reconhecer aquele biomaterial como parte

simbiótica do ambiente fisiológico - nem naturalmente dele, nem tóxico à ele - é o

grande paradigma da biocompatibilidade. Ainda há muito a ser explorado nas vias

bioquímicas e de sinalização imunológica. Porém, há estratégias de composição,

geometria e superfície para cada classe de biomaterial, conforme explanado nos

capítulos anteriores, fazendo com que essa relação entre biomaterial-hospedeiro

aconteça de uma forma que garanta a aplicabilidade da prótese ou dispositivo.

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