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Sergio Augusto Franco Fernandes
Freud, Lacan e o Witz: a dimenso do prazer e do significante
Unicamp
2008
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FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELABIBLIOTECA DO IFCH - UNICAMP
Ttulo em ingls: Freud, Lacan, and the Witz: the dimension of thepleasure and the significant
Palavras chaves em ingls (keywords):
rea de Concentrao: Epistemologia
Titulao: Doutor em Filosofia
Banca examinadora:
Data da defesa: 29-02-2008
Programa de Ps-Graduao: Doutorado em Filosofia
Freud, Sigmund, 1856-1939Lacan, Jacques, 1901-1981Unconscious
Affect (Psychology)PleasureLanguage and Languages
Luiz Roberto Monzani, Richard Theisen Simanke,Francisco Verardi Bocca, Joo Jos Rodrigues Lima deAlmeida, Ftima Siqueira Caropreso
Fernandes, Sergio Augusto FrancoF391f Freud, Lacan e o Witz: a dimenso do prazer e do significante /Sergio Augusto Franco Fernandes. - Campinas, SP : [s. n.],2008.
Orientador: Luiz Roberto Monzani.Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Filosofia e Cincias Humanas.
1. Freud, Sigmund, 1856-1939. 2. Lacan, Jacques, 1901-1981.
3. Inconsciente. 4. Afeto (Psicologia). 5. Prazer. 6. Linguagem.I. Monzani, Luiz Roberto. II. Universidade Estadual deCampinas. Instituto de Filosofia e Cincias Humanas. III.Ttulo.
mh/ifch
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Agradecimentos:
- A CAPES, pelo auxlio fundamental a esta pesquisa;
- A Teresa Nrdima, minha esposa, pelo estmulo, pela pacincia, pelo carinho e pela
compreenso;
- Aos amigos Luiz Roberto Monzani (orientador) e Josette Monzani, sua esposa;
- Aos tambm amigos Joo Carlos Salles e Bete Santos;
- A Rogrio Jos (IFCH), pelos incontveis auxlios;
- A prof Nina Leite (IEL/Unicamp), meus agradecimentos especiais pelas observaes
essenciais feitas no exame de qualificao (infelizmente no foi possvel t-la na banca);
- Aos meus pais, Ivan e Daisy, e aos meus sogros, S. Jos (Bezerra) e D. Neuman, pelo
constante apoio;
- A Ricardo (irmo), Luciana (cunhada) e Victor (sobrinho), pela acolhida em So Paulo,
que fizeram da casa deles o meu lar;
- A Llia (irm), com seu ingls apurado, pela traduo do resumo;
- Aos membros da banca, professores doutores Ftima Caropreso, Francisco Bocca, Joo
Almeida e Richard Simanke, pelas colocaes sempre pertinentes;- A Urnia Tourinho Peres, Regina Tourinho Sarmento e todo o corpo de membros do
Colgio de Psicanlise da Bahia, aos quais devo boa parte da minha formao em
psicanlise;
- A der, Jean e Llian, pela acolhida em Campinas;
- A Carlota Iberts, pelo apoio fundamental durante a reta final, com a qual dividi as minhas
angstias de fim de tese;
- A Suely Aires, parceira de trabalho sempre solcita;
- Aos meus familiares e amigos, com a certeza de sempre poder contar com todos.
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- A minha irm Tita (Ana Cristina Franco Fernandes),
que nunca se deixe abater diante dos obstculos inerentes
vida;
- Aos meus sobrinhos, verdadeiros estmulos para a
vida: Victor, Matheus, Ivan, Thiago, Djalma, Rafael, Lucas e
Marina (da minha parte); Helena, Fernando, Victor, Ricardo,
Lucas, Rafael, Gabrielle, Beatriz e Jlia (da parte de Teresa);
- A Emilio Rodrigu (in memoriam), com toda
admirao e profundo respeito.
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Resumo
Para Jacques Lacan, a tcnica do Witz igual tcnica do significante. Para o autor francs,
no que concerne ao Witz, a tcnica do significante possui uma dimenso mais essencial que
a dimenso do prazer. Vale a lembrana de que, para Sigmund Freud, a produo de prazer
tida como a principal caracterstica do Witz. Uma anlise do conceito de prazer, passando
pelo seu mecanismo no Witz, alm de um estudo acerca das relaes entre o significante
lacaniano e o Witz freudiano nos possibilitar uma maior compreenso acerca da
importncia destas duas dimenses. A constatao de um certo silncio da parte de Lacan
no que diz respeito ao aspecto econmico do prazer, certamente nos ajudar a esclarecer
a sua posio. Sustentamos, portanto, mesmo reconhecendo a importncia da dimenso do
significante, que o prazer, tal como Freud o aborda, no perde a sua dimenso essencial no
que se refere ao Witz e suas relaes com o inconsciente.
Palavras-chave: Freud, Lacan, inconsciente, prazer, significante, Witz.
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Abstract
To Jacques Lacan, the Witz technique is the same as the significant technique. Regarding
the Witz, the french author considers that the significant technique has a more essential
dimension than the pleasure dimension. However, for Sigmund Freud, the main
characteristic of the Witz is the pleasure production. An analysis of the pleasure concept,
going through its mechanism in the Witz, besides a study about the relationships between
the lacanian significant and the freudian Witz, will enable us to have a broader
comprehension about the importance of those two dimensions. The evidence of a kind of
silence from Lacan about the economic aspect of the pleasure certainly will help us to
clarify his position. We sustain howsoever that, even though we recognize the importance
of the significant dimension, the pleasure, according to Freuds approach, does not lose its
main dimension in relation to the Witz and its relationships with the unconscious.
Keywords: Freud, Lacan, pleasure, significant, unconscious, Witz.
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Sumrio
Introduo............................................................................................................................15
Captulo 1. Do prazer em Freud ao seu mecanismo no Witz...............................................27
1.1 A influncia de Fechner...........................................................................30
1.2 Observaes sobre os princpios reguladores..........................................32
1.3 O prazer e seu mecanismo psquico.........................................................41
1.4 O mecanismo do prazer no Witz..............................................................53
Captulo 2. O significante lacaniano e suas relaes com o Witz
freudiano................................................................................................................................61
2.1 Breves notas acerca do signo lingstico.................................................64
2.2 Para compreender o sentido do retorno a Freud..................................73
2.3 A teoria saussuriana da linguagem e a teoria do significante
lacaniano................................................................................................................................82
2.4 O significante e o Witz.............................................................................94
Captulo 3. Posio de Lacan acerca do captulo IV do livro sobre o Witz, de
Freud....................................................................................................................................1153.1 A referncia freudiana e a referncia estrutural.....................................119
3.2 A engrenagem da demanda....................................................................126
3.3 O Outro na engrenagem da demanda....................................................132
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3.4 O nonsense, o Witz e o Outro...........................................................136
Captulo 4. Um momento crucial para uma melhor compreenso das
diferenas............................................................................................................................145
4.1 O evento em Bonneval..........................................................................148
4.2 O caso Philippe..................................................................................151
4.3 Laplanche, Leclaire, as divergncias.....................................................153
4.4 A posio de Lacan justificada pelo retorno a Freud.........................157
Concluso...........................................................................................................................163
Bibliografia........................................................................................................................177
Anexo..................................................................................................................................189
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Introduo
De um interesse despertado a partir de um estudo sobre o Witz freudiano1, mais
especificamente o chamado Gedankenwitz ou chiste de pensamento (tambm traduzido
como chiste sofstico ou conceitual), atribumos uma nfase na particularidade que ele
exprime, qual seja, a de no necessariamente provocar o riso. Tivemos o intuito de marcar
uma diferena entre o Gedankenwitz e uma outra espcie de chiste, classificada por Freud
como Wortwitz ou chiste de palavra. Esta, sim, pode ser considerada a espcie de chiste que
se manifesta com o auxlio do riso e que, por ser assim, nos possibilita uma aproximao
maior com o cmico. Agora, a nossa questo outra, embora ainda estejamos
intrinsecamente vinculados ao Witz2 e suas relaes com o inconsciente.
Ao constatarmos o quo pouco o Witz havia sido estudado e, conseqentemente, mal
compreendido at mesmo pelos estudiosos, fomos levados a investigar as relaes entre a
produo de Sigmund Freud sobre o Witz e a interpretao que fez Jacques Lacan acerca domesmo. Nossa proposta, no entanto, sustentar a idia de que o prazer (Lust), tal como
Freud o aborda, no perde a sua dimenso essencial no que diz respeito ao Witz e suas
relaes com o inconsciente. Para tanto, partiremos do seguinte ponto: para o autor francs,
a tcnica do Witz considerada igual tcnica do significante, sendo que, ao invs de
1 Fernandes, Sergio Augusto Franco. Uma noo de verdade a partir da anlise dos chistes conceituais.
Dissertao de Mestrado. Campinas: IFCH/UNICAMP, 2002.2 Atente-se para o fato de que nem todos os autores concordam que o termo alemo Witz utilizado por Freudnos seus textos originais seja traduzido por chiste. Vrios deles optaram por diferentes tradues, tais comodito espirituoso, tirada espirituosa, frase de esprito, palavra espirituosa, dentre outras. Utilizaremos atraduo de Witz enquanto chiste apesar das ambigidades do termo simplesmente por esta ser, dentre ns,a mais conhecida. O termo alemo Witz traduzido por chiste tanto na edio argentina da AmorrortuEditores quanto na edio brasileira da Imago Editora. Optamos por trabalhar com a edio da Amorrortu(traduzida direto do alemo para o espanhol por Jos L. Etcheverry). O provvel uso de outras j citadastradues para o termo Witz certamente em nada modificar o contedo do presente texto, visto que estarosempre com o mesmo sentido. Tradues nossas do espanhol para o portugus.
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colocar a produo de prazer como caracterstica principal do Witz, ele contorna habilmente
esta dimenso e enfatiza a dimenso do significante. Aps discorrermos e
problematizarmos sobre essas duas dimenses, no fim das contas buscaremos compreender
o motivo pelo qual Lacan procedeu de tal maneira.
Seremos guiados, no decorrer do nosso trabalho, pelas idias desses dois autores,
tomando como objeto, principalmente, o discurso da psicanlise, mais especificamente o
discurso proferido pelos autores em questo. Em razo de ambos terem produzido obras
extensas, evidentemente foram selecionados textos representativos do assunto a tratar, quais
sejam, aqueles que, de alguma forma, relacionam o Witz ao prazer e ao significante. Sendo
assim, as articulaes que desenvolveremos no decurso do nosso texto tero como
referencial terico algumas passagens contidas, principalmente, nas obras Der Witz und
seine Beziehung zum Unbewussten (1905)3 eLe Sminaire de Jacques Lacan, livre V, Les
formations de linconscient(1957-1958)4. Quanto ao referido seminrio, assinalamos que
boa parte dos seus fundamentos se encontram num outro texto, a saber: Linstance de la
lettre dans linconscient ou la raison depuis Freud5 (1957), texto este que ser, de acordo
com as necessidades da nossa pesquisa, devidamente requisitado. Logo, nossas questes
3 Freud, Sigmund. Der Witz und seine Beziehung zum Unbewussten (1905). Vol. VI. In: GesammelteWerke, Chronologisch geordnet. 18 vols. Londres: Imago, 1940-74. Como fora dito em nota anterior,optamos por trabalhar com a edio da Amorrortu Editores (El chiste y su relacin con lo inconciente[1905]. In: Sigmund Freud, Obras Completas, vol. VIII. Traduccin de Jose L. Etcheverry. Buenos-Aires:Amorrortu Editores, 1996), traduzida direta do alemo. Sero utilizadas as siglas AE (Amorrortu Editores),
SB (Standard Brasileira), SE (Standard Edition) e GW (Gesammelte Werke), para indicar as referidas edies,seguidas do nmero do volume em algarismos romanos e do nmero da pgina. Quanto paginao da ediobrasileira (SB), da inglesa (SE) e da alem (GW), estas constaro apenas enquanto referncia para aqueles queas desejarem consultar. A referncia completa das obras em questo se encontra no final da presente tese, noitem Bibliografia.4 Lacan, Jacques.Le Sminaire de Jacques Lacan, livre V, Les formations de linconscient(1957-1958). Paris:Seuil, 1998 (O Seminrio, livro 5, As formaes do inconsciente. Traduo de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro:JZE, 1999).5 Lacan, Jacques. Linstance de la lettre dans linconscient ou la raison depuis Freud. In: crits. Paris: Seuil,1966, p. 493-528 (Escritos. Traduo de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: JZE, 1998, p. 496-533).
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estaro voltadas, no que concerne ao ensino de Lacan, principalmente para o perodo que
compreendeu a realizao do seu seminrio acima referido.
Conseqentemente, ressaltaremos as semelhanas e diferenas existentes entre as
duas abordagens do Witz. Salientamos a presena no Witz tanto de uma dimenso
econmica, quanto de uma dimenso lingstica, sendo que Freud vai atribuir nfase
primeira, enquanto Lacan vai priorizar a segunda. Por conseguinte, discutiremos acerca do
que a se manifestar como problema. Levantaremos, ento, algumas suspeitas
epistemolgicas no que tange ao Witz e suas relaes com as leituras de Freud e Lacan,
com o intento de lanar alguma luz sobre as distintas perspectivas.
Sabemos que Lacan interpretava o freudismo muito ao seu modo, seguramente de
uma maneira to peculiar que o prprio Freud, por certo, no concordaria. O problema
que muitas das concepes de Lacan no chegam a ser antagnicas em relao aos
enunciados freudianos, o que nos permite, de alguma forma, atribu-las a Freud. Sendo
assim, propomos comparar alguns enunciados freudianos a determinadas concepes
lacanianas, verificando se realmente podemos atribuir tais concepes ao autor vienense.
Estamos, como se pode perceber, aludindo ao chamado retorno a Freud, retorno este
proposto por Lacan, cujas especificidades sero observadas ao longo do segundo captulo.
No primeiro captulo da nossa tese, examinaremos o conceito de prazer, partindo
dos textos de Freud, com o intuito de constatar a sua dimenso essencial no que diz respeito
ao Witz. Vale lembrar que o conceito de prazer praticamente no sofreu modificaes ao
longo do seu trajeto na obra freudiana. De antemo, sugerimos que o contedo presente no
primeiro captulo, qual seja, o conceito de prazer e seu mecanismo psquico, seja pensado
como sendo aquilo que constituiu para Freud o aspecto econmico do Witz, aspecto este
que visa propiciar ao sujeito que produz um Witz, uma reduo da sua despesa psquica,
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possibilitando-lhe um ganho de prazer. , no nosso entender, justamente essa perspectiva
econmica que vai permanecer em silncio num perodo especfico do ensino de Lacan,
ao qual, no momento propcio, teceremos as devidas consideraes.
Chamamos ateno para o fato de que o que constituiu problema para Freud e
continua constituindo problema para os especialistas do tema no chega a ser o conceito de
prazer em si, mas, sim, as suas diversas vinculaes com as mais distintas referncias
tericas. Esse percurso, ento, ser iniciado a partir de uma breve anlise da influncia em
Freud das idias de Gustav Theodor Fechner (1801-1887)6, considerado fundador da
psicofsica e tambm da psicologia experimental. Na verdade, o prprio Freud7 se dizia
influenciado, em alguns pontos importantes da sua teoria sobre o prazer, pelas idias desse
filsofo/mdico alemo. Fechner foi considerado o primeiro a fundamentar no prazer a
idia de um princpio regulador do funcionamento psquico. Vale a ressalva de que a
questo econmica ser a nossa referncia no que diz respeito ao conceito de prazer ao
longo do primeiro captulo.
Dando continuidade ao esboo de um percurso do conceito de prazer a partir dos
textos freudianos, faz-se necessrio discorrermos acerca dos princpios chamados
reguladores. Faremos, assim, uma abordagem sucinta sobre os princpios de inrcia, de
nirvana e de constncia, ressaltando as particularidades de cada um desses princpios, suas
articulaes e seus problemas. Se o aparelho psquico deve ser pensado atravs do modelo
do esquema do arco-reflexo, por conseguinte deve comportar-se como tendncia para
descarregar as excitaes e, ao mesmo tempo, manter-se afastado das fontes de excitao.
6 Gay, Peter. Freud: uma vida para o nosso tempo. Traduo de Denise Bottmann. So Paulo: Cia. das Letras,1991, p. 134.7 Freud, Presentacin autobiogrfica (1925 [1924]), AE,XX, p. 1-70 (SB, XX, p. 17-88; SE, XX, p. 7-74;GW, XIV, p. 33-111).
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Tentaremos, desse modo, desfazer algumas dvidas referentes compreenso do
funcionamento psquico e seus princpios reguladores. Apresentaremos algumas idias,
nem sempre convergentes, que dizem respeito s definies de tais princpios, tendo em
vista uma maior clareza em relao aos mesmos.
Teceremos, tambm, algumas consideraes acerca da relao entre o princpio de
prazer e o princpio de realidade. Discutiremos sobre a possibilidade de coexistncia entre
esses dois princpios, mesmo com eles atuando de maneira um tanto incmoda e quase
sempre conflituosa. De acordo com Herbert Marcuse8, com o estabelecimento do
princpio de realidade, quando este se sobrepe ao princpio de prazer, que o ser humano
acaba por converter-se num ego organizado. Dessa maneira, sob este princpio, o ser
humano viria a tornar-se um sujeito consciente, capacitado a pensar, preparado para
enfrentar toda uma racionalidade que lhe vem de fora e que lhe toma o seu ser.
Uma anlise do prazer e do seu complexo mecanismo psquico, incluindo a uma
anlise do mecanismo do prazer no Witz, tambm se mostra fundamental, visto que
almejamos, com nossa pesquisa, uma ampliao da nossa compreenso sobre o tema
proposto. O conceito de dor (Schmerz) ser devidamente abordado, levando em conta que,
no arsenal conceitual freudiano, ele aparece como um dos primeiros dados a ser analisado.
Mesmo sendo um fenmeno conhecido por todos, na teoria freudiana ele vai possuir uma
especificidade que o coloca num contexto bastante preciso, diferentemente do conceito de
desprazer. Lembramos que, na concepo de Freud, o desprazer no quer dizer
necessariamente dor, como nos faz pensar os textos da filosofia antiga, por exemplo.
sabido que, em determinadas situaes, o desprazer pode ser sentido como prazer. No
8 Marcuse, Herbert. Eros e Civilizao. Uma interpretao filosfica do pensamento de Freud. Traduo delvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 1999, p. 35.
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Projeto (1895)9, de Freud, o conceito de dor nos apresentado como uma irrupo de
grandes quantidades de energia no sistema psquico. Discutiremos, evidentemente, as
diferenas entre os conceitos de desprazer e dor, levando em considerao as idias
freudianas. Luiz Roberto Monzani10 constata e nos transmite, de forma simples, uma lio
deixada por Freud, qual seja, que o desprazer (Unlust) o motor que aciona e que
desenvolve o nosso aparelho psquico, considerando que no corremos atrs do prazer, mas,
sim, fugimos do desprazer. Aps percorrermos uma via que nos leva ao encontro do
conceito de prazer e a algumas das suas articulaes possveis, esperamos que fique
evidente a sua importncia no que concerne, principalmente, economia psquica do
sujeito.
Outro conceito em que se faz necessrio um maior aprofundamento o conceito de
pulso (Trieb). Sua falta de transparncia, inicialmente, marcou sua apario na teoria
psicanaltica. Freud o antecipa desde o seu j citado Projeto (1895), mas foi com a
publicao dos seus Trs ensaios de teoria sexual (1905)11 que ele produziu novas
contribuies ao admitir que as pulses constituam, ao mesmo tempo, o elemento mais
fundamental e, tambm, o mais hermtico da sua extensa pesquisa. Sabemos que este
conceito, ainda hoje, nos apresenta muito pano para manga, como se diz comumente. Isto
certamente ser notado com o desenvolvimento da nossa discusso.
Vale lembrar que, no decorrer do seu ensino, mais especificamente na dcada de
1950, Lacan chamou ateno para as obras Studien ber Hysterie (1895), Die
9 Freud, Sigmund. Projeto de uma psicologia (1895). Traduo de Gabbi Jr. In: Gabbi Jr, Osmyr Faria.Notas a Projeto de uma Psicologia. As origens utilitaristas da Psicanlise. Rio de Janeiro: Imago, 2003, p.185-186. Utilizaremos a traduo e as notas elaboradas por Osmyr Faria Gabbi Jr. no que concerne ao textodo Projeto (1895), de Sigmund Freud.10 Monzani, Luiz Roberto. Freud: o movimento de um pensamento. Campinas: UNICAMP, 1989, p. 190.11 Freud, Tres ensayos de teoria sexual (1905), AE, VII, p. 153, n. 50 (SB, VII, p. 158, n. 1; SE, VII, p. 153;GW, V, p. 67).
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Como ponto de partida para uma consistente discusso acerca dessas questes,
ressaltaremos o tema do prazer no Witz, tal como Lacan o aborda. Como ser observado,
este tema se mostrar implicado diretamente com o conceito lacaniano de Outro. sabido
que, assim como os psicanalistas freudianos da IPA, Lacan tambm localizou o problema
da alteridade no mbito de uma determinao inconsciente, criando uma terminologia
especfica para diferenciar o que seja do alcance de um lugar terceiro (Outro), do que venha
a ser do campo da pura dualidade (outro), no sentido utilizado pela psicologia. Vale lembrar
que Lacan, inicialmente, ressaltava que o inconsciente do sujeito o discurso do outro,
passando a afirmar, posteriormente, que o inconsciente o discurso do Outro. Foi
somente no seu Seminrio Le moi dans la thorie de Freud et dans la technique de la
psychanalyse (1954-1955)12 que Lacan introduziu o termo grande Outro, diferenciando-o
do pequeno outro.
Quanto ao Witz, Lacan o prioriza dentre as demais formaes do inconsciente, por
ele apresentar, com uma certa clareza, a vantagem de conjugar simultaneamente tanto a
condensao metafrica quanto o deslocamento metonmico, procedendo, no seu entender,
ou por substituio (metfora) ou por desvio do curso do pensamento (metonmia). Lacan,
ento, designa a tcnica do Witz como tcnica do significante, vinculando, da sua
maneira, a experincia freudiana com a experincia lingstica. Certamente nos
aprofundaremos nesse aspecto.
Para um maior esclarecimento acerca da complexa relao entre o significante e o
Witz, analisaremos o primeiro chiste que Freud nos apresenta na sua obra Der Witz: o
12 Lacan, Jacques. Le Sminaire de Jacques Lacan, livre II, Le moi dans la thorie de Freud et dans latechnique de la psychanalyse (1954-1955). Paris: Seuil, 1978, p. 276(O Seminrio, livro 2, O eu na teoria deFreud e na tcnica da psicanlise . Traduo de Marie Christine Laznik Penot. Rio de Janeiro: JZE, 1985, p.297).
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famoso familionrio 13, uma fico do poeta Heinrich Heine. provvel que o interesse
de Lacan por esse Witz tenha se dado, principalmente, por ele ter notado a presena, ao
mesmo tempo, de duas linhas do discurso, alm de perceber que, no referido Witz, as coisas
circulavam simultaneamente no que ele denominou linha da cadeia significante. Lacan
sups, entretanto, que Freud teria se dado conta, anteriormente s descobertas da lingstica
moderna, que existia um vnculo entre as leis do funcionamento da linguagem e as leis do
inconsciente.
Logo, numa perspectiva lacaniana, a condensao (metfora) tida como uma
forma singular do que possvel ser produzido como uma funo de substituio, sendo
que vai ser nessa relao de substituio que dever estar presente o recurso criador, a fora
criadora da metfora. J o deslocamento (metonmia) diz respeito, mais precisamente, a um
deslizamento de valores que deve influenciar um deslocamento do sentido. Para uma
melhor compreenso em torno da estrutura do Witz e suas implicaes, seguindo sugesto
de Lacan, nos deteremos um pouco, em alguns pontos do nosso texto, nas funes da
metfora e da metonmia, figuras estas que compem as duas vertentes do chamado campo
significante.
No nosso terceiro captulo, teceremos um comentrio sobre a posio de Lacan14 em
relao ao captulo IV do livro Der Witz, de Freud, parte esta que trata do mecanismo do
prazer e da psicognese dos chistes. Salientaremos, portanto, a referncia estrutural
utilizada por Lacan nos seus comentrios, acabando por deixar de lado, de alguma maneira,
a referncia freudiana. , com efeito, no seuLe Sminaire, livre V, mais especificamente na
parte V (O pouco-sentido e o passo-de-sentido) do primeiro captulo (As estruturas
13 Freud, El chiste y su relacin con lo inconciente (1905), AE, VIII, p. 18 (SB, VIII, p. 29; SE, VIII, p. 16;GW, VI, p. 14).14 Lacan,Le Sminaire, livre V, p. 83(O Seminrio, livro 5, p. 87).
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freudianas do esprito), que Lacan vai se posicionar diante do captulo IV do livro sobre o
Witz, de Freud. Lacan15 vai dizer, sem muito argumentar, que Freud chegara mesmo a
repudiar o termo nonsense, termo este que nos apresentado pelo prprio Freud como
sendo o que mais amplamente caracteriza o chiste, em especial o j citado Gedankenwitz.
Vale ressaltar que, apesar de todo esse movimento, a questo do prazer no chega a
ser, necessariamente, excluda. Verificaremos de que maneira Lacan ir abord-la. O que
vai ficar de fora, de acordo com as nossas suspeitas, a funo do prazer tal como Freud a
sustenta, a saber, do ponto de vista econmico. Lacan16, por sua vez, no deixa de ressaltar
a importncia da questo do prazer no Witz, prazer este tido como autntico, ou seja, o
prazer prprio do uso do significante. Em outras e poucas palavras, Lacan faz do Witz um
significante. O que se pretende questionar, com efeito, a diferena de perspectivas em
relao funo do prazer no Witz.
Pensamos ser bastante propcio, por considerarmos esclarecedor, iniciarmos o nosso
quarto captulo examinando uma querela suscitada no interior do prprio movimento
psicanaltico, gerada a partir de um mal entendido, de fundamental importncia para a
compreenso das questes que aqui j esto sendo expostas. Tal querela surgiu no famoso
Colquio de Bonneval17, em 1960, quando Serge Leclaire e Jean Laplanche, ento os mais
destacados discpulos de Lacan, vieram a discordar, numa apresentao em conjunto, sobre
o que seria o conceito de inconsciente formulado por Freud e a leitura que fez Lacan desse
mesmo conceito.
15 Lacan,Le Sminaire, livre V, p. 86 (O Seminrio, livro 5, p. 90).16 Lacan,Le Sminaire, livre V, p. 91 (O Seminrio, livro 5, p. 96).17 Ey, Henry. VI Colloque de Bonneval. Paris: Descle de Brouwer, 1966. (O inconsciente volume I VIColquio de Bonneval. Traduo de Jos Batista. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1969).
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A questo que, para Lacan nesse momento j ressaltava a primazia do
significante em sua teoria , no seria a mesma coisa afirmar que a linguagem condio
do inconsciente e que o inconsciente condio da linguagem. Com efeito, o que se
encontra em pauta o aforismo lacaniano o inconsciente estruturado como uma
linguagem, que vai nortear a idia de uma teoria lacaniana do significante que, por sua
vez, vai fundamentar o chamado retorno a Freud. Nota-se, a, uma interessante srie de
vinculaes. A idia , portanto, tornar evidente a diferena de posio entre os distintos
autores. Acreditamos, ento, que seja sensato tomar a querela que se faz presente no ltimo
captulo da nossa tese como momento de convergncia e, ao mesmo tempo, de
esclarecimento de toda problemtica suscitada no decurso do nosso texto.
Enfim, nada nos impede de considerar a leitura que fez Lacan de Freud como sendo
uma leitura criativa18, feita a partir do campo da linguagem e da funo da palavra. Essa
leitura, certamente, no foi uma leitura sem fundamentao, fora pensada a partir da
lingstica estrutural que, como sabemos, tornou-se referncia nas cincias humanas na
dcada de 1950. Dada essa constatao, acreditamos que alguns problemas apresentados ao
longo dessa introduo comecem, desde j, a se diluir, haja vista que a referncia lacaniana
se mostra, aos nossos olhos, distinta da freudiana, problematizando, assim, a comparao
estabelecida entre a tcnica do significante e a tcnica do Witz. Vale a lembrana de que as
referncias e as preocupaes sustentadas por Freud, no que concernem ao Witz e suas
relaes com o inconsciente, se situam e se referem, principalmente, ao campo da economia
psquica, e no necessariamente ao campo lingstico, da fala e da linguagem, como
sustenta Lacan. nosso intuito, portanto, que o presente estudo nos auxilie na verificao
18 Miller, Jacques-Alain. O rouxinol de Lacan. In: Conferncia inaugural do Instituto do Campo Freudianode Buenos Aires. Volume 10, n 5, out./nov. Traduo do espanhol por Carlos Genaro G. Fernandez. SoPaulo: Escola Brasileira de Psicanlise de S.P., 2003, p. 19.
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da legitimidade dos passos de ambos os autores, levando sempre em considerao a
importncia das duas faces do Witz, quais sejam, a dimenso do prazer e a dimenso do
significante.
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Captulo 1
Do prazer em Freud ao seu mecanismo no Witz
Sabemos que o conceito de prazer (Lust), na obra freudiana, apesar de estar
vinculado a um mecanismo bastante complexo, praticamente no sofreu modificaes ao
longo do seu trajeto. Certamente, como j dito na introduo, o que constituiu problema
para Freud e continua constituindo para os estudiosos do tema, produzindo diferentes
articulaes e, conseqentemente, diferentes interpretaes, no o conceito de prazer em
si, mas, sim, a sua vinculao a outras referncias tericas.
Iniciaremos com uma breve abordagem acerca da influncia das idias de Gustav
Theodor Fechner sobre Sigmund Freud e o princpio de prazer (Lustprinzip), trazendo
tona algumas consideraes que dizem respeito relao entre esses dois autores. Sero
ressaltados tambm os conceitos de dor e pulso para que nos ajudem a melhor
compreender alguns aspectos que concernem questo do prazer/desprazer e o seu
mecanismo psquico. Chamamos ateno para o fato de que trabalharemos com o conceito
de prazer que antecede a virada de 1920, quando esse princpio (de prazer) no havia ainda
se revelado como problema maior para a metapsicologia freudiana. At ento, o chamado
princpio de prazer havia tido uma existncia relativamente tranqila no interior do
aparato terico da psicanlise freudiana. Com isto, no estamos dizendo que as diversas
formulaes produzidas por Freud no suscitassem problemas, muito pelo contrrio. A
questo que, como bem diz Monzani, (...) esses problemas no foram considerados de
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modo que acabassem por colocar em questo o significado e a funo desse princpio na
economia do aparelho mental.19
Lembramos aqui que as expresses princpio de prazer (Lustprinzip) e princpio
de realidade (Realitts-prinzip) foram introduzidas por Freud20 em 1911 com o fim de
especificar os dois princpios que regem o funcionamento psquico. De forma resumida, o
primeiro tem como meta proporcionar prazer e evitar desprazer, sem barreiras nem limites,
enquanto o segundo vai modificar o primeiro, exigindo restries necessrias para uma
adaptao realidade externa. Levando em conta que a oposio entre princpio de prazer e
princpio de realidade correlata oposio entre processo primrio (Primrvorgang) e
processo secundrio (Sekundrvorgang), discorreremos, ento, sobre essa oposio, com o
intuito apenas de uma maior elucidao acerca dessas relaes. Note-se que a tenso
aparece, nesse momento, como referncia fundamental do pensamento freudiano. Vale
ressaltar que a distino elaborada por Freud entre os dois processos citados
contempornea descoberta dos processos inconscientes, fornecendo, no entanto, a sua
primeira expresso terica. Tal distino se encontra desde o Projeto de uma psicologia
(1895)21, sendo desenvolvida no captulo VII da Interpretao dos sonhos (1900)22,
permanecendo como uma referncia imutvel na teoria freudiana.
Freud chamou de processo primrio um modo de funcionamento psquico primitivo,
onde um conjunto de energias psquicas, consideradas no domesticveis, desde o incio
instalado na mente, se encontrava inteiramente sob o domnio do princpio de prazer. Este
princpio quer satisfao, mesmo que de forma imprudente, brutal, sem pacincia para a
19 Monzani, Freud, o movimento de um pensamento, p. 189.20 Freud, Formulaciones sobre los dos principios del acaecer psquico (1911), AE, XII, p. 224 (SB, XII, p.278; SE, XII, p. 219; GW, VIII, p. 231).21 Freud, Projeto de uma psicologia, in: Gabbi Jr., p. 202-204.22 Freud. La interpretacin de los sueos [1900 (1899)], AE, V, cap. VII, p. 534-551 (SB, V, p. 468-566;SE, V, p. 540-559, GW, II-III, p. 545-564).
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reflexo ou adiamento. Com o passar do tempo, a mente se desenvolve, conseguindo
sobrepor o processo secundrio ao primrio, sempre levando em conta a realidade. Seria o
processo secundrio que se responsabilizaria pelo regulamento do funcionamento psquico
de uma forma mais eficiente, introduzindo o pensamento, o clculo e a capacidade de adiar
as satisfaes para poder usufruir destas posteriormente. Peter Gay, fazendo suas as
palavras de Freud, adverte quanto a uma superestimao da influncia do processo
secundrio na medida em que (...) o processo primrio mantm sua persistente
sofreguido durante a vida inteira23.
, por conseguinte, na perspectiva do prazer como princpio que conduziremos as
nossas observaes. Vale ressaltar que pretendemos colocar em evidncia a dimenso do
prazer na obra freudiana, na tentativa de apresentar uma fundamentao consistente para
considerarmos o prazer enquanto caracterstica principal do Witz, como demonstrou
Freud24. O conceito de prazer, ao qual nos referimos, deve ser pensado a partir da seguinte
referncia:
Podemos apenas nos atrever a asseverar o seguinte: que o prazer liga-se
de algum modo com a reduo, a diminuio ou a extino das cargas de
estmulos que trabalham no interior do aparelho mental e que, de maneira
semelhante, o desprazer est em conexo com o aumento dessas cargas.25
23 Gay, Freud, uma vida para o nosso tempo, p. 134.24 De acordo com Freud, o que h de mais valioso no Witz a produo de prazer que este nos proporciona.Ver: Freud, El chiste, AE, VIII, p. 29 (SB, VIII, p. 42; SE, VIII, p. 28; GW, VI, p. 28).25 Freud, Conferencias de introduccin al psicoanlisis (1916-17), AE, XVI, p. 324 (SB, XVI, p. 416; SE,XVI, p. 356; GW, XI, p. 370).
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Freud atribui uma dimenso dita econmica a esses processos relativos ao prazer,
visto que a questo que se impe a de saber o que acontece com as quantidades de energia
que circulam pelo aparelho psquico. No sentido de uma dimenso econmica, podemos
dizer, ento, que o aparelho psquico serve ao propsito de dominar e eliminar as cargas de
estmulos e o acmulo de tenso, provenientes de dentro e de fora, que incidem sobre ele.
Trata-se, portanto, de uma definio relativamente simples que podemos express-la da
seguinte maneira: todo acmulo de estmulos sentido pelo aparelho psquico como
desprazer, sendo que sua tendncia livrar-se desse acmulo, desse excesso que gera o
desprazer. O escoamento desse excesso conseguido e sentido pelo aparelho psquico
como prazer. Tal inclinao, chegando a dominar a maior parte dos acontecimentos
mentais, funciona, ento, como um princpio regulador desses processos, na medida em que
passa a trabalhar como uma tendncia geral do nosso aparelho psquico. Mais adiante
retomaremos essa questo.
1.1 A influncia de Fechner
Do ponto de vista de um esclarecimento conceitual mais consistente, vamos seguir a
ordem das coisas, isto , vamos tentar compreender o desenvolvimento do conceito de
prazer na obra de Freud (anterior virada de 1920, como vimos) e uma diversidade de
problemas inerentes a esse percurso. Partiremos, ento, do comeo.
Sabemos que Freud foi influenciado, no que diz respeito natureza do prazer, pelas
idias do filsofo e mdico alemo G. T. Fechner (1801-1887)26. Era dele a idia de
fundamentar no prazer um princpio regulador do funcionamento psquico. Vamos tentar
26 Gay, Freud: uma vida para o nosso tempo, p. 58.
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entender. Fechner considerado o fundador da psicofsica e da psicologia experimental.
Conforme nos conta Michel Plon e Elisabeth Roudinesco27, em 1873 Fechner teorizou o
princpio de conservao (ou de estabilidade) da energia, sendo que este princpio j havia
sido formulado anteriormente, em 1842, pelo fsico Robert Meyer, retomado e
desenvolvido, em 1845, por Hermann von Helmholtz. dito que, aps um perodo de
complicaes psquicas, Fechner acreditava ter inventado um princpio universal to
fundamental para o mundo quanto o de Isaac Newton (1642-1727), dando-lhe o nome de
princpio de prazer. No temos dvidas que a obra de Fechner tenha influenciado, de
maneira significativa, algumas idias de Freud. Num texto de 1925, Apresentao
autobiogrfica, ele vai dizer: Sempre fui muito aberto s idias de G. T. Fechner, e alis,
em pontos importantes, baseei-me nesse pensador.28
Vale lembrar que Freud, no seu Projeto de uma psicologia (1895), parte I, captulo
9, intitulado O funcionamento do Aparelho29, ao falar sobre a existncia de um
dispositivo peculiar que afasta as quantidades de estmulos dos neurnios psi (dentro de
certos limites), faz uma aproximao com as condies da lei de Fechner, dizendo, ento,
t-la localizado. Essa lei traduz, segundo Osmyr Faria Gabbi Jr., (...) uma relao entre a
quantidade fsica do estmulo e a percepo consciente da sua variao. Portanto, ela
expressa, alm de um elo entre o fsico e o psquico, a crena de que tais relaes so
regulares.30
27 Plon, Michel e Roudinesco, Elisabeth. Dicionrio de Psicanlise. Traduo de Vera Ribeiro e LucyMagalhes. Rio de Janeiro: JZE, 1998, p. 227.28 Freud, Presentacin autobiogrfica, AE, XX, p. 55 (SB, XX, p. 75; SE, XX, p. 59; GW, XIV, p. 86).29 Freud, Projeto de uma Psicologia (1895), in: Gabbi Jr., p. 193.30 Gabbi Jr,Notas a Projeto de uma Psicologia. As origens utilitaristas da psicanlise, nota 84c, p. 51.
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Diferentemente das doutrinas hedonistas tradicionais, Fechner31 entendia que as
nossas aes eram determinadas pelo prazer ou pelo desprazer, propiciados na atualidade
pela representao da ao a ser realizada ou por meio de suas conseqncias, e no que a
finalidade buscada pela ao humana fosse o prazer, chamando ateno para o fato de que
tais motivaes podiam no ser percebidas de forma consciente. Note-se que a
caracterstica de motivao atual, que se encontra na teoria de Fechner, tambm se
encontra no centro da concepo freudiana, onde o aparelho psquico aparece regido por
uma evitao ou por uma evacuao da tenso desagradvel, cuja motivao principal o
desprazer atual, e no a perspectiva do prazer a ser obtido. Trata-se, pois, como disse Freud
emA Interpretao dos sonhos (1900)32, de um mecanismo de regulao automtica.
1.2 Observaes sobre os princpios reguladores
Freud enumera uma srie de princpios reguladores a qual o aparelho psquico deve
estar submetido. So leis, regras e princpios que tentaremos, de alguma forma, esboar, do
mais simples ao mais complexo. Em primeiro lugar, Freud diz que todo aparelho psquico
deve ser pensado atravs do modelo do esquema do arco-reflexo, isto , que o organismo,
por mais elementar que seja, se recebe uma determinada carga de estmulo, a sua tendncia
natural descarregar imediatamente esta quantidade. Supe-se que a quantidade de
excitao recebida por um neurnio sensitivo deva ser completamente descarregada numa
extremidade motora. De acordo com Freud, o aparelho psquico comporta-se, de maneira
geral, como uma tendncia para descarregar as excitaes e, ao mesmo tempo, manter-se
afastado das fontes de excitao. Vamos por partes.
31 Fechner, Gustav Theodor. ber das Lustprinzip des Handelns. In: Zeitschrift fr Philosophie undPhilosophische Kritik, Halle, 1848, p. 11.32 Freud, La interpretacin de los sueos, AE, V, p. 566 (SB, V, p. 523; SE, V, p. 574; G.W., II-III, p. 580).
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Lembra-nos Osmyr36 que, no incio do Projeto, Freud se refere a essa lei geral do
movimento a lei de inrcia , mas que, com a introduo da noo de perodo, novas leis
se mostraram necessrias, leis de movimento, distintas da lei da inrcia. Diz o prprio
Freud: Com isto, o sistema nervoso coagido a abandonar a tendncia originria para a
inrcia, isto , para nvel = 0.37Logo, a antiga noo de princpio de inrcia nos aponta
para um certo interesse em auxiliar a estabelecer o sentido dos princpios econmicos mais
importantes que regulam o funcionamento do aparelho psquico.
Na opinio de Laplanche e Pontalis38, as contradies percebidas a partir da noo
freudiana de princpio de inrcia neurnica no devem, entretanto, desmerecer a intuio
fundamental que se encontra implcita sua utilizao. Tal intuio estaria ligada prpria
descoberta do inconsciente, na medida em que, o que Freud traduz em termos de livre
circulao de energia, nos neurnios, no seria mais do que a transposio da sua
experincia clnica, ou seja, a livre circulao do sentido, que vem a caracterizar o processo
primrio. Sendo assim, o princpio de Nirvana, tal como aparece mais adiante na obra de
Freud, pode ser tido como reafirmao de uma intuio bsica que j norteava o enunciado
do princpio de inrcia.
Princpio de Nirvana
Como sabemos, esse termo derivado do budismo e foi difundido no Ocidente pelo
filsofo alemo Arthur Schopenhauer (1788-1860). Essa denominao foi proposta pela
psicanalista inglesa Barbara Low (1877-1955), sendo retomada posteriormente por Freud
36 Gabby Jr.,Notas a projeto de uma psicologia, nota 64, p. 46.37 Freud, Projeto de uma psicologia, in: Gabbi Jr., p. 177.38 Laplanche e Pontalis, Vocabulrio da Psicanlise, p. 363.
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emAlm do princpio de prazer(1920)39 para designar uma tendncia do aparelho psquico
a eliminar qualquer desejo e qualquer quantidade de estmulo de origem interna e externa.
O termo Nirvana, do ponto de vista do budismo, nos remete (...) extino do desejo
humano, o aniquilamento da individualidade que se funde na alma coletiva, um estado de
quietude e de felicidade perfeita.40
Freud, ento, retoma o termo sugerido por Barbara Low e enuncia-o como tendncia
para reduo, para a constncia, para a supresso da tenso de excitao interna. O
problema que essa formulao a mesma que Freud profere, no mesmo texto, sobre o
princpio de constncia, contendo, assim, uma ambigidade, onde apresenta como
equivalente tanto a tendncia a manter constante uma determinada quantidade de estmulos
quanto a tendncia para atingir o nvel zero de excitao.
no texto O problema econmico do masoquismo (1924)41 que Freud vai ressaltar
uma equivalncia entre a noo de pulso de morte e o princpio de Nirvana, dizendo que a
tendncia da pulso de morte expressada atravs do referido princpio. Sendo assim, o
princpio de Nirvana aponta para algo diferente de uma lei de constncia, na medida em que
assume uma tendncia radical, no sentido de encaminhar a excitao ao nvel zero,
conforme Freud j havia enunciado no seu Projeto sob o nome de princpio de inrcia.
39 Freud, Ms all del principio del placer (1920), AE, XVIII, p. 54 (SB, XVIII, p. 76; SE, XVIII, p. 55;GW, XIII, p. 60).40 Laplanche e Pontalis, Vocabulrio de Psicanlise, p. 363-364.41 Freud, El problema econmico del masoquismo (1924), AE, XIX, p. 166 (SB, XIX, p. 200; SE, XIX, p.160; GW, XIII, p. 372).
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Princpio de constncia
O princpio de constncia faz parte do aparelho terico elaborado por Freud e por
Joseph Breuer entre os anos 1892-1895. Embora escrito sob um aparente acordo42, percebe-
se diferenas: Breuer desenvolve seu pensamento numa perspectiva eminentemente
biolgica, aproximando o seu modelo s idias de homeostase (inicialmente desenvolvidas
pelo fisiologista Cannon), idias estas que dizem respeito auto-regulao do organismo.
Diz Laplanche e Pontalis: No entanto, se compararmos dois textos tericos escritos
individualmente por cada um dos dois autores, verificaremos, sob o aparente acordo, uma
ntida diferena de perspectivas.43
Esse princpio se encontra na base da teoria econmica freudiana, visto que se
percebe, em vrias passagens de diferentes textos, uma suposio implcita de que ele que
regula o funcionamento do aparelho psquico. Sua funo seria procurar manter constante,
dentro de si, a soma das excitaes, acionando mecanismos que evitariam os estmulos
externos e defenderia e descarregaria os aumentos de tenso vindos de dentro. O princpio
de constncia encontra-se, por conseguinte, estreitamente vinculado ao princpio de prazer,
j que o desprazer pode ser considerado numa perspectiva econmica como uma
percepo subjetiva de um aumento de tenso e, o prazer, como algo que traduz a
diminuio dessa tenso.
Contudo, surge um problema: a questo que Freud achava bastante complicada
essa relao entre as sensaes subjetivas de prazer-desprazer e os processos econmicos
que supostamente lhes serviam de sustentao. Dessa maneira, a sensao de prazer poderia
42 Ver: Introduo do editor ingls, de James Strachey, onde ele comenta sobre as divergncias entre os doisautores. [Breuer, Josef e Freud, Sigmund. Estudos sobre a histeria (1895). In: Edio Standard Brasileiradas Obras Psicolgicas Completas de Sigmund Freud. Vol. II. Rio de Janeiro: Imago, 1988, p. 27-33].43 Laplanche e Pontalis, Vocabulrio da Psicanlise, p. 357.
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acompanhar um aumento de tenso: Parece que na srie de sensaes de tenso temos um
sentido imediato do aumento e diminuio das quantidades de estmulo, e no se pode
duvidar que haja tenses prazerosas e relaxamentos desprazerosos de tenso.44 Conforme
o que foi visto, nada nos impede de chegarmos concluso de que essa relao entre o
princpio de prazer e o princpio de constncia no deve ser reduzida a uma simples e pura
equivalncia.
Breves consideraes acerca do princpio de realidade
Sabemos que a noo de prazer, na teoria freudiana, abordada como princpio que
rege o nosso funcionamento psquico. De acordo com este princpio e concomitante ao
mesmo, temos o princpio de realidade, que pode ser pensado formando par com o princpio
de prazer, modificando-o na medida em que consegue impor-se, ao menos aparentemente,
como princpio regulador. Nesse sentido, a procura da satisfao j no vai se dar pelos
caminhos mais breves, passando a fazer desvios, adiando o seu resultado, tendo em vista as
condies exigidas pelo mundo exterior.
Vimos que no texto Formulaes sobre os dois princpios do acontecer psquico
(1911) que Freud, pela primeira vez, utilizou o termo princpio de prazer. At ento,
utilizava o termo princpio de desprazer: A tendncia principal a que estes processos
primrios obedecem fcil de discernir; se define como o princpio de prazer-desprazer
(Lust-Unlust) (ou, mais brevemente, o princpio de prazer).45No que diz respeito a tais
processos, estes se esforariam para atingir o prazer, visto que a nossa atividade psquica
tende a afastar-se de todo e qualquer acontecimento desprazvel.
44Op. cit.45 Freud, Formulaciones sobre los dos princpios..., AE, XII, p. 224 (SB, XII, p. 278; SE, XII, p. 219; GW,VIII, p. 231).
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Vamos entender. O texto de Freud acima citado diferencia, de forma clara, os dois
processos (j comentados) que atuam no nosso funcionamento psquico, a saber: o processo
primrio, que surge, em primeiro lugar, caracterizando-se por ser incapaz de suportar a
ordenao dos desejos ou qualquer tipo de adiamento de satisfao, obedecendo ao
princpio do prazer; j o processo secundrio, este diz respeito ao desenvolvimento da
capacidade humana de pensamento, sendo, assim, o agente responsvel pela prudncia e
pelo adiamento proveitoso da satisfao, obedecendo ao princpio de realidade, ao menos
durante um perodo. Vamos observar o que Freud nos diz:
Assim foi introduzido um novo princpio na atividade psquica; j no se
apresenta o que agradvel e, sim, o real, mesmo que seja desagradvel.
Este estabelecimento do princpio de realidade mostrou ser um passo
momentoso.46
Instituiu-se, com efeito, uma atividade especial que, de tempos em tempos, tinha
que pesquisar o mundo l fora para reconhecimento dos dados. Freud, nesse momento,
ressalta o desenvolvimento das funes da ateno e da memria. De acordo com ele, as
novas exigncias teriam efetuado sucessivas transformaes no aparelho psquico, que no
teriam ficado muito claras. Acontece que a realidade externa mostra-se de forma bastante
significativa, elevando, assim, a importncia dos rgos sensoriais e a prpria conscincia a
eles ligada. As qualidades de prazer e desprazer deveriam ser acrescentadas funo da
ateno, assessorada por um sistema de notao, que teria que assentar os resultados da
atividade da conscincia numa parte que conhecemos como memria. Dessa forma, o lugar
46 Freud, Formulaciones sobre los dos princpios...,AE, XII, p. 224-225 (SB, XII, p. 279; SE, XII, p. 220;GW, VIII, p. 232).
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do recalque seria assumido por um julgamento imparcial, que teria que decidir sobre a
verdade ou falsidade de uma idia, isto , se tal idia condiz ou no com a realidade.
Vamos seguir o raciocnio de Marcuse e tentar elucidar essa passagem. Freud
descreve essa mudana como sendo a transformao do princpio de prazer em princpio
de realidade. Para Marcuse47, a interpretao do aparelho psquico, conforme esses dois
princpios, se mostra fundamental para a teoria freudiana, posto que permanece da mesma
maneira, mesmo com todas as modificaes a partir da concepo dualista das pulses.
Essa transformao corresponderia, em parte, distino entre processos inconscientes e
processos conscientes. Seria como se o indivduo existisse em duas dimenses distintas
marcadas por diferentes processos e princpios psquicos. Haveria, entre essas duas
dimenses, uma distino tanto de ordem histrico-gentica quanto estrutural, onde o
inconsciente, governado pelo princpio de prazer, compreenderia os mais arcaicos
processos primrios, restos de um momento de desenvolvimento em que eles foram as
nicas espcies de processos psquicos. Buscando a todo momento a obteno de prazer, a
atividade psquica acabaria por retrair-se, evitando qualquer operao que pudesse originar
sensaes de desprazer ou dor.
Contudo, acontece que o princpio de prazer, irrestrito, entra em conflito com o
mundo natural e humano, fazendo com que o indivduo alcance uma compreenso, mesmo
traumtica, de que uma gratificao total e sem sofrimento de suas necessidades mostra-se
impossvel. Seria, ento, aps essa experincia de decepo, que um novo princpio de
funcionamento psquico ganharia ascendncia e notoriedade. Assim, o princpio de
realidade superaria o princpio de prazer, na medida em que o homem aprenderia a
renunciar ao prazer efmero, incerto e destrutivo, substituindo-o pelo seu adiamento
47 Marcuse, Eros e Civilizao, p. 35.
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princpio que rege o nosso funcionamento psquico, trabalha como uma tendncia qual o
psiquismo adere, sendo que somente na aparncia que o princpio de realidade o suprime.
1.3 O prazer e seu mecanismo psquico
Faremos algumas consideraes sobre os conceitos de dor, pulso, prazer e
desprazer (no necessariamente nessa ordem), para que nos ajudem a melhor compreender
alguns aspectos da questo do prazer e o seu mecanismo psquico. Para Freud, ao contrrio
do que pensava a maioria dos filsofos da sua poca, a conscincia no era tida como
atributo fundamental dos processos psquicos; ela seria apenas uma das funes desses
processos, encarregando-se de perceber as excitaes que chegam do mundo externo e do
mundo interno, sendo as do mundo interno as sensaes de prazer e desprazer. Vale
lembrar novamente que, na concepo freudiana, o desprazer no significa necessariamente
dor, como nos fazem pensar, por exemplo, os textos platnicos, onde a dor sempre
correlata ao desprazer. A dor um fenmeno bastante conhecido, porm, na teoria
freudiana, ela possui uma especificidade conceitual que a faz existir num universo bastante
preciso, diferenciado do universo do desprazer.
A dor (Schmerz) aparece como sendo um dos primeiros dados da conceitualizao
freudiana, estando presente desde o j citado Projeto (1895). No item 6 da primeira parte
do Projeto, a dor50 definida como irrupo de grandes quantidades51 de energia no
50 Freud, Projeto de uma psicologia, in: Gabbi Jr., p. 186.51 Quanto aos sinais que indicam quantidade (Q e Qn) utilizados por Freud no Projeto..., cito Strachey:Cumpre acrescentar que o prprio Freud, em diversas ocasies, mostra-se incoerente no uso desses sinais,e com suma freqncia escreve a palavra Quantitt por extenso ou apenas abreviada. lgico que o leitorter que encontrar sua prpria soluo para este enigma; ns limitamo-nos a respeitar escrupulosamente omanuscrito, escrevendo Q, Qn ou quantidade. Strachey, James. Introduo do Editor Ingls, in:Freud, AE, I, p. 333 (SB, I, p. 395; SE, I, p. 291; no h paginao correspondente na edio da GW).
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idntica ao desprazer. Toda dor desprazvel, mas nem todo desprazer tem origem na
vivncia dolorosa, podendo decorrer do acmulo de quantidades endgenas.54
O problema seria, assim, localizar a origem da quantidade responsvel pelo
desprazer sentido na lembrana da vivncia ora dolorosa. Nesse sentido, a quantidade
somente poderia ter uma origem interna na medida em que a quantidade externa foi
eliminada aps a vivncia dolorosa. Chamamos ateno para o fato de que essa explicao,
um tanto quanto simplria em relao s fontes, logo encontrou dificuldades para sustentar-
se, no escapando a Freud este problema. Todavia, o modelo formal que o orientou em suas
consideraes posteriores sobre a dor continuou carregando a marca dessa primeira
elaborao.
No texto Introduo ao narcisismo (1914), Freud avalia a influncia da doena
orgnica sobre a distribuio da libido levando em conta a sugesto feita verbalmente por
Sndor Ferenczi, a saber: quando uma pessoa encontra-se atormentada por dor e mal-estar
orgnico, acaba por perder o interesse pelas coisas do mundo externo, na medida em que
tais coisas no dizem respeito ao seu sofrimento. Freud vai um pouco mais alm e observa
que a dor tambm retira o interesse libidinal de seus objetos amorosos. Traduzindo da
maneira mais simples possvel: enquanto o sujeito sofre, deixa de amar. Em termos de
teoria da libido, podemos dizer que o homem enfermo retira suas catexias libidinais (leia-se
investimento de energia) de volta para o seu prprio eu, colocando-as novamente para fora
ao recuperar-se. Diz Freud:
54 Gabby Jr.,Notas a projeto de uma psicologia, nota 104, p. 58.
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Libido e interesse do ego tm aqui o mesmo destino e se mostram mais
uma vez indistinguveis entre si. O notrio egosmo do enfermo abrange
os dois. Se achamos isso to trivial, porque estamos certos de que no
mesmo caso nos comportaramos do mesmo modo. A perda da
disposio para amar, por mais intensa que seja, em funo das
perturbaes corpreas, sua substituio repentina por uma indiferena
total, tem sido convenientemente aproveitada pelos escritores
humorsticos.55
Todavia, no texto A Represso (1915), Freud denomina a dor de pseudo-pulso.56
Com o intuito de propiciar uma melhor definio ao conceito de recalque, Freud sugere o
exame de algumas situaes pulsionais. Diz que pode acontecer que um estmulo externo
possa vir a ser internalizado, fazendo surgir uma nova fonte de excitao constante e de
aumento de tenso. Sendo assim, o estmulo vai adquirir uma semelhana de longo alcance
com uma pulso, sendo, por ns, experimentado como dor; a finalidade desta pseudo-
pulso consistiria, segundo Freud, na cessao da mudana do rgo e do desprazer que
lhe concomitante. Quanto aos seus propsitos, Freud achava que o caso da dor era
demasiadamente obscuro para lhe servir de apoio naquele momento. Nada da natureza do
recalque, nem sequer remotamente, parecia estar em questo.
Mas a partir de Alm do princpio de prazer(1920) que vamos poder pensar a
pulso como um impulso, inerente vida orgnica, que visa a restaurar um estado anterior
de coisas; a pulso seria uma espcie de elasticidade orgnica, quer dizer, (...) a
55 Freud, Introduccin del narcisismo (1914), AE, XIV, p. 79-80 (SB, XIV, p. 98-99; SE, XIV, p. 82; GW,X, p. 148).56 Freud, La represin (1915) AE, XIV, p. 141 (SB, XIV, p. 169; SE, XIV, p. 146; GW, X, p. 248).
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exteriorizao da inrcia na vida orgnica.57 Para Freud, essa viso das pulses nos
impressiona como estranha, visto que nos acostumamos a perceber nelas um fator que
impele, impulsiona a mudana e o desenvolvimento, ao mesmo tempo em que nos solicitam
o reconhecimento do exato oposto, ou seja, uma expresso da natureza conservadora da
substncia viva. Isso significa que o termo pulso aponta para um processo dinmico, que
tem a sua fonte numa excitao corporal que impele o organismo para uma meta com o fim
ltimo de suprimir o estado de tenso atravs de uma descarga excitatria.
No entanto, nada nos impede de pensar que os conceitos sejam criados com a
finalidade de constituir uma nova inteligibilidade; evidentemente, o conceito de pulso
no nasceu pronto, definido. Sua falta de transparncia, inicialmente, foi a marca da sua
novidade, quando comparado aos conceitos existentes. A construo de um conceito como
esse implicou idas e vindas, desvios, atalhos e o estabelecimento de diversos vnculos. E
tudo isso sem que Freud soubesse, ao certo, aonde chegaria. Esta, talvez, tenha sido a razo
pela qual, muitos anos depois de ter proposto o conceito de pulso j antecipado no
Projeto, quando Freud discorre acerca dos estmulos endgenos, que seriam seus
precursores58 -, ele tenha declarado que A doutrina das pulses a pea mais importante,
mas tambm a mais inconclusa, da teoria psicanaltica.59 Novas contribuies vieram
com os trabalhos posteriores, principalmente com Alm do princpio de prazer(1920) e O
ego e o id(1923)60.
57 Freud, Mas all del principio del placer, AE, XVIII, p. 36 (SB, XVIII, p. 54; SE, XVIII, p. 36; GW, XIII,p. 38).58 Freud, Projeto de uma psicologia, in: Gabbi Jr., p. 176.59 Freud, Tres ensayos de teora sexual, AE, VII, p. 153, n. 50, acrescentada em 1924 (SB, VII, p. 158, n. 1,idem; SE, VII, p. 153, n., idem; GW, V, p. 67, n., idem).60 Freud, El yo y el ello (1923), AE, XIX (SB, XIX, SE, XIX, GW, XIII).
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Vimos que a noo de pulso se encontra presente desde o Projeto. Teria sido, de
acordo com M Aparecida Montenegro61, atravs do termo Triebfelder, traduzido por mola
pulsional, que Freud teria designado o efeito provocado por estmulos endgenos
produzidos pela necessidade da vida. Lembra tambm a autora que essa noo aparece
como uma espcie de pressuposto necessrio na primeira edio dos Trs ensaios de teoria
sexual (1905), levando em conta que Freud havia dedicado esta obra s peculiaridades das
pulses sexuais. Entretanto, o primeiro momento em que essa teoria aparece de maneira
explcita somente aconteceria cinco anos depois do referido ensaio, num artigo chamado A
perturbao psicognica da viso segundo a psicanlise (1910), onde Freud diz o seguinte:
(...) constatamos que cada pulso busca impor-se animando as
representaes adequadas a sua meta. Essas pulses nem sempre so
conciliveis entre si; amide entram em conflito os seus interesses; e as
oposies entre as representaes no so seno a expresso das lutas
entre as pulses singulares. De particular valor para nosso ensaio
explicativo a inequvoca oposio entre as pulses que servem
sexualidade, ganncia de prazer sexual e aquelas outras que tm como
meta a autoconservao do indivduo as pulses egicas.62
Seria na trigsima-segunda conferncia das suas Novas conferncias introdutrias
sobre psicanlise [1933 (1932)] que Freud iria admitir que a teoria das pulses constituiria
61 Montenegro, M Aparecida. Pulso de morte e racionalidade no pensamento freudiano. Fortaleza: Ed.UFC, 2002, p. 227.62 Freud, La perturbacin psicgena de la visin segn el psicoanlisis (1910), AE, XI, p. 211 (SB, XI, p.199; SE, XI, p. 213; GW, VIII, p. 96).
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termo Trieb, reservandoInstinktpara designar os comportamentos animais. Vale ressaltar o
carter eminentemente parcial da pulso, marcado por uma fonte pulsional (oral, anal etc.) e
por um alvo (a resoluo de uma tenso interna), como sendo o elemento central de tal
concepo. Por meio da formulao da parcialidade da pulso, Freud indicou o erro
inerente ao fato de restringir-se sexualidade humana apenas o aspecto da reproduo.
Ainda no contexto da traduo, podemos asseverar que Trieb apresenta-se como
sendo um dos conceitos principais da psicanlise. O tradutor Paulo Csar de Souza observa,
no seu interessante livro As palavras de Freud65, que na traduo desse termo que as
edies inglesa e francesa divergem diametralmente, chegando mesmo a constituir duas
linhas tericas absolutamente distintas. Muitos crticos acham desastrosa a opo feita por
James Strachey (tradutor oficial da edio das obras de Freud em lngua inglesa), visto
que traduzir Trieb por instinctimplicaria numa inadmissvel biologizao da psicanlise.
A maioria dos crticos de lngua inglesa, segundo Souza, achava que drive seria uma
escolha mais sensata. Strachey rebate a crtica afirmando que a palavra drive no utilizada
na lngua inglesa e que os seus crticos se deixaram influenciar pela familiaridade dos
mesmos com a lngua alem, visto que Trieb e drive possuem a mesma origem. Entretanto,
vamos deixar essa questo para os especialistas e retomemos o nosso texto, onde,
evidentemente, continuaremos a utilizar a palavra pulso, ao invs de instinto.
Retornando questo da dor, vimos que ela experimentada quando um estmulo
externo internalizado, fazendo surgir uma nova fonte de excitao contnua e de aumento
de tenso. Dessa forma, o estmulo adquire uma notvel semelhana com uma pulso. A
meta desta pseudo-pulso seria, como vimos, a cessao da alterao do rgo (parte de
65 Souza, Paulo Csar de.As palavras de Freud. So Paulo: tica, 1999, p. 243-244.
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um corpo lesado, por exemplo) e do desprazer que lhe concomitante. Diz Freud: Outro
prazer, um prazer direto, no se pode ganhar com a cessao da dor. A dor tambm
imperativa; pode ser vencida exclusivamente pela ao de uma droga ou pela influncia de
uma distrao psquica.66Ou seja, estes seriam os nicos meios atravs dos quais a dor
poderia ceder. Na dor, de acordo com Freud, somente se tem em vista a sua cessao; j a
eliminao do desprazer sentida pelo sujeito como prazer.
Seguindo esse raciocnio, teremos como condio bsica para que ocorra a dor
fsica, a ruptura de um escudo protetor e o afluxo de excitao. Acontece que sempre
haver uma mobilizao de um outro conjunto de energia que o aparelho psquico tem sua
disposio, cuja finalidade opor-se energia invasora. A proteo contra essa energia
seria, ento, para os organismos vivos, uma funo to importante quanto a recepo dessa
mesma energia. Para que isso possa acontecer, o escudo protetor tem que ser munido com o
seu prprio estoque de energia, devendo esforar-se por preservar os seus modos
especficos de transformao dessa energia que nele opera, contra a ameaa de enormes
quantidades de estmulos vindos do mundo externo. Diz o autor vienense que a situao do
aparelho psquico, entre o interior e o exterior, alm da diferena entre as condies que
comandam a recepo de excitao nos dois casos (vindas do interior e do exterior), teria
um efeito decisivo sobre o funcionamento de todo aparelho psquico:
No sentido do exterior h uma proteo anti-estmulo, e as quantidades
de excitao incidem apenas em escala reduzida; no sentido do interior,
no possvel haver esse escudo, e as excitaes das camadas mais
66 Freud, La represin, AE, XIV, p. 141 (SB, XIV, p. 169; SE, XIV, p. 146; GW, X, p. 248).
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o princpio de prazer substitudo pelo princpio de realidade, que no abandona a inteno
fundamental de obter prazer, apenas exige e efetua o adiamento da satisfao, o abandono
de uma srie de possibilidades de obt-la, tolerando temporariamente o desprazer como
sendo uma etapa no longo e tortuoso percurso para o prazer. Todavia, o princpio de prazer
continua sendo, por muito tempo, o mtodo de funcionamento empregado pelas pulses
sexuais, estas bastante difceis de serem educadas, mas que, com freqncia, conseguem
vencer o princpio de realidade. Freud70 chega concluso de que a substituio do
princpio de prazer pelo princpio de realidade vai responsabilizar-se, apenas, por um
pequeno nmero das nossas experincias desagradveis.
Freud identificou o princpio de prazer-desprazer com o princpio de Nirvana
(supostamente idntico ao princpio de prazer), que estaria completamente a servio da
pulso de morte. Sua meta seria conduzir a inquietude da vida para o equilbrio do estado
anorgnico, tendo como funo estabelecer um alerta contra as exigncias das pulses de
vida (a libido), que procuram perturbar o ciclo pretendido pela vida. No texto O problema
econmico do masoquismo (1924)71, Freud nos diz que essa concepo no mais se
sustenta, que no pode mais ser considerada correta. J havia ele registrado o aumento e a
diminuio das quantidades de estmulo dentro de uma srie de sentimentos de tenso, no
se podendo mais duvidar, portanto, que existam tenses prazerosas e relaxamentos de
tenso desprazerosos; podemos tomar, como sendo o exemplo mais notvel de aumento
prazeroso de estmulo/tenso, o estado de excitao sexual.
70 Freud, Mas all del principio del placer, AE, XVIII, p. 10 (SB, XVIII, p. 21; SE, XVIII, p. 11; GW, XIII,p. 7).71 Freud, El problema econmico del masoquismo, AE, XIX, p. 165 (SB, XIX, p. 199; SE, XIX, p. 159;GW, XIII, p. 371).
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Contudo, prazer e desprazer no podem ser referidos simplesmente a um aumento
ou a uma diminuio de uma quantidade (tambm chamada tenso de estmulo), embora
muito tenham a ver com esse fator. Eles dependem tambm de uma outra caracterstica, que
s pode ser classificada de qualitativa e no apenas quantitativa: Estaramos muito mais
avanados em psicologia se pudssemos indicar esse carter qualitativo.72
Levando em conta a hiptese freudiana, o princpio do Nirvana, pertencente
pulso de morte, experimentou no ser vivo uma modificao atravs da qual se tornou
princpio de prazer. Apesar do princpio do Nirvana apresentar-se como tendncia que
encontra expresso no princpio de prazer, deveramos evitar encarar os dois princpios
como sendo um s. Podemos pensar que a modificao experimentada pelos seres vivos ao
longo dos tempos deu-se atravs da fora que tem a pulso de vida (a libido) que, desse
modo, conquistou um lugar ao lado da pulso de morte, na regulagem dos processos vitais.
Observemos, ento, uma pequena porm interessante srie de vinculaes: o
princpio de Nirvana expressa a tendncia da pulso de morte; o princpio de prazer
representa as exigncias da libido; sua modificao, o princpio de realidade, representa a
influncia do mundo exterior. Entretanto, nenhum desses trs princpios colocado fora de
ao pelo outro. Geralmente, conseguem entrar em acordo, embora em algumas ocasies
seja inevitvel um conflito, uma vez que objetivos distintos so estabelecidos para cada um.
Vale salientar, novamente, o que disse Monzani a respeito da lio que Freud nos
ensinou: (...) no perseguimos o prazer, fugimos do desprazer. O desprazer o grande
motor que aciona e desenvolve o aparelho psquico(...)73. Sem recusar, claro, o ttulo de
72 Freud, El problema econmico del masoquismo, AE, XIX, p. 166 (SB, XIX, p. 200; SE, XIX, p. 160;GW, XIII, p. 372).73 Monzani, Freud, o movimento de um pensamento, p. 190.
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guardio da vida ao princpio de prazer. Freud, por sua vez, percebe uma dimenso do
prazer que inassimilvel dentro dos seus quadros tericos, chegando concluso que, por
mais voltas que se d, (...) sempre essa estranha aliana entre o prazer e a negatividade
que acabamos por encontrar.74
1.4 O mecanismo do prazer no Witz
Para Freud75, a tcnica e o propsito dos chistes seriam, no fundo, as suas duas
fontes de prazer. O importante, todavia, seria descrever o modo pelo qual o prazer procede
de tais fontes, ressaltando o mecanismo do efeito de prazer nos chistes. tomando como
exemplo os chistes tendenciosos que Freud inicia sua explicao. Nestes casos, o prazer
seria o resultado da satisfao de um propsito que, de outra maneira, no poderia ser
levado a efeito. Vejamos o exemplo fornecido pelo prprio Freud:
Um Serenssimo fazia uma viagem pelas suas provncias, e entre a
multido repara um homem bastante parecido com a sua prpria nobre
pessoa. Chama-o para perguntar-lhe: Sua me esteve alguma vez
servio do palcio? No, Alteza respondeu o homem ; foi meu
pai.76
Nesse caso, ope-se satisfao do propsito um obstculo externo que
contornado pelo chiste (a resposta dada pelo homem em meio multido); o propsito seria
74Op. cit., p. 218.75 Freud, El chiste, AE, VIII, p. 113 (SB, VIII, p. 139; SE, VIII, p. 117; GW, VI, p. 131).76 Freud, El chiste, AE, VIII, p. 66 (SB, VIII, p. 86; SE, VIII, p. 69; GW, VI, p. 73).
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o de responder a um insulto com outro. Explica Freud que os fatores opostos ao propsito
so puramente externos no caso, a posio de poder, a quem os insultos dirigiam-se. O
que surpreende, porm, que esses, alm de outros chistes anlogos, embora possam nos
satisfazer, no so capazes de provocar um forte efeito de riso.
De outra maneira, quando o fator que se antepe realizao direta do propsito
no um obstculo externo, e sim, interno, porque esse impulso interno contrape-se ao
propsito. No referido caso, com o auxlio de um chiste, a resistncia interna acaba sendo
vencida e a inibio, suspensa. Como no caso do obstculo externo, a satisfao do
propsito possibilitada, evitando-se a supresso77
e o conseqente acmulo de tenso que
esta envolveria. At aqui, o mecanismo de desenvolvimento do prazer seria o mesmo para
ambos os casos, embora Freud suspeitasse que, ao remover-se um obstculo interno, o
ganho de prazer fosse um pouco maior: Os casos de obstculo externo e interno s
distinguem-se quando, no ltimo, seja suspensa uma inibio preexistente, e no outro evite-
se o estabelecimento de uma nova.78Percebemos, assim, que nos dois casos de emprego
do chiste tendencioso possvel obter-se prazer, sendo natural supor que esse ganho de
prazer corresponda despesa psquica que economizada.
Para que possamos tentar uma aproximao maior com a natureza essencial dos
chistes, busquemos entender o que pode vir a ser essa economia da despesa psquica,
mesmo que de uma forma um tanto quanto breve. Notemos como as crianas, acostumadas
a lidar com as palavras como coisas, possuem uma tendncia a esperar que palavras iguais
ou parecidas possuam o mesmo sentido (fonte de equvocos que muitas vezes provoca o
77 Dentre as vrias formas de supresso interna (ou inibio) temos a represso como sendo a maisabrangente de todas. A represso reconhecida por sua funo de impedir que os impulsos sujeitos inibio e seus derivados tornem-se conscientes. Ver Freud, El chiste, AE, VIII, p. 128-9 (SB, VIII, p.157; SE, VIII, p. 134; GW, VI, p. 150).78 Freud, El chiste, AE, VIII, p. 114 (SB, VIII, p. 140; SE, VIII, p. 118; GW, VI, p. 132).
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riso do adulto). Se extrairmos alguma satisfao dos chistes ao remetermo-nos de um
crculo de idias para outro, por vezes remoto, por meio da utilizao de palavras idnticas
ou parecidas, esta satisfao deve, certamente, ser atribuda economia na despesa
psquica. Para Freud, o prazer resultante de um chiste que emerge de um tal curto circuito
parece ser maior na medida em que os dois crculos de idias, conectados pela mesma
palavra, sejam diferentes: (...).quanto mais distante estiverem, maior ser a economia que o
mtodo tcnico do chiste fornecer ao curso do pensamento.79Nota-se aqui que o mtodo
de conexo das coisas utilizado pelos chistes especialmente evitado e rejeitado pelo
pensamento considerado srio.
Freud chama ateno para o fato de que a economia na despesa, que diz respeito
inibio ou supresso, parece ser o segredo do efeito de prazer nos chistes tendenciosos,
tambm transmitidos ao mecanismo dos chistes inocentes. A concluso a que ele chega
que as prprias tcnicas dos chistes constituem fontes de prazer que provavelmente nos
remetem economia da despesa psquica. Embora estejamos, no momento, a nos referir
especificamente aos chistes verbais (Wortwitze), recordamos que as duas fontes de prazer
dos chistes, tanto verbais quanto conceituais (Gedankenwitze), encontram-se nos seus
propsitos e nas suas tcnicas.
Como vimos, Freud fora levado a concluir que as prprias tcnicas dos chistes
constituem fontes de prazer. Supondo esta produo de prazer anloga despesa psquica
que economizada, haver sempre um ganho de prazer quando se produz um chiste, seja
ele verbal ou conceitual, prazer este atribudo acertadamente referida economia: (...) no
nos podem impedir que derivemos o prazer ora sentido da economia da despesa psquica,
79 Freud, El chiste, AE, VIII, p. 116 (SB, VIII, p. 142; SE, VIII, p. 120; GW, VI, p. 135).
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desde que esse ponto de vista demonstre ser frutfero para o esclarecimento de detalhes e
para obter novas generalizaes.80
Podemos, ento, afirmar que o prazer de um chiste vai sempre emergir de um
curto-circuito que normalmente se d quando diferentes pensamentos ou palavras so
conectados entre si, criando-se um abismo entre eles, devido a uma aparente falta de
sentido. Quanto maior for o abismo, maior ser a economia que o mtodo tcnico do chiste
fornecer ao curso do pensamento. Tentaremos ser mais claros abordando os chistes
sofsticos ou conceituais, uma vez que, nestes casos, torna-se particularmente mais
fcil fazer-se entender a teoria da economia ou do alvio da despesa psquica, tendo como
base as principais tcnicas utilizadas pelos mesmos. Freud as denomina: raciocnio falho,
deslocamento, absurdo e representao pelo oposto.
Freud no tinha dvidas de que fosse mais fcil e mais conveniente divergir de uma
linha de pensamento empreendida do que mant-la, tanto quanto confundir coisas diferentes
do que contrast-las. O que a tcnica de tais chistes faz , justamente, admitir como vlidos
os mtodos de inferncia (que so rejeitados pela lgica formal), agrupando palavras ou
pensamentos sem respeitar a condio de que faam sentido. Contudo, provoca-nos
estranheza que um tal procedimento fornea ao chiste uma fonte de prazer, haja vista que
somente no caso dos chistes, qualquer funcionamento intelectual deficiente pode nos fazer
experimentar desagradveis sentimentos defensivos.
Esse prazer ao qual fazemos referncia, que Freud designa como prazer no nonsense
(no-sentido), encoberto na vida a srio at o seu desaparecimento. Para demonstr-lo,
pensemos, por exemplo, no comportamento de uma criana durante a fase de aprendizagem
80 Freud, El chiste, AE, VIII, p. 119 (SB, VIII, p. 147; SE, VIII, p. 124; GW, VI, p. 139).
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esto aprendendo a utilizar as palavras e a elaborar pensamentos, motivados por certos
efeitos gratificantes de economia, seria, ento, o primeiro estgio dos chistes. Passado
algum tempo, O fortalecimento de um fator que merece ser designado como crtica ou
racionalidade pe fim a esse jogo. Agora este desprezado por carecer de sentido ou por
ser um absurdo; torna-se impossvel em conseqncia da crtica.82
Toda a engenhosidade da elaborao do chiste trazida tona para que as
combinaes sem sentido de palavras ou as absurdas reunies de pensamentos devam ter
um sentido. Deve-se, portanto, prolongar o prazer que resulta do jogo, silenciando as
objees levantadas pela crtica, para que possa emergir um sentimento gratificante. O que
fora descrito como tcnica dos chistes so, nada mais nada menos, as fontes a partir das
quais os chistes fornecem prazer. A tcnica peculiar e exclusiva deles consiste, todavia,
num procedimento para assegurar o emprego de recursos que produzam prazer contra o
veto da crtica, crtica esta que anularia o prazer. Como disse Freud, o trabalho do chiste
revela-se a partir da seleo de um material verbal e de situaes conceituais tais que o
antigo jogo com palavras e pensamentos possa passar no exame da crtica: (...) e para este
fim exploram-se com a mxima habilidade todas as peculiaridades do vocabulrio e todas
as combinaes de seqncias de pensamento.83
Contudo, o propsito e a funo dos chistes, isto , a proteo em relao crtica
dessas seqncias de palavras e pensamentos podem ser percebidos nos gracejos (que, de
certa forma, podem ser considerados como um estgio preliminar dos chistes) como trao
principal destes. Desde logo sua funo consistir em suspender as inibies internas e
reabrir fontes de prazer que haviam sido tornadas inacessveis por tais inibies. Em
82 Freud, El chiste, AE, VIII, p. 123-4 (SB, VIII, p. 151; SE, VIII, p. 128; GW, VI, p. 144).83 Freud, El chiste, AE, VIII, p. 125 (SB, VIII, p. 153; SE, VIII, p. 130; GW, VI, p. 146).
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relao aos gracejos, estes visam, geralmente, proporcionar prazer, sendo que, para que isto
ocorra, basta que seu enunciado no seja um nonsense nem aparea completamente
insustentvel, quer dizer, esvaziado de substncia. Quando esse enunciado possui valor e
substncia, o gracejo transforma-se em chiste. Estritamente falando, somente os gracejos
no so tendenciosos, ou seja, servem exclusivamente ao propsito de produzir prazer84.
Quanto ao poder dos chistes, este consistir justamente na produo de prazer
extrado das fontes do jogo com palavras e pensamentos, e do nonsense, liberado a partir
dos jogos com o pensamento. A razo, o juzo crtico e a represso seriam as foras contra
as quais, sucessivamente, luta-se para a obteno de prazer. E quanto ao prazer produzido,
seja prazer no jogo ou na suspenso das inibies: (...) em todos os casos podemos deriv-
lo da economia da despesa psquica, sempre que esta concepo no contradiga a essncia
do prazer e demonstre-se fecunda tambm em outros aspectos.85
84 Freud, El chiste, AE, VIII, p. 127 (SB, VIII, p. 155; SE, VIII, p. 132; GW, VI, p. 148).85 Freud, El chiste,AE, VIII, p. 132 (SB, VIII, p. 161; SE, VIII, p. 167; GW, VI, p. 191).
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Captulo 2
O significante lacaniano e suas relaes com o Witz freudiano
Aps um percurso permeado de articulaes acerca do conceito de prazer na obra
de Freud e, conseqentemente, com a percepo da sua importncia no que diz respeito,
dentre outras coisas, economia psquica do sujeito, vamos, neste captulo, buscar
compreender a dimenso do conceito de significante na teoria de Lacan e a sua
articulao com o Witz freudiano, tomado, do ponto de vista do psicanalista francs, como
modelo maior de toda formao do inconsciente. Gostaramos de deixar claro que no
temos a pretenso, de forma alguma, de exaurir a questo do significante lacaniano, mas,
sim, de trazer tona alguns aspectos que nos possibilitem uma melhor compreenso sobre
o significante e suas relaes com o Witz.
Como se pode n
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