Machado, Lourival Gomes 1969,2003 Barroco Mineiro (Ocr)

440
l elates e ates e ates arte lourival gomes machado BARROCO MINEIRO EDITORA PERSPECTIVA

Transcript of Machado, Lourival Gomes 1969,2003 Barroco Mineiro (Ocr)

  • lelatese atese ates arte

    lourival gomesmachado

    BARROCO MINEIRO

    ~\\II~~ ~ EDITORA PERSPECTIVA

    ~\~

    SGSchreibmaschinentext

    SGSchreibmaschinentextErstverffentlichung: 1969

  • Prximo lanumentoKafka: Pr e ContraGnther Anders

    A primeira grande cristnlizao artsticl de uma autntica cultura brasi-leira encontrou em Lourival Gomes l\llchado um de seus melhores intr-pretes modernos. Crtico em hUSC3 da razo esttica e da C3usa socialsubjlcentcs :1 manifcstl~~o estilstica, mas tambm apreciador encantadocom as sugestes sensh'cis d:l obra de arte, soube dimensionar no BarrocoMineiro:l especialidade original, procedendo a uma verdadcira "reconquis-ta" de sua atualidade artsticn e poder de atuao cultural.

    debates

  • Coleo DebatesDirigida por J. Guinsburg

    Equipe de Realizao - Reviso: Geraldo Gerson de Souza; Lay-out:Lcio Gomes Machado; Produo: Ricardo W. Neves. Hcda Maria Lopese Raquel Fernandes Abranchcs.

  • lourival gomes machadoBARROCO MINEIRO

    A presc!1woRODRIGO M. F. DE ANDRADE.

    J/ltraduo I! orgLlllizaoFRANCISCO lGLSIAS

    F%RrafiasBENEDITO LIMA DE TOLELIO

    ~\\I/~~ ~ EDITORA PERSPECTIVA~I\\~

  • 4" edifto - I" reimpressoISBN - 85-273-0359-0

    Direitos reservados ilEDITORA. PERSPECTIVA S.A.Av. Brigadeiro Lus Antnio, 302501401-000 - So Paulo - SP - BrasilTelefax: (0-- 11) 3885-8388www.editoraperspectiva.com.br2003

  • SUMARIO

    Nota do Editor 9Apresentao 13Lourival Gomes Machado e o Barroco Mineiro 17

    ENSAIOS

    Teorias do Barroco ... _. _. . . . . . . . . . . . . 29O Barroco e o Absolutismo 79O Barroco em Minas Gerais 151Viagem a Ouro Preto 177Os Plpitos de So Frarlcisco de Ouro - Influ-

    ncia de Lorenzo Ghiberti na obra de An-tnio Francisco Lisboa . . . . . . . . . . . . .. 223

    O Medalho das Mercs 257

    7

  • A Arte do Sallturio de COl/gonhas - A Igreja,o Adro, os Passos . . . . . . . . 285

    Reconquista de Congonhas _.. __ . . . . . . . . . .. 301Arquitetura e Artes Plsticas 361

    ARTIGOS

    o que o A leijadinho no fez 387"Muito Longe da Perfeio" ........... 397"Alguma Imperfeio" .. _. . . . . . 403Um livro f! doze profetas 409Anatomia e crtica _. _. . . . . . 417Nova e exata crnica do Santurio de Cal/ganhas 429

    Cronologia do AutorBibliografia do Autor

    8

    435437

  • NOTA DO EDITOR

    A primeira grande cristalizao artstica de umaautntica cultura brasileira encontrou em. LourivalGomes Machado um de seus melhores int~rpretes mo-dernos. Crtico em busca da razo esttica e da causasocial subjacentes manifestao estilstica, mas tam-bm apreciador encantado com as sugestes sensveisda obra de arte, soube dimensionar no Barroco Minei-ro a sua especificidade original, procedendo a uma ver-dadeira "reconquista" de sua atualidade artstica e po-der de atuao cultural. Por isso vemos na presenteedio de ensaios e artigos que escreveu sobre o assun-to, menos uma homenagem que se presta a uma figura

    9

  • de homem que certamente merece o nosso preito, doque um. 'servio que se rende ao leitor interessado nosproblemas e na histria da expresso intelectual e ar-tstica do Brasil. P! outro lado, pondo a seu alcance,no contexto de "Debates", o universo de significaese valores do Barroco Mineiro cIticamente repensadopor um esprito aberto e moderno, reabre-se, em outronvel verdade, a discusso de Lourival Gomes Ma-chado com o seu tempo. E justamente por saber quenada o sensibilizaria mais do que este dilogo "con-temporneo" que Maria de Lourdes Santos Machadoaceitou a sugesto de Haroldo de Campos, confiandoa publicao a uma coleo como esta, dirigida inte-ligncia brasileira. S temos a agradecer-lhe por istoe pela cooperao que nos deu no curso dos trabalhoseditoriais, assim como devemos estender nosso reco-nhecimento Editora da Universidade de So Paulopelo amparo que nos concedeu. Graas a um tal con-juno de fatores, pudemos realizar um lanamentoque muito nos honra tambm por um motivo pessoal,pois expressa a admirao que dedicamos larguezade vistas e compreenso dcspreconcebida e verda-deiramente democrtica de Lourival Gomes Machado.

    10

  • Todos os que colaborarampara a edio deste livro

    prestam sua sentida homenagema

    RODRIGO MELLO FRANCO DE ANDRADE

  • APRESENTAO

    A gravidade da perda que o Pas sofreu com amorte de Lourival Gomes Machado reclamava. paraatenu-la, a iniciativa da seleo e publicao, em for-ma duradoura de livro, dos trabalhos de sua autoriaimpressos em peridiCos, ao longo de vrios anos.Homem de ao, dotado de notvel esprito pblico, eleescreveu quase sempre com obje.tivo de exercer influn-cia imediata no meio a que se destinava sua produo.Mas como possua muito mais aptides de historiadorde idias e crtico da evoluo das artes, do que dejornalista, tem-se a impresso de que a obra deixadapor ele, esparsa, se prestar espontaneamente orde-

    13

  • nao adequada, como se fora composlao genunanesse sentido, com a unidade desejvel num livro.

    Entretanto, ainda mesmo com a feio jornalsticae fragmentria que adotara para a publicao de seustrabalhos, Lourival no tinha podido abordar diversasquestes que pretendia investigar de perto, nem desen-volver as que haviam sido j por ele consideradas, poispassou os ltimos anos da vida absorvido por encargosadministrativos. Com efeito, principiara por aceitar adireo executiva do Museu de Arte Moderna de SoPaulo, assim como a de exposies exaustivas como aBienal e a do Barroco brasileiro. Em seguida, foi dire-tor da Faculdade de Arquitetura da Universidade deSo Paulo. Por fim, dirigia o Departamento de As-suntos Culturais da UNESCO, alta funo em cujoexerccio sucumbiu. Sacrificou, portanto, em proveitodesses encargos, a produo que, durante extenso pe-rodo, poderia ter realizado no setor dos estudos desua predileo. Sem a labuta agitada e as preocupa-es decorrentes de tais tarefas administrativas, eleteria certamente compatibilizado, como compatibiliza-va dantes, os deveres da ctedra universitria, queobtivera mediante concurso, com o prosseguimento dostrabalhos sobre as matrias a que vinha dedicandomaior ateno. Talvez, no decurso desse tempo, tives-se elaborado rpais de um livro acerca de problemascapitais de arte brasileira.

    Sem embargo do que sucedeu e embora tenhamossido frustrados, por fora das circunstncias infaustas,dos trabalhos de mbito mais largo que Lourival GomesMachado deveria realizar, a profuso e a qualidade dosque ele produziu e ficaram impressos em peridicos porcerto nos proporcionaro coletneas preciosas dasobservaes e conceitos do emrito professor paulista.

    O interesse especial com que ele estudou as ocor-rncias da cultura em Minas Gerais e a admirvel acui-dade com que escreveu a seu respeito justificam sem amnima dvida a publicao de um volume parte,contendo os trabalhos de Lourival nesse domnio. Fa-vorecido pela solicitude do concurso da Exma. Vivado autor, Senhora Maria de Lourdes Santos Machado,o Professor Francisco Iglsias estava habilitado melhorque ning.um a assumir semelhante incumbncia. O

    14

  • valor da produo de Lourival Gomes Machado sobretemas mineiros poder, portanto. ser agora devida-mente apreciada em seu conjunto. Conjunto que no, certamente, por motivo da perda do escritor na ple-nitude de sua pujana intelectual, o que ele teria dese-

    o jado deixar como fruto de seus estudos e reflexesrelacionados com as coisas de Minas. Mas que repre-senta, no obstante, subsdio de qualidade excepcional.

    Entre os textos apresentados, um h que parecemerecer meno particular. Trata-se do ensaio intitu-lado Os plpitos de So Francisco de Assis de OuroPreto - Influ/lcia de Lorenzo Ghiberti /la obra deAntonio Francisco Lisboa. Estudo que, juntamentecom o de Lcio Costa a propsito da ornamentao dofrontispcio da igreja de So Francisco de Assis em SoJoo dei Rei, constitui uma das nicas contribuiesconsistentes e importantes publicadas at agora, visando exegese das composies de escultura do Aleijadinho.

    A vasta erudio de Lourival no lhe bastaria, elaapenas, para habilit-lo a proceder elucidao capitalfeita no referido estudo. Muito mais que a erudio,foram sua sensibilidade e sua aptido extraordinria decrtico de arte que o puseram no rumo certo. Emverdade, como acentua o Professor W. G. Constable,no ensaio Art History and Connoisseurslzip.

    "A work of arl is not merely Qn assemblage ofparis; its essellce lies in tlle ordered relation of tlloseparts. Tlze first impact of a work of art on lhe specra-lor, before he has become occupied with detail. is Dfthe greatest value for enabling this relation or systemof relations to be grasped. How much this first im-pression will yield depends OI! the experience, theknowledge and sellsibility of lhe spectator; and fi maybe profoundly modified. Rut received as it is wllenmind and eye are comparalfvely inn.ocenl, it lias a uni-que value, and often yields information and enlighten-menl of a kind IJO! easily lo be acquired Iater."

    No sei se o caro amigo Lourival Gomes Machadoter do ocasio de ler esse texto, extrado de um pe-

    15

  • queno volume publicado em Cambridge, em J938. Su-ponho, no entanto, que ele concordaria com a lembranade serem citadas as consideraes feitas naqueles termospelo professor britnico, a propsito do ensaio dedicadoaos plpitos da igreja franciscana de Ouro Preto.

    RODRtGO M. F. DE ANDRADERio de Janeiro, 1968

    J6

  • LOURIVAL GOMES MACHADOE O BARROCO MINEIRO

    Publica-se em volume, pela primeira vez, o princi-pal que Lourival Gomes Machado produziu em tomode assuntos ligados arte de Minas Gerais. Encon-tram-se aqui livros que foram editados em pequenastiragens, de difcil divulgao; estudos aparecidos emrevistas, dos quais s vezes se tiraram separatas, demais difcil acesso; ensaios que eram captulos de obrasde vrios autores e que no haviam ainda aparecido aolado de outros trabalhos do prprio autor; artigos dejornais, nunca editados em livro, de modo que estavamperdidos para o leitor de hoje Escritos sobre diversos

    17

  • assuntos, em diferentes momentos e lugares, conservam,no entanto, a unidade, que dada pelo fato de quetodos se referem s artes plsticas produzidas em certarea.

    A atividade intelectual de Lourival Gomes Macha-do estendeu-se por longos anos e dividiu-se por muitostemas. Cientista social, produziu obras importantes,notadamente no campo da poltica e no da histria dasidias; crtico de arte. teve colunas permanentes emjornais, fez conferncias, organizou exposies,.. f~zapresentao de artistas, foi professor, ~undou e dlTl1?1Umuseus, foi o principal realizador da Bienal que pr~Je.tou So Paulo no campo das artes em escala mundial,ocupou cargo de relevo na UNESCO, ligado tarefaartstica que o preocupava. Nesse ngulo de interesse,parece-nos legtimo dizer que sua paixo particular maisconstante e profunda foi a arte que se produziu emMinas, principalmente a que se ligou ao chamado ciclodo ouro. A ela dedicou atenes especiais, escrevendoartigos, ensaios e livros, fazendo conferncias, desper-tando as atenes. do pblico e do mundo oficial. Comotodo esse esforo no teve uma organizao pelo pr-prio autor - por modstia, solicitao de outras tarefasou pela morte prematura -, era preciso que algum seincumbisse de reunir o que fz, para mais segura con-servao de tal atividade que se incorpora, em lugar derelvo e. definitivo, preservao do patrimnio arts-tico nacional.

    f: possvel que o estudioso, que estava empolgadoem importantes trabalhos no exterior, momentaneamen-te desligado do cultivo da arte de Minas, voltasse a seutema preferido, quando de regresso ao Brasil e s ativi-dades normais. Retomando contato com o assunto,com a perspectiva enriquecida pelo labor de alguns anosna Europa, seguramente poderia organizar melhor osseus estudos anteriores, ou mesmo refaz-los, com ama-durecimento maior. A morte impediu essa realizaoe privou o pas de um de seus valores mais destacados.

    Professor de Cincia Poltica da Faculdade de Fi-losofia da Universidade de So Paulo e crtico de artesplsticas, Lourival Gomes Machado deixou obras importantes nesses campos. Sua slida formao emcinci.3 social valeu-lhe a conquista de uma ctedra, masacredItamos no estivesse a seu maior interesse, tanto

    18

  • que se dedicou bem mais a outro trabalho. Muito tersignificado, nessa atividade de crtico e historiador dearte, ou de professor de curso de urbanismo. a forma-o de cientista social, que lhe permitiu mais larguezade vistas, capacidade interpretativa, poder de captar Osentido das obras no quadro amplo em que se inseriam.Sua superioridade estava exatamente nesse domnio deinstrumentos analticos e modelos de compreenso, quelhe permitiam ultrapassar o simples plano descritivo emque quase sempre permanecem os que se dedicam a taisestudos no Brasil. Dividido entre as duas preocupaes,na ebborao de artigos de crtica de jornal e de livros,bem como no ensino, nas Faculdades de Filosofia e deArquitetura, no realizou a obra de sntese que tinhaqualificao para realizar e pela qual todos esperavam.Demais, indo ocupar h alguns anos posto de relevona Europa, teve que suspender a atividade no plano na-cional: se certo que passou a realiz-Ia em meio maisamplo, as ~esponsabilidades que tinha e as tarefas docargo no lhe deram tempo para prosseguir os estudosna perspectiva brasileira. E a morte corta uma carreirafecullJa e de nvel raro entre ns.

    S~ no realizou o que podia e o que se desejava,o qlle fez j suficiente para que tenha lugar significa-tivo. No e nosso propsito nesta Introduo dar ba-lano de sua obra, mas tratar de aspecto particular dequanto fez, que exatamente o que se encontra no pre-sen(e volume. Queremos assinalar a contribuio deLourival Gomes Machado aos estudos mineiros e advida que Minas .(em relativamente a ele. Parece-nospossvel afirmar que seus trabalhos - artigos, ensaios,confert'ncias, cursos, livros - recolocaram Minas eSU~lS produes como problema de exame constante.Lcido e inquieto, conheceu quanto se havia escritosobre a questo; visitou as cidades histricas inmerasvezes, a detendo-se por muito tempo; no era- o via-jante apressado ou o que buscava a nota extica parao sensacionalismo jornalstico, mas o estudioso queamava os seus assuntos e se detinha na anlise, tentandodevassar-lhe os segredos. A extensa erudio em artesplsticas, o muito que havia estudado nos livros, bemcomo o que havia visto, tudo o capacitava para or.ser-vador excepcional. Sabia ver o que escapava mesmoaos observadores argutos. Demais, a cincia social, que

    19

  • conhecia bem e que em geral os crticos de arte no conhecem, era mais um elemento a enriquecer-lhe a vis"o.Da a superioridade de quanto escre~eu, sem ficar noarrolamento ou na de!lcrio ou busca do pormenor:podia traar quadros amplos, em que a obra de arteaparece como parte do contexto maior, que ela expri-me e que ele em parte explica; no via a unidade emum ou outro aspecto, mas captava-lhe o sentido pleno.Como alm da metodologia adequada era homem deinteligncia superior~ podia discutir as vrias interpre-taes .apresentadas e dar a prpria, verdadeiro mes-tre no levantamento de hipteses e na apresentao daproblemtica da matria considerada. Deu assim aosestudos mineiros no s contribuies importantes comoabriu caminhos, sugeriu trabalhos a serem feitos, comhipteses e questes a serem investigadas ou testadas,no exerccio de atividade em que se distinguia pelolabor, lucidez, sensibilidade, imaginao criadora.

    Lourival Gomes Machado. da gerao posterior ao1l1odernismo, compreendeu bem a renovao intelectualI)perada pelo movimento, herdando-lhe os problemas e

    ~sclarecendo muitos deles. Ilustra de maneira admir-vel aquele am!;eio renovador da inteligncia brasileira,que, mais do que polmico ou destruidor, foi eminente-mente construtivo. Os modernistas e os seus herdeiros. que detiveram, seno o monoplio, pelo menos o pio-neirismo da defesa do que tpico da nadonalidade,

    "descobrindo valores pouco sabidos; fizeram um redes-cobrimento do Brasil, em seus produtos eruditos oupopulares, muitos dos quais apontaram pela primeiravez. Entre eles, por exemplo, est o passado artsticodo pas; um"a pintura, uma escultura, uma arquitetura,sem falar na msica. A Semana de Arte Moderna, rea-lizada no primeiro centenrio da Independncia, comoque colocava o Brasil diante de si mesmo, impondo-secomo tema de anlise e crtica. Desse exame de cons-cincia resultou a busca da autenticidade prpria e oencontro de um passado precioso que se desconhecia.

    E curioso observar que o crtico, de uma geraoque sucedeu o grupo que dirigiu o modernismo, ao qualela se ligou com carinho, mas com independncia ecaractersticas prprias, comeasse com o livro Retratoda ~rte Moderna do Brasil, s depois passando a investlgar as (armas antigas. Mrio de Andrade j tinha

    20

  • as mesmas preocupaes, dedicando-lhes ensaios, artI-gos c campanha~. como se sabe. A atividade de Lou-rival Gomes l'vlachado inscrc-sc', pois, na melhor tradi-o. ainda que reccnte. Scu trabalho pde ter maisxito. preparado que foi por alguns antecessores e pelanova mcntalidl3uc. que leva , organizao da Diretoriatio Patrimnio Histrico C Artstico Nacional, que sem-pre realizou consciente esforo de pesquisa e ordena-mento de c~tudos, ao lado do aspecto prtico de con-servao c rcstaura;io de obras. Seu grupo contavacom o auxlio desses antecedcr.tcs, com a mentalidadede pesquisa e teorizao quc as Faculdades de Filosofiaconstruram. de mouo qu(,' tinha mais recursos e tambmmais :Jevercs. Era () I.:nflquecimento da inteligncianacional, mais aparelhada c objetiva, sem as improvisa-es e o impressionismo anteriores.

    Acreditamos que nesse quadro renovador, que po-deramos datar da dcada dos quarenta, o nome quemais se distinguiu, na crtica e histria das artes plsti-cas, tenha sido o de Lourival Gomes Machado. Comosuas atenes se voltaram preferentemente para Minas,ele veio a ser o principal renovador e incentivador dosestudos nessa rea. Paulista, sempre foi atrado pelasGerais. J no livro RelralO da Arle Moderna do Brasil,escrito em J945 e publicado em 1948, anterior ao cul-tivo de temas mineiros, falava "dessa Provncia miste-riosa" (p. 44) I, em linguagem que traa seduo eamor. E Minas passa a ser o seu interesse dominante.Em 1948 reaiJzaria a primeira explorao do assunto,em viagem de algum tempo a Ouro Preto) quando se iade trem, em expedio de muitas horas (quem escreveesta nota introdutria teve a ventura de acompanh-lo e emocionado que o recorda). De volta, escreveu algunsarligos em O Estado de S. Paulo, em agosto, setembroe outubro, reunidos depois em edio de revista, daqual se fez separata (Viagem a Ouro Preto. So Paulo,Revista do Arquivo, N exXIV, 1949). Apresentouquanto vira como "simples registro de observaes pes-soais como foram aproveitadas guisa de materialpreparatrio num trabalho terico sobre o absolutismoe o barroco" Cp. 7). Embora obra eminentemente des-critiva, h a muita observao interessante, como o

    I. A numerao das pginas aqui E, a da primeira edio d3.~ ('Ihr:l~.

    21

  • captulo .sobre a feio da terra, "verdadeira introduoao carter geral do barroco mineiro" Cp. 9), o que repetido alm com a observao de que, "na verdade,a topografia da zona do ouro ofereceu-se monumentale barroca" (p. 16) ou de que, quanto a Ouro Preto, "acidade j nasceu barroca" (p. 17), alm de captulossobre matrizes e altares, problemas da sociedade da mi-nerao, o Aleijadinho.

    Pouco depois, srie de onze artigos publicada nomesmo jornal, sob o ttulo de O barroco e o absolutis-mo, de 13 de abril a 30 de junho de 1949. Procurava-sereali-zar o plano anunciado na nota introdutria, j cita-da. Uniam-se a seus dois interesses - o cientistapoltico c o crtico de artes. Parece-nos que a matriano foi publicada em conjunto, em revista ou livro, oque lstima, pois alto o seu interesse. Um dosartigos mais curiosos da srie o sexto, publicado em20 de maio de 1949, com o ttulo Originalidade da artemineira. Escreve-se a: "por enquanto, bastar-nas-emascom anotar a originalidade da verso mineira do bar-roco, relembrando seus dois grandes traos caracters-ticos: ainda o barroco, sobretudo se atentarmos paraa formalstica decorativa, onde encontraremos as mes-mas linhas, ritmos e princpios de composio europeus,mas j um barroco difer~nte, sobretudo em contrapo-sio aos padres italianos de onde promana a estilsticaque inspirou toda a Europa e, tambm, a Amrica. Amutao faz-se, sobretudo, no esprito geral das reali-zaes, nas quais, inegavelmente, observamos uma in-teira coerncia entre os elementos utilitrios e os pura-mente ornamentais, o que faz desaparecer um dostraos apontados como centrais do barroco europeu,qual seja o imprio desptico do decorativo, nico ele-mento artstico capaz de levar plena gratuidade, aovirtuosismo, e s principais formas de esplendor".

    Ainda sobre o estudo: o autor, que leu muitasobras tericas e investigou uma situao concreta - aarte e a sociedade em Minas no sculo XVIII, ou obarroco brasileiro e o absolutismo portugus -, emnota do livro Teorias do Barroco (nota nO 15), defen-de-se contra possvel alegao de pesquisa para com-provar certa teoria: a da ligao entre um estilo artsticoe o absolutismo, que supe haver encontrado aqui, emuma situao histrica que coincide com a que tratada

    22

  • por autores europeus, que sumaria naquele livro. A pes-quisa no foi feita para comprovar uma teoria, pois esta que surgiu do estudo de determinada realidade: "pre-ferimos considerar essas primeiras tentativas antes comonos ajudando a chegar a um ponto de vista terico, doque como deles decorrente. ( ... ) No seria legtimoalegar que a preocupao metodolgica tenha antece-dido curiosidade da investigao" (p. 52).

    Teorias do Barroco (Rio, Ministrio da Educao,J 953) pequeno livro em que so expostas as principaisformulaes do problema, sem pretender originalidadee sem exemplificar com estudo de determinada obra ourea. Se no sobre Minas. foi escrito, sem dvida.peJa reflexo que fazia, de maneira absorvente, sobrea arte do sculo do ouro no Brasil.

    Puder-se-ia sugerir tambm, sem forar a nota,que foi dessas reflexes que surgiu a idia de estudar oescrito de Direito Natural de Toms Antnio Gonzaga,objeto de tese de concurso para a ctedra de Poltica,em 1949 - O Tratado de Direito Natural de TomsA I1tni(l GOllzaga (Rio, Ministrio da Educao,1953). certo que o texto de Gonzaga foi escrito emPortugal, antes de sua vinda ao Brasil, que nada tem aver com ele. O jovem jurista e filsofo com essa obra um tradicionalista, que aceita a realeza como de ori-gem divina; expresso do pensamento da poca, temmuita ambigidade, voltando-se mais para idias quepertenciam ao passado que para as novidades dos ide-Iogas da Revoluo. Vindo para o Brasil, acaba porficar envolvid em movimento de carter liberal erepublicano. No h muita harmonia entre o conspira-dor e o estudioso de Direito Natural de alguns anosantes. Lourival Gomes Machado debruava-se sobre aconjurao mineira de 1789, preocupado com a suaideologia - assunto de alguns de seus cursos na Fa-culdade de FilClsofia -, sendo explicvel que aparecesseassim a sugesto do tema para o trabalho universitrio.Gonzaga era personagem de seus cuidados, da o apro-veitamento dessa obra anterior do poeta, ainda poucoconhecida. Foi o barroco mineiro que o levou ao tra-tadista e depois poeta, na sua preocupao de bementender e explicar o que foi o fim do sculo XVIIl naCapitania central.

    23

  • Em crculo de conferncias organizado pela Rei-toria da Universidade de Minas, entre 3 e 12 de abrilde 1956, foi ele o autor de O Barroco em Minas Gerais,tentativa de viso global do problema (Primeiro semi-nrio de estudos mineiros, Belo Horizonte, Universi-dade de Minas Gerais, 1957, p. 45/57).

    Outra expresso do mesmo culto Reconquista deCongonhas (Rio, Instituto Nacional do Livro, 1960).A propsito dos importantes trabalhos realizados pelostcnicos da Diretoria do Patrimnio, de restaurao dasfiguras dos Passos da Paixo, o crtico realiza um dosmelhores estudos sobre a obra de Aleijadinho. Trata-sede excelente texto, em bela apresentao grfica, pelasadmirveis fotografias de Eduardo Ayrosa. A matria reproduzida neste volume, contando, inclusive, comilustraes da primeira edio.

    Do mesmo ano Arquitetura e artes plsticas.captulo da Histria Geral da Civilizao Brasileira(Tomo I, A poca colonial, 29 volume - S. Paulo,Difuso Europia do Livro, 1960, pp. 106/120). Em-bora esboo das artes no Brasil, Minas a regio maisextensa e carinhosamente tratada. No mesmo volumeo autor comparece com outro captulo - Poltica eadministrao sob os ltimos vice-reis (pp. 355-379), emque problemas mineiros ocupam lugar considervel,como no podia deixar de ser, pela poca: acreditamosmesmo que foi a preocupao com o quadro histricoda rea mineratria que o levou ao estudo da polticae da administrao brasileira do perodo.

    Em artigos de imprensa, notadamente em O Esta-do de S. Paulo, como em conferncias, Minas foi cui-dado constante. No suplemento desse jornal, durantevrios anos, esteve sob sua responsabilidade a seo deartes plsticas: entre as centenas de estudos que aescreveu, boa parte seria referente a Minas. Muitosrepresentam pesquisas originais ou reflexes eruditas eno era razovel que ficassem esquecidos. Da a ediode alguns deles no presente livro. Entre esses artigos,queremos destacar o que escreveu sobre os plpitos doAleijadinho em So Francisco, nos quais o autor denun-cia a influncia de Ghiberti, que teria dado ao artistamineiro no s o tema como a forma de tratamento.

    No ficou nessas publicaes seu interesse pelaregio. Emsua cadeira de Poltica, eram freqentes os

    24

  • cursos de Histria das idias ou das instituies polti-cas brasileiras: sabemos que Minas ocupava a papelde primeiro plano. Na orientao de teses ou trabalhosdos aJunos, muitas sugestes deu para pesquisas nessesentido, notadamente a da ideologia da Conjurao deI 789, como se poderia demonstrar com alguns exemplos.

    Pode-se dizer, pois. que Minas foi a sua paixo.E pena que a vida no exterior no lhe permitisse pros-seguir nos estudos, de modo a poder chegar s "snte-ses compendiadoras" a que se referiu (O Barroco emMinas Gerais, p. 45). Ante essa impossibilidade, pre-feriu buscar "desenvolver a pesquisa das significaes"(p. 45), como era alis bem do seu gosto. No exa-gero a afirmativa sobre essa predileo. Poderia de-monstr-lo com palavras do autor, em que proclama apeculiaridade e mesmo a superioridade da rea central.Em O Barroco em Minas Gerais, em 1956: "deste fe-nmeno (o barroco mineiro) que, sem dvida, dosmais significativos, e, a meu ver, o mais belo de toda ahistria cultural do Bra,il" (p. 45). Em Arquitetura eartes plsticas, em 1960: " ... nasceria, em Minas, amais forte, mais farta e mais bela expresso de umaarte verdadeiramente brasileira" (p. 110); ou, "nessepanorama geral, avulta ainda mais a arte e a arQuite-tura de Minas" (p. 116); em concluso, "em Minas,no sculo XVIII, manifestou-se artisticamente, pela pri-meira vez. uma autntica cultura brasileira" (P. 120).E assinale-se o que escreveu no artigo Originalidade daarte mineira, j referido.

    A esto, em linhas muito gerai!\, as provas de queLourival Gomes Machado compreendeu e amou a rea-lidade de Minas, transformando-a em culto e objeto detrabalho. So constantes os temas mineiros em suaobra: a bibliografia mineiriana deve~lhe muito. comocontribuio definitiva ou colocao de problemas, en-caminhamento de h:pteses para a pesquisa de outros.Ele vem a ser mesmo um dos autores que mais contri-buram para o conhecimento da rea. em momentoimportante na histria desses estudos. O crtico paulistafoi mineiro por. adoo. E editando parte ponderveldessa obra que se transmite o fruto dessa dedicao. delabor e lucidez, de alguem que muito amou e entendeua Provncia central - o paulista-mineiro LourivalGomes Machado. E essa edio que a EDITOR.-\

    25

  • PERSPECTIVA entrega ao pblico.

    Deve-se consignar que o presente volume no po-deria ser elaborado sem a preciosa colaborao da Sra.Maria de Lourdes Santos Machado, que forneceu indi-aes que nortearam o trabalho de seleo e organiza-o c, ainda, parte da matria aqui reproduzida.

    Prestaram tambm auxlio: o DI. Jco GomesTeixeira, Diretor do Arquivo Pblico Mineiro, colocan-do nossa disposio, para consulta e cpia, as cole-es que guarda~ o Dr. Renato Saeira, da Diretoria doPatrimnio Histrico e Artstico Nacional, que nos for-neceu algumas fotografias, pertencentes ao seu arquivo;o Sr. Eduardo Ayrosa, que cedeu, gentilmente, fotogra-fias de sua autoria. A eles, pois, o agradecimento doOrganizador.

    Belo Horizonte, 1967.FRANCISCO IGLSIAS

    26

  • TEORIAS DO BARROCOI

    Nada mais natural do que tcr o barroco perma-necido mal avaliado. seno mesmo desconhecido, atrecentemente. As clssicas referncias ao caso de umBurckhardt, interessado em passar a arte pelo crivo daordem e, pois, desprezando o barroco, mas rendendo-se composio densa de Rubens, ou, ento, o registro daestranha atitude de um eroee, simplesmente lanando obarroco conta do feio, representam, em verdade, re-sultantes lgicas do retardamento havido na evoluode uma esttica autnoma e de uma crtica livre de su-bordinaes.

    29

  • Na- histria ocidental, sempre a crtica acompanha'a produo artstica, mas, por igual, sempre se cobrede uma escusa literria ou histrica, como se no seatribusse importncia e validade s reaes pessoais docrtico que, em conseqncia, prefere aparecer comocronista, viajante, historigrafo meticuloso ou filsofo cata de exemplificaes amenas para facilitar a exposi-o de suas prprias afirmaes ou a discusso dosprincpios de um mestre. Mesmo a idade modernaapresenta-nos a crtica como mera variante da biografia,enquanto os tratados sobre arte, quando comeam aaparecer, preferem revestir a forma de compndio tc-nico destinado aos do ofcio. S h dois sculos, poucomais ou menos, o pensamento crtico permitiu-se atri-buir um interesse em si mesmo.

    J ento esboava-se, tambm, um movimento des-tinado a levar a esttica a superar a funo auxiliar esecundria de mera extenso aplicativa da psicologia,que lhe reservara a tradio platnica, ou o conceitoestritamente normativo, que lhe tolhia a plena expansonos quadros da linguagem aristotlica, tanto na descen-dncia direta quanto nas mltiplas e variadas colaterais.

    Submetida s solicitaes de outras disciplinas, aesttica no chegara a enunciar-se em seus termos pr-prios c, com freqncia, mal se distinguia das anotaesda crtica, justificando-as plenamente a indicao deLionello Venturi, para quem a histria do pensamentosobre arte pode reduzir-se ao ttulo simplificador dehistria da crtica 1, igualmente vlido para a fase pos-terior em que, passado o perodo vestibular que anota-mos, a crtica novamente veio a entrosar-se com a es-ttica. Mas, para o objetivo que nos ocupa, importaantes sublinhar que, com tal retardamento, o pensamentocrtico se tornou diretamente responsvel pela incom-preenso ou pela m compreenso de perodos inteirosda histria da arte, cuja importncia hoje no podemosignorar.

    Voltado para objetivos apenas paralelos queleque, substancialmente, devera interess-lo e, principal-mente, lidando com um equipamento terico decorrentede ideais cujas eventuais implicaes histricas no os

    1. Lionello VENTURI. Historio de la Crtica de rle seguido dela Crtica de Arte en la AClUalidad, vcrsin castellana de Julio E. Payr.Buenos Aires. Editorial Poseidon, 1949. V. especialmente eap. I.

    30

  • tornavam menos indiferentes a outras culturas ou outrosvalores alheios fase ou ao conceito que, com exclu-sivismo, considerava superior, o crtico no realizariaplenamente sua misso. Faltava-lhe uma compreensoampla e relativista da Histria e, mesmO quando dese-jasse superar essa limitao, esbarrava com as prefe-rncias que, fixadas em seu subjetivismo por uma for-mao ainda submissa aos exclusivismos anteriores,reapareciam indebitamente transformadas em pretensoscritrios objetivos. o que sentimos tanto sob o falsoconceito de ordem de Burckhardt, quanto sob o julga-mento de gosto de que Croce se utilizou como se foraseguro critrio de avaliao esttica.

    Eis como, at h pouco, as insuficincias ou osdesvios da crtica e da prpria teoria esttica proibiamque se alcanasse a riqueza de expresso fonnal de umafase significativa e decisiva da histria da cultura mo-derna - fase que, por sinal, seria a nica, antes da artecontempornea, a desenvolver todas as possibilidadesde tratamento tectnico e de organizao primria decada arte, sabendo harmoniz-las, melhor do que a artemoderna, Duma mesma e nica tendncia, delas servin-do-~e simultaneamente, ao invs de op-las em tendn-cis contrastantes. Se atentarmos menos para a arqueo-logia do que para a anlise cultural, verificamos que obarroco, cronolgica e espiritualmente mais prximode ns, sofreu tanto quanto o gtico nas sucessivas ava-liaes da histria da arte. Seria contudo intil lastimaro acontecido, que aqui s relembramos para explicaro porqu de certos conceitos errneos~ mas, tambm eprincipalmente, para justificar a variedade e as preten-ses ambiciosas das atuais teorias sobre o barroco.

    Contrastando com o anterior retardamento de seuestudo, o barroco hoje constitui objeto da ateno deespecialistas que, ansiosos por recuperar o tempo per-dido, insensivelmente cedem ao risco das vises globais,das interpretaes exclusivistas e, portanto, tomam-secapazes de protestarem certezas comprovadas, quandono se entregam mesmo tentao de traar uma teoriadefinitiva. Assim, o barroco, de problema inexistente,passou categoria de questo polmica, pois desde logose deu o choque entre interpretaes irreconciliveis, aomenos em aparncia. Da, conseqentemente. justifi-car-se essa espcie de "crtica da crtica" que, no prem-'

    31

  • Antnio Francisco Lisboa. Pai, figura do grupo daSantssima Trindade do retbulo da Capela Mor deSo Francisco de Assis, Ouro Preto.

  • bulo dos estudos sobre o barroco, se tornou imprescin-dvel e para cuja compreenso anotamos as observaesque se seguem. No se trata de alcanar a erudiopela acumulao de citaes e pelo confronto de textos,nem de deitar sentena final numa causa em que asatitudes definitivas .sempre acabam por trair os que asencarnam, mas apenas de tentar descobrir, pela refern-cia s vrias linhas de orientao geral, se h, no tu-multo da polmica, alguns pontos pacficos capazes denos oferecer base para uma compreenso, talvez aindamuito elementar e limitada, porm menos insegura emais praticvel, do problema apaixonante.

    No poderemos, portanto, interessar-nos predomi-nantemente pela posio enciclopdica ou pela inspira-o especfica de cada teoria do barroco, que assim sfaramos retornar s conjunturas histricas que as orien-taram inicialmente, ou s disciplinas filosficas que aindacondicionam funcionalmente tantas delas. Insistindonuma interpretao singular da arte no conjunto da his-tria da cultura, ou rcgressand:> aos campos especiaisda teoria do conhecimento, da moral, da poltica etc.,mais no faramos do que resistir numa posio parti-cular e, provavelmente, facciosa, contribuindo paraagravar aquilo que at os manuais no temem chamarde "o conflito do barroco". Tampouco haveremos dedescer mincia de cada teoria, pois estamos interes-sados numa harmonizao geral e no nas peculiarida-des de cada sistema interpretativo. Nem, afinal, fare-mos revista completa de todas as teorias que, alis, noaparecero como mais importantes ou mais meritrias,quando citadas. Repitamos, simplesmente, que nos in-teressa chegar a uma viso global, firmar um ponto devista genrico. E nada mais.

    Logo ao primeiro exame, as teorias sobre o bar-roco revelam-se como orientadas segundo trs centrosprincipais de interesse: enquanto alguns crticos se vol-tam preferentemente para a anlise direta das realiza-es artsticas, visando conseguir uma definio formaldo complexo artstico, outros se mostram interessadosprincipalmente na pesquisa dos limites histricos (e, porimplicao natural, tambm dos limites geogrficos) da

    33

  • evoluo do fenmeno, enquanto um ltimo grupo pa-rece desejoso, espedalmente, de tentar a sua interpre-tao sociolgica, quando no passa prpria filosofiada histria. Como a positivao morfolgica conduz

    sempr~ a conceitos gerais capazes de englobar as ml-tiplas variantes de um mesmo complexo formal, ao pas-so que a anlise social, servindo-se das definiesespaciais e temporais, leva especificao dos casos sin-gulares,parece que essa verificao preliminar haveriade simplificar-nos o problema, pois, em tais termos,logo reconheceramos uma controvrsia entre as tendn-cias generalizao e individualizao, to freqenteno desenvolvimento terico dos mais variados proble-mas. 'Antes, porm, de aceitannos essa oposio sim-ples, no custa lembrar que,' at certo ponto, ela j seapresentou ao esprito dos prprios autores das teoriasque, mesmo dominados por m dos trs interesses prin-cipais, nunca deixam de referir-se, com maior ou menorpertinncia, aos outros dois. Na verdade, mais do queressaltar com exclusividade um dos aspectos do barroco,buscam os tericos atribuir a um deles o carter defundamental ou predominante, mas, j assim, concedemque o trao em questo se encontra em conexo comos demais. Dessa forma, o qU3;dro ser menos simplese talvez menos ntido e, em seu exame crtico, 'no sedever exagerar no rigor forml, deixando mesmo deatender clssica ordenao cronolgica, a fim de darcompleto predomnio s conexes de pensamento queencadeiam as vrias posies doutrinrias.

    Comecemos, pois, anotando que o mais simplesesforo de definio do barroco aquele que, partindoda reabilitao histrica do interesse e importncia dumcomplexo artstico quase esquecido, cuidou de diferen-ci-lo temporalmente dos demais, reservando-lhe umcampo cronolgico prprio. Essa concepo estabeleceuma primeira posio, emprico-histrica. No se trata,a rigor, de uma teoria, seno duma simples proposioterica do problema, logo desfigurada pelo vezo dassimplificaes didticas, que estendem ao fenmenobarroco o conhecido e perigoso esquema das aes ereaes, to do gosto dos velhos crticos e historiadores

    34

  • da arte, sempre dispostos a transformar a histria numacadeia de trmos que, reagindo ao precedente, O destri,para logo ser, por sua vez, destrudo - o que j insi-nua, alis, o desmora1izadssimo es-quema Hpendular"da evoluo artstica. Teramos, segundo essa visosimplista, um barroco que nasceu por reao ao renas-cente, mas que, a seguir, haveria de morrer, ao desafioduma nova reao: o neoclssico. Acontece que o bar-roco resiste a soluo to fcil, no s pelo seu carterespecialssimo, seno tambm porque as fases histricasconfinantes apresentam caractersticas igualmente espe-cficas, irredutveis ao simples arranjo sucessivo e re-beldes recorrncia pendular. No perodo anterior aobarroco, a arte do renascimento muito frtil e pode-rosa, muito variada e rica, muito potente e verstil paraser dda como mera posio firmada e estabelecida queo barroco enfrentaria para destruir, num simples movi-mento de contradio. O perodo subseqente, pelocontrrio, to dbil e precrio se mostra nas manifes-taes artsticas, que no podemos atribuir-lhe forabastante para por termo ao barroco, nem sequer capa-cidade de equivaler a um retorno ao renascimento:l. Aimprecisa definio das barreiras temporais serviu ape-nas para sublinhar que o processo do barroco (como,alis, todo processo histrico, especialmente no campoda cultura espiritual) , por natureza, mais dialtico doque sucessrio. No cabem, pois, os compartimentosestanques devidos esquemati.zao didtica, quando oproblema se enuncia sobretudo como um feixe de nexosconflituais entre etapas que, alm de interpenetrantes,so complexas, polvocas e possuem traos comuns sfases confinantes.

    A ingnua colocao emprica do problema hist-rico do barroco no merecia, pois, maior ateno se nosoubssemos do papel de ponto de partida que, mesmo

    2. Sem duvida, o problem3 do neoclssico no se resolver porum3 simples negativa, em que pse ao dbil valor artlstico de suasexpresses. No obstante, se um dia se flur a cuidadosa an~lise dasrepercusses das descobertas arqueolgicas na cullUra europia, talve:.tse venh:t a positivar que a acumulao de todos os dados e sugestesd3S pesquisas, iniciadas j no Renascimento, mas tornadas puramentedesinteresudas e cientficas pelo dominio interveniente do barroco. cujaesp;uuosa vitalidade dispensava "moddos" inspira.do~s, haveria deconstituir uma espfcie de reservatrio de antiguidades modelares e ins-piradoras a aguardar apenas um momento de paralisia criadora para es-pr:Uarsc. Assim explicarse, talvez o fenmeno do neoclssico. Con-tudo, a hiptese _de nada v3ler~ sem a correspondente comprovao e,aqui, a hiptese surge ainda como simples sugesto ...

    35

  • quando negado, desempenha nas cogitaes que levams demais teorias. Acrescentemos apenas que ao seusimplismo se deve um bom nmero de noes errnease de difcil erradicao, entre as quais citaremos a que,registrando a existncia de uma variante rococ nos l-timos tempos do barroco, interpretou-a como fenmenode decadncia, psto que figura nos momentos finaisduma etapa a ser contrariada e extinta.

    No h, portanto, oposio forosa entre a concep-o global histrica, atenta complexidade e relativi-dade dos fenmenos culturais, e as teorias que se detm,especialmente. na evoluo da forma barroca "em simesma, pois que estas apenas buscam um elementomorfolgico, nitidamente caractcrizvel, que oferece basepara retraar-se o processo histrico de que resulta todoo complexo artstico. Max Dvorak, cujas idias entrens mereceram a exemplar vulgarizao de HannahL evy3, pode ser dado como exemplo tpico dessa ten-dncia, que, se de fato estamos obrigados a distinguircom um rtulo, chamaramos de posio gentico-for-mal, buscando assim sublinhar a ateno que dispensas formas compreendidas como obedecendo a uma evo-luo prpria no interior de determinado complexo his-trico. Dvorak, alis, segue a Burckhardt, interessando--se por manter-se fiel metodologia histrica mltipla everstil do mestre, mas, por igual, no deixou de atentarpara Riegl, para quem a visualidade pura, com suas leisestritas e seus conceitos rigorosos, deveria basear toda equalquer construo crtica. Buscando verificar at queponto se compadecem mutuamente pontos de vista todistantes, Dvorak logo chega. compreenso de que, sepor um lado as formas artsticas, os dogmas religiosose os sistemas filosficos se assemelham, exteriormente,como expoentes significativos de uma mesma cultura;no menos certo que interiormente, isto , em suavida prpria, cada uma de tais manifestaes solicitaa descrio exata da evoluo a que devem sua formu-lao final. So, ao mesmo tempo, documentos de umacivilizao e possuem uma histria particular - quali-ficaf:";-: que, de fato, no se excluem.

    tfannah LEVY. "A propsito de trs teorias sobre o Barroco".In: Rl:visla SP'1AN, n9 5, pp 259-284.

    36

  • Fiel a tal concepo terica, Dvorak enfrenta oproblema do barroco para tentar explicar o apareci-mento da nova morfologia, o que o coloca, sem dvida,em pleno campo da pura histria das formas, mas, co-mo na forma estudada no pode deixar de ver a mani-festao ou, pelo. menos, uma das manifestaes dumacultura em processo, acaba por buscar as origens gen-ticas do barroco na forma que o antecedeu imediata-mente, isto , na arte dos "maneiristas", sem jamaisesquecer-se de que maneiristas e barrocos exprimiramnecessida:.des espirituais profundamente enraizadas no

    complexo civilizado em que viviam. Assim, desde logose estabelece cQm clareza que o maneirismo correspon-dia a um esgotamento das possibilidades expressivasalcanadas na culminncia renascente, no porque -como, em seu desprezo por esses artistas menores quesucederam a mestres geniais, insinuavam os velhos his-toriadores - se tivesse esgotado o gnio inventiva eu-ropeu, mas porque se abrira um fosso entre a expressoplstica e o contedo expressivo, dada a desadequaoentre uma arte cuja fora e apuramento pareciam des-tin-la a permanecer pelos sculos afora, e uma culturaespiritual, que, progredindo incessantemente, assumiasempre novas feies e enveredava sempre por novoscaminhos. Ora, os traos "absolutos" do Renascimento,Dvorak antes os v como "mximos" (Rafael: belezaformal; Michelangelo: forma humana; Ticiano: perfei-o cromtica) que, no permitindo novos avanos nomesmo sentido, haveriam de provocar uma mudanade orientao. Cede o cientfico ao potico, abrindo-secampo para um subjetivismo que, restasse entregue asi mesmo, haveria de abalar a Igreja no sculo XVI,cuja reao se exprime na subordinao do subjetivismodos meios expressivos a um contedo esplritual objetlvo- o barroco. Apoiando-se nos dados formais, Ovo-rak no se esquecia, contudo, de fazer '"histria da artecomo histria do esprito". Esse ser o melhor sentidoda sua interpretao, que nos interessa menos pelasfalhas que sua construo apresenta quando confrontadacom aspectos particulares da evoluo histrica, do quecomo uma posio metodolgica bem marcada e fru-

    4. . .. "Dvorak coloca num mesmo plano a religiosidade de umartista da Idade Mf:dia e a de um artista barroco. Escapa-lhe o car1tercriador da religio medieval, e tambm o carter politicosocial da Contrareforma" ... etc. VENTURI. cit., p. 201.

    37

  • tuoS3, podendo, 3 qualquer tempo, ser retomada comproveito. Basta lembrar que o maneirismo, uma dessasfases que se julgara de bom ayiso lanar ao rol dasdecadncias insignificantes, reaparece hoje como cum-prindo uma funo importante, pois permite compreen~der o trnsito, formal e cultural, entre duas expressesartsticas antes tidas por simplesmente contraditrias eantagnicas.

    No obstante, a valorizao do barroco que, impli-citamente, se continha na teoria de Dvorak, j interes-sara, embora por vias doutrinrias diversas, a outros es-tudiosos do problema. Heinrich Wolfflin, por exemplo,.compreendera a importncia do barroco e, discpulo fielde Riegl, pressentiu a possibilidade de ampliar teorica-mente o conceito visual que, historicamente, comeavaa delimitar-se com bastante segurana. Estamos agora frente de uma posio wziversalizadora do conceitogentico-formal na qual, sem dvida, sempre restar -mesmo quando repelida - a referncia simples des-crio histrica do fenmeno artstico particular, masexprimindo-se preferencialmente numa nova concepoestrilamente formal, segundo a qual o morfolgico dis-pe de vitalidade prpria. No obstante fundar-se nascontribuies dos mestres, W'lfflin haveria de encami-nhar-se por um rumo ainda inexplorado que lhe deuprojeo intelectual superior de seu antecessor, poisno apenas caracteriza, com o mximo de preciso, osaspectos formais do barroco, seno ainda e principaJ~mente afinoa que, assim caracterizado, isto , reduzido sua morfologia genrica, o barroco no pode limitar--se ao perodo que se deseja reservar-lhe na histria, tor-nando-se uma verdadeira recorrente no curso da evolu-o da cultura. Ainda aqui, encontramos a ligaofundamental entre a vida das formas e a vida do esprito,mas j a encaramos de um ngulo oposto ao de Dvorak,pois ao invs da vitalidade formal traduzir-se no fluxoirrefrevel da histria, temo-Ia presa a "constantes"humanas que devem ressurgir em todos os tempos e to-das as situaes, Permanecemos. numa posio genti-.co-formal, mas se tnhamos, com Dvorak. um elementoformal explicvel pela sua gnese; agora, pelo contrrio,a natureza intrnseca da forma que vai ditar a evolu-o artstica, n) obstante as contingncias e o mo-mento.

    38

  • A edio espanhola:'> e, sobretudo, o divulgadssimoartigo de Hannah Levy. tornaram as idias de Wlfflinmuito conhecidas e, por igual, muito prezadas entre ns.Por isso, podemos resumir-lhe a exposio, limitando--nos ao registro dos cinco smbolos de visualidade puracodificados em antinomias: 1) o conflito e, pois, a pas-sagem do linear ao pictrico, que sobrevm quando alinha, guia ocular e elemento tctil de contorno, cedelugar ao conceito visual puro, expressamente pictrico,capaz de captar opticarnente o objeto, sem isol-lo pelalinha de contorno (uma barreira entre o ser e o espao.circundante) mas, pelo contrrio, integrando-o no con-junto de entes visuais que compem um mesmo todoambiental e existencial apreensvel pela viso e tradu-tvel na criao artstica; 2) a passagem da superfcie profundidade, imediatamente decorrente da relaoanterior, posto que, enquanto a viso linear impe a or-ganizao numa mesma superfcie em que o objeto sedelimita e se separa do espao ambiente figurado pelorestante da superfcie, a viso pictrica, superando essaconcepo puramente tctil, exige a superposio dosentes visuais para defini-los por avano e recuo uns emrelao com outros, cabendo acrescentar que \Volfflinse recusava a identificar a organizao superficial coma viso do primitivo, desde que naquela podero estarpresentes elementos de escoro e de perspectiva reba-tida; 3) oposio entre a forma fechada e a formaaberta, pois, se tanto na viso linear quanto na visopictrica, toda obra de arte tende a fechar-se num todontegro c completo, no menos certo que as formaspodem "soltar-se", escapando a regras fixas e a cons-trues rgidas; 4) passagem da multiplicidade uni-dade, denotadora de uma arte em plena evoluo, poisque, se, perante a viso primitiva, fragmentria c incapazde estabelecer conexo entre os entes visuais sempredefinidos pelo isolamento individual, o clssico surgecomo a consecuo de uma harmonia geral, em tal har-monia cada parte, mesmo em relao com as demais,mantm-se em si mesma autnoma c s o barroco cum-prir a tarefa de concentrar e organizar todas as partessegundo um modo nico, em cuja falta no restar sig-

    S. Heinricb WOLFFLIN. COllUptos jlmdamcntalcs de la };fJlori!J df."lA"~. traducido dei 3Jeman por 1. Moreno Vill:l Madri. Espa5;l-Calfl!:.1936.

    39

  • Manoel da Costa Atade. Forro da Igreja de SoFrancisco de Assis. Ouro Preto.

  • nificao para os componentes; 5) antinomia c1areza--absoluta!clareza-relativa, pois os eQ.tes visuais, que setomavam separadamente mesmo na harmonia clssica,surgem em sua totalidade quando defrontamos a orga-nizao barrca. Essa simbologia, em verdade, nopassa de cinco faces de um mesmo fenmeno - a pas-sagem do tctil ao ptico, de Alois Riegl -, que Wlf-mn desejou anotar com a maior mincia para estabe-lecer como necessria a passagem do clssico ao bar-roco. Clssica, segundo Wlfflin, ser a arte que s~sirva, simultneamente, dos cinco conceitos de lineari-dade, organizao em superfcie, forma fechada, unidademltipla e absoluta clareza, enquanto o barroco se de-finir como pictrico, exprimindo-se em profundidade,por meio de formas abertas, alcanando unidade indivisvel e clareza relativa.

    Uma concepo de tal amplitude no pode adap-tar-se realidade histrica enunciada em termos desucesso, nem, tampouco, ser tida ( semelhana detantas esquematizaes da evoluo cultural) comodesenvolvimento, nico e inexorvel. Da adquiriremos trmos "clssico" e "barroco" uma acepo quetranscende s manifestaes concretas que rotulavam,agora definindo grandes constantes, "conceitos funda-mentais da histria da arte". Desde logo, Wijlfflin estobrigado a corresponder s solicitaes tericas quesua concepo trazia implcitas e, em sucessivas revi-

    . ses, busca retocar o primeiro esquema. Convm ~mque o processo reversvel, pois a evoluo da artecontempornea o levara a compreender que da formafechada se poderia eventualmente voltar forma aberta,mas, sem dvida, importa-nos mais verificar se a suateoria exclui anlises do tipo da de Dvorak, por maisque teoricamente delas se distancie. t. o problema daimportncia do contedo que Wlfflin no poder ne-gar, posto que, quando se v diferentemente, em ver-dade se vem coisas diferentes, convindo pois conceituara nova expresso visual como correspondendo a umanova viso do mundo. No obstante, a teoria de Wlf-flin lornar-se-ia conhecida sobretudo pelas novas dimen-ses do termo barroco, como termo final de antinomiarecorrente na histria.

    O barroco no ser, portanto, um estilo, mas um dosdois estdios sucessivos de todos os estilos, e a concep-

    41

  • o de Focillon no passar, afinal, de uma simplifica-o retificadora e de uma complementao da teoria deWOlfflin, que volta a ser mergulhada na Histria. Dandopor assentado que a "vida das formas" conhece apenase obrigatoriamente trs etapas - a pr-clssica, a cls-sica e a barroca - FocillonG aplica-as, como esquemainevitvel, a todas as formas historicamente registradas,deixando bem clara a plena universalizao dos trs ter-mos quando os faz rebater nos prprios perodos que,historicamente, tm mais denominaes. Assim, o pr-prio barroco ser barroco-pr-clssico (jesutico), bar-roco-clssico (Maderna-Bernini), barroco-barroco (Bor-romini-Churriguera). .

    Mesmo submetido a to ampla generaJizao, obarroco mantido, por essas teorias, como uma cons-tante formal, um termo sem dvida universal pormsempre definido morfologicamente. Por isso, temos deadmitir uma nova bifurcao terica para passarmos conceituao do barroco como uma constante espiritual,enunciada, seno apenas sugerida, pelo correspondentecomplexo formal. E o que tentou firmar EugnioD'Ors'.

    Muito sedutora e espirituosa, realmente, dever sera teoria de D'OIS para justificar sua difuso e aceitao,pois, buscando situ-la em sua posio doutrinria exa-ta e no a prejulgando por isso, pouco ou nada nelaencontramos que a qualifique para figurar com vanta-gem entre as investigaes que contriburam para a me-lhor compreenso do problema do barroco. PretendeEugnio D'Ors, inicialmente, continuar a Wolfflin e aoutros pesquisadores da constante formal barroca, masno s os coloca descabidament ena posio de precur-sores de suas prprias idias, seno ainda acaba por con-tradit-los frontalmente. De fato, D'Ors, que se exprimena linguagem vagamente potica e inutilmente exaltadade um "amoroso" do assunto, parece tender antes parauma esttica metafsica ao atacar o caso do barroco,ruas, se tentssemos segui-lo pelas regies da filosofia,desde logo verificaramos que, onde. parecem surgir con-

    6. Henri FOCILLON. La Vie d~s Form~s. Paris, 1936.7 Eugenio D'ORS. EI Barroco. Madri, s/do

    41

  • ceitos transcendentes, em verdade abundam esboosimprecisos e indicaes a meio, o que, positivamente, coisa bem diferente da filosofia, mesmo em suas expres-ses mais abstratas. Isso acontece, por exemplo, como conceito central da teoria de Eugnio D'Ors.

    O barroco definido como um "eon", no sentidoda escola alexandrina, isto , como "uma categoria que,apesar de seu carter metafsico, ou seja, apesar deconstituir estritamente uma categoria, tem um desenvol-vimento inscrito no tempo, um modo histrico". Sa-bendo, porm, que a sua noo de "eon" muito se afastada acepo original dos gregos (como anota Lalande),procura suprir a ausncia do contedo teolgico (o"eon" grego potncia eterna emanada do ser supremo)por uma generalizao lgica, firmando-se num parale-lo com o "eterno feminino" de Gocthe que, no sendouma mulher, nem uma srie de mulheres, seria um

    "eon'~ ... Aplicando a noo matria histrica, D'Orsapressa-se em dizer que no se trata de um ente "hist-rico"; mas de um ente "de cultura" e, mais uma vezafastando-se da acepo firmada dos termos, assim aludea uma constante do esprito humano que pode adquirirsubstncia histrica, desde que condies especiais pos-sibilitem o aparecimento de um pantesmo, indecisoentre os extremos da inquietude e do dinamismo, razopela qual "franciscanismo, luteranismo, contra-reformacoincidem, em certa medida, no morfolgico", sendotambm necessrio que se firme uma concordncia coma natureza pela aceitao de uma "naturalidade do so-brenatural", enquanto o classicismo, que implicitamentefigura uma constante oposta ao' barroco, tende ao na-turalismo, afastando-se do csmico. Apesar da impre-cisO do enunciado, percebemos que D'Ors demonstragrande sensibilidade para reagir inquietao resultantedos aspectos dialeticamente antinmicos das expressesespirituais do barroco, mas no o teremos mais precisoe objetivo ao registrar as expresses formais: morfolo-gicamente o barroco multipolaridade, continuidade,"fonnas que voam" em contraposio s "que pesam",movimentos contraditrios que indicam uma rupturaespiritual. Sente-se, no obstante o esfumado das de-finies e caracterizaes, que, at ento, D'Ors tomapara ponto de referncia o barroco tal como historica-mente se exprimiu, exprimindo o contedo espiritual de

    43

  • seu tempo, mas logo a teoria retoma noo inicial de"eoo" para afirmar que, na histria, o barroco estpresente em todas as pocas, podendo nelas coexistircom o clssico.

    Chegamos, assim, aos maxlmos, formais e espiri~tuais, da universalizao do conceito de barroco. Par~tindo da primeira posio, simplista porm necessria,mesmo na sua annima modstia, que nos indicava anecessidade de uma caracterizao histrico-formal dofenmeno, inicialmente objeto duma definio apenasemprico-histrica, logo vimos que essa inteno, desdeque se servisse dos recursos da pesquisa objetiva, ha-veria de levar~nos a uma investigao de ordem gen-

    tico~formal. na qual a evoluo morfolgica, meticulosa-mente descrita, no dispensava, contudo, o apoio dainterpretao cultural. A seguir, porm, reconhecemosa existncia e a fertilidade das interpretaes visando auniversalizao do conceito do barroco, que nos levou universalizao do conceito formal em termos que. seno exigem, ao menos toleram a referncia ao contedohistrico e cultural, em que pese ao carter intemporaldas tendncias fundamentais simbolizadas nas passagensantinmicas, coisa semelhante acontecendo tambm oposta tentativa de universalizao do conceito espiritualdo barroco, embora eventualmente se exprimisse ela custa do sacrifcio, tanto da caracterizao morfolgica,quanto da interpretao cultural do fenmeno. Assim,graas exemplificao das posies tpicas, traamos oquadro geral de uma das duas grandes tendncias queinicialmente assinalamos. Cabe-nos agora um torna--caminho que. reconduzind~nos posio bsica inicial,nos permita passar em exame algumas amostras de teo-rias sobre o barroco que, ao invs de buscarem a uni-versalizao de um conceito geral, encaram o problemapor um.de seus aspectos particulares.

    As novas teorias que examinaremos - vale repetir- no diferem das j passadas em revista apenas portenderem particularizao analtica, seno por muitosoutros aspectos que lhes do fisionomia especial, mas',se quisermos anotar mais um trao comum que as mar-ca, podemos registrar, desde logo, que correspondem

    44,

  • todas a uma mesma e comum poslao gentico-social.A anlise de casos especficos da evoluo do barroco,dentro dessa orientao, sempre nos conduz a uma li-gao com determinados fatores sociais e, por isso, obe-decendo ao desejo de simplificar, poderamos compordois grupos especiais: o das teorias que tentam explicaro barroco pela referncia a fatores religiosos, e o dasteorias que buscam positivar os fatores de ordem polticaresponsveis pelo estabelecimento de uma determinadaexpresso artstica.

    No primeiro caso, est o muito citado trabalho deWerner Weisbach, cabendo referir a edio espanholaque o tomou conhecido em nosso meio e chamou a aten-o para o seu prefaciador, Henrique Ferrari Lafuente8 ,A tese de \Veisbach, interessante sobretudo para os po-vos ibricos e seus descendentes, em cuja histria ojesuitismo desempenha notvel papel, desenvolve ante-riores interpretaes (a de Raymond lembrada porLavedan)!l e ultrapassa a anlise purameme "funcional"de Male, buscando uma ligao direta e necessria entreo barroco e a contra-reforma. No apenas \Veisbach,mas todo um grupo de historiadores, concebe O Conciliode Trento como um conclave para a reviso dos dogmase para a consolidao da organizao eclesistica, mas'tambm como um congresso destinado, sobretudo, auma ampla reviso cultural, do qual resultaram, como

    . se conclui historicamente, diretrizes que orientaram sig-nificativa parcela da criao e da expanso cultural dostempos seguintes. Normalmente, esse programa de cul-tura haveria de exprimir-se no campo artstico e, pois,no h surpresa em verificarmos que uma nova arte,tendo seu primeiro impulso nos empreendimentos jesu-ticos, se estabeleceu de fonna consciente,

    Verificando tal conceito luz da histria, no tar-dou que a crtica apontasse a demasiada extenso tem-poral que Weisbach atribura ligao entre a contra--refonna ~ o barroco, pois, em verdade, no difcildiscernir dois tipos na arte da contra-reforma, que co-nheceu uma primeira etapa austera e simples e, depois,voltou-se para manifestaes ansiosas de magnificncia

    8. Werner WEISBACH. El BaTToco, ort~ d~ la Contrarre/orma.Madri, Espasa.Calpe, 1942.

    9. Pierre LAVEDAN, Histoire de "Art. Paris, Pres5es Universi_t:l.ires, 1950. V. \'01. 2, pp. 411420.

    45

  • e esplendor, o que leva, alis, os tratados a diferenci--los com os termos particulares de "jesutico" e "barrocopropriamente dito". No obstante o critrio de exatidoque inspira tais objees, ficounos dos trabalhos ma-neira de Weisbach um residual que no saberemosdesprezar, pois patentearam uma ligao entre o espritoda contrareforma desejosa de arrebatar as conscinciasdesgarradas por um mpeto de f e, de outro lado, aforma expressiva de que se serviu e na qual, embora'com alguma tardana, se espelharam caracteres morfo-lgicos capazes de comunicar expanses espirituaisigualmente impetuosas e arrebatadoras.

    No~mesmo sentido de objetivar os elementos ex-pressivos das formas e de sua ligao com traos cultu-rais de igual substncia subjetiva, desenvolve-se a teoriade Leo Ballet - o terceiro dos tericos vulgarizadospor Hannah Levy - que, por sua vez, prefere colocaro barroco em equao com o absolutismo. Essa posio, alis, asswnida por grande nmero de autores e, deum modo geral, ressurge na maioria dos manuais dehistria da arte que .se interessam pelas relaes com asetapas polticas da histria geral, inclusive pelos manuaisde origem francesa, em que pese s restries levantadascontra o barroco do grand siecle e, por igual, a caracte-rizao do bloco cultural franco-britnico como refra-trio tendncia barroca. Asseguram, contudp, osdefensores da conexo entre o barroco e o absolutismoque a identidade de traos entre a forma poltica e aexpresso artstica de tal forma patente que pode serdada como a grande constante do desenvolvimento cul-tural dessa fase que, em sua generalidade, poderia de-finir-se como inspirada pelo padro ideal de poderilimitado. Se, na estruturao do poder estatal (ou pr--estatal), que ento se fixa, tais caracteres so essenciais,integrando-se na prpria pessoa do governante, as for-mas barrocas compem-se em movimento contnuo parasignificar a aspirao ao infinito, que se contm nanoo de ilimitao do mando soberano, enquanto oesplendor formal do barroco traduziria, de forma expl-cita e direta, a expanso do poder na existncia humana,onde se projeta com fora incontrastada, criando umabeleza impositiva e superior. J a contradio do na-tural, oferecida pelo barroco tanto no domnio materialdos elementos artsticos inteiramente rendidos ao vir-

    46

  • tuosismo, quanto na proposlao de uma esttica que sechoca frontalmente com o naturalismo, no apenas paracontrariar a natureza, mas principalmente para comu-nicar aparncia de naturalidade e concepes antinatu-rais -, a essa contradio Batlet atribui a funo derefletir oprprio esprito do absolutismo em ao que,a seu ver, sempre um poder de dominao e violao,um consciente superador de fronteiras. Inegavelmente,se atentssemos apenas para a expresso formal do bar-roco, nela sempre encontraramos essa transgresso dasbarreiras naturais e sociais ou, pelo menos, da expressolgica de tais limites e, ao mesmo tempo, uma criaodinmica sem termo aparente, tal como, pela vaga in-tuio e pelo impressionismo semipotico, procurou es-boar Eugoio D'rs. Contudo, para Ballet a relaofundamental, o nexo principal a ressaltar-se na pocabarroca ser sempre o liame entre o artstico e o pol-tico.

    Nessa linha de pensamento, depois de anotar ainterpretao da arte pelos seus liames com a polticae com a religio, no podemos deixar de registrar asobservaes de Arnold Hauscr10, embora enunciadasnas mooestas dimenses de um captulo de um trabalhogeral de histria social da arte. mas dignas, sem dvida,de serem consideradas como um prolongamento e umaampliao, justos e necessrios, da corrente de Weisbache Ballet. Revendo os conceitos anteriores luz da evo-luo social, Hauser, que sem dvida adota a interpre-tao dos seus antecessores. sente-se ol;>rigado a praticaralgumas distines essenciais e, assim, acaba por distin-guir dois barrx;os, no tanto pelas diferenciaes for-Inais que os poderiam separar, seno pelas diferentesdescries gentico-sociais que, efetivamente, mere-cem l1

    Se Wolfflin, prolongando seus conceitos fundamen-tais da evoluo formal, esboara uma interpretao

    10. Arnold HAUSER. The Social Histor,. o/ Arl. LondresRoullegde d; Kegan Paul. 1951.

    11. "If, therdare, the production of art was not entirely llniJormcven in thcsc ages of llndivided c1:t.Ss rule, how much less wiIJ il bavebeen in a cenlUry like lhe sevenleenlh, when Ihere were a1ready severalcullured str:i1a, each wilh ils own absolutely individual oUllook on social,economic, poltical and religious mauers, and each confronling art withorten quile differcnt problems. The lIrtistic 3.ims of the curia in Romawere fundarnentally diffcrent from those of lhe royal court in VersailJes,and what thcy had ill common could certainly not be reconcilcd withlhe arlistic purpose of lhe Calvinist, bourgcois Holland".. etc.

    47

  • Manoel da Costa Atade. Forro da Matriz de SantoAntnio. Santa Brbara.

  • geogrfica das expanses concretas das grandes tendn-cias morfolgicas, se, Dum livrinho de vulgarizao, umcrtico'menos amigo das teorias, Eric Newton12, sente-seobrigado a aludir a um barroco do Norte e a um barrocodo Sul, Hauser prefere aprofundar o problema e, cor-rigindo e desdobrando a distribuio meramente espa-cial, atribui-lhes maior flexibilidade, riqueza de contedoe pertincia histrico'social. Sem dvida, continua ba-sicamente vlido ci clssico mapa da expanso barrocaque na carta do Velho Mundo traa um eixo simtrico,inclinado de sudoeste a nordeste e ligando Portugal Rssia, para deixar esquerda a resistncia franco-bri-tnica e, direita, a impermevel frente turco-bizantin3:?mas sse esquema tange fenmencs sociais e polticosque esto longe de ser indiferentes compreenso doproblema. Como, analisados mais de perto, nos indicamrealidades diversas, justifica-se plenam~ntc a diferencia-o, praticada por Bauser, entre um barroco das corescatlicas e um barroco da burguesia protestante. Nos, urna vez enunciada a diversidade das conexes entrea arte e o meio social, mais fcil se torna a compreensopc certas variaes menores, porm notrias, como noprprio enunciado terico de duas condies sociais de.uma mesma forma geral poderemos encontrar indicaode que, pela caracterizao particular de cada ncleode aclimatao do barroco, poderemos atingir melhorcaptao dos impulsos, inibies e modificaes que aliacompanharam o desenvolvimento da forma genrica- o caso de Frana, frngia de uma regio resistenteao barroco, corte catlica que ocupava posio especialem relao ao papado, expresso mxima de absolutis-mo, foco de cultura em que mesmo o pensamento pro-testante no deixava de agir, poder, considerado natotalidade de suas facetas peculiar~. explicar muito docarter singular de seu barroquismo contido e estudado,que .DOS leva da igreja de S. Lus, feio da Gesu efinanciada pelo prprio Lus XIII, ao problema com-plexo e especial de Versalhes. Multipliquem-se osexemplos, isto , os casos particulares estudados em suaprpria configurao e idiossincrasia.,. e chegaremos concluso de que nos; defrqntamos com o mximo da

    12. Eric NE\VfON. Eu?o.p~G" PointinK ond St:lllplIlU. Londres,Penguin, 3' ed. J94S.

    49

  • tendncia particularizadora que, ao mesmo tempo. a estrema expresso da anlise 1:entico-socia/.

    II

    Dispostas as teorias do barroco num quadro geralem que se representem as principais posies crticaspor elas enunciadas, predomina, sem dvida, a impres-so de irreconciliao, de irredutibilidade dos conceitosbsicos. Tende uma famlia de tericos universali-zao, e outra, particularizao. Os pesquisadores deaspectos particulares recorrem anlise histrico-social,enquanto os adeptos do conceito universal preferem apesquisa visual, como se diferentes objetos de estudoexigissem mtodos diversos. Aparentemente, s cabe-ria a escolha de uma dessas tendncias, com exclusoda restante.

    No obstante, j ao enumerar e ordenar os ele-mentos tericos, advertimos que no se deveria, em casoalgum, reduzil" qualquer das teorias apenas sua diretrizgeral, sob pena de desfigur-la, cerceando e inutilizandoa crtica. E, mais, sublinhvamos as conexes entre ohistrico e o formal que continuavam operantes mesmono interior de sistemas aparentemente exclusivistas. Nosso primeiro cuidado, portanto, ser o de agora examinaressas tendncias principalmente para notar que, focali-zando to s a morfologia do barroco ou, pelo contr-rio, preferindo estudar o complexo social que se expri-miu por seu intermdio, sempre o terico d porsubentendido, isto , por existente,' o elemento a queempresta menor importncia ou funo secundria, poiss assim poderemos colher as sugestes capazes de le-var-DOS a uma sntese metodolgica mais adequada aoobjeto de estudo.

    Dir-se-ia que o caso mais resistente a tal revisoseria o de Wlfflin, culminao sempre citada do visua-lismo, porm, mesmo desprezando todas as sugestesde ordem sociolgica que tentou recobr~ com a sua pre-tensa diferenciao geogrfica (em verdade, quandopesquisamos fenmenos culturais, "norte" e "sul" re-

    50

  • presentam menos dois quadrantes do que duas histriashumanas), no podemos esquecer-nos que, na base dasua construo terica, resta - conhecida, e o bastantepoderosa para ser generalizada - uma noo de bar-roco que s poderia ser colhida nas expresses concre-tas com que surgiu, em determinado tempo e no seiode uma certa cultura. A partir dessa aceitao tcita,torna-se possvel abstrair certos traos morfolgicos e,por oposio a outros traos igualmente inferidos deuqla realidade histrica anterior, enunciar a antinomiaque, s ento e no antes, se ter por vlida, mesmodepois de excludas as noes histricas. Ademais, aextrema abstrao com que hoje se enunciam as cate-gorias wolfflinianas pode ser, sem dvida, atribuda emgrande parte a certos comentaristas do mestre, que este,nas concluses dos "Conceitos Fundamentais", continuaa servir-se com muita liberalidade das referncias hist-ricas e das anlises concretas.

    A recorrente visual clssico-barroco, a rigor, pode-ria ser tomada apenas como a medida da evoluo in-terna de cada estilo, permanecendo este condicionadopelas circunstncias histricas que estabeleceram suanecessidade e precisaram sua adequao. O mesmo,por igual, poder-se- dizer de Focillon. Assim, teramosum esquema dialtico, em perptuo retorno c, pois,marcando a histria pela regularidade, mas restariasempre por saber se, como chega a insinuar Wlfflin.no se trataria antes de uma constante da natureza hu-mana ("psicolgica", como diz ele prprio), reapare-cendo em cada passo principal da histria da arte que,de tal maneira, apenas teria confirmada a importnciada especialidade das etapas que diferencia e descreve.

    De qualquer forma, os adeptos da anlise visualjamais se opuseram frontalmente anlise expressiva,seno to s ao carter "irremediavelmente unilateral"duma histria da arte que ento parecia exclusivamentebaseada no estudo do elemento de expresso, e que,hoje, sabemos firmada sobretudo no contedo contin-gendal exprimido. Claro est que os acusadores dumaunilateralidade - e s lhes sobrava razo em suas in-criminaes - no haveriam de corrigi-la pelo excessooposto. Por isso, no tememos deixar prximas, aoesboar nosso primeiro panorama, as teorias de Dvorake de Wlfflin, certos de que, tanto quanto as evidentes

    51

  • oposies entre as. duas interpretaes, tambm have-riam de contar as influncias, em dosagem diversa eprovocando reaes variadas, de Riegl e Burckhardt.Sempre o elemento visual haver de desempenhar umpapel importante na histria da cultura que Dvorakdeseja traar (seus crticos acusam-no de menos preci-so exatamente na classificao dos fenmenos qualita-tivos e subjetivos ... ), enquanto ser impossvel des-prezar toda a simbologia que uma poca incute nas suasmanifestaes artsticas, apenas porque nelas se expri-mem, com maior vigor, certos caracteres visuais reco-nhecveis na arte de outras fases.

    Reconhecemos, contudo, que essa tentativa deaproximar pontos-de-vista de qualquer forma discordan-tes pode merecer uma contradita certeira, que nos lem-brar a escolha consciente de caminhos especiais pelostericos que desejamos generosamente avizinhar. Oargumento tem procedncia, mas serve tambm paraconfirmar, ainda mais; nossa tendncia a encarar a dis-tncia entre o ponto-de-vista puramente gentico-formale o ponto-de-vista histrico-social como resultante deum modo especfico de colocar-se o problema, de umaescolha de aproach. como se diz habitualmente, masnunca de uma concepo unilateral da natureza do ob-jeto de estudo. Nesse objeto, um aspecto escolhidocomo principal, fundamental, essencial, mas da nodecorre, necessariamente, a negao dos demais aspec-tos. Dessa forma, as oposies no mais pareceroirredutveis, pois que estaremos antes diante de um casode preferncia metodolgica especial do que, propria-mente, de concepes excludentes.

    Se, provisoriamente, dermos por aceitvel essa in-terpretao e voltarmos ao nosso quadro de posiestericas, verificaremos que estas se estendem por cincoou seis ngulos adjacentes, seno mesmo interpenetran-teso De fato, aqueles que atribuem urna vida prpria eautnoma s formas, colocando-se, pois, na pesquisadas constantes da arte, so responsveis, tambm, peloconceito de que tais constantes constituem, por igual,estgios da evoluo dos estilos, o que j meio cami-nho andado para indicarem-se as cau~as do apareci-mento e enraizamento de determinada forma (sejapelos seus caracteres prprios, seja por significar a re-corrncia de um dos elementos constantes) dentro dos

    52

  • mesmos quadros de sua evoluo especfica e individual.Se, pelo estudo dessa evoluo, vai-se ter s conexessociais que possibilitaram o aparecimento de uma formaindividualizvel e especfica, no haver, realmente, porque preferir a investigao histrico-social pesquisaformal, ou vice-versa, seno apenas porque se julga talou qual aparelhamento de pesquisa mais abundante,mais manejvel ou mais penetrante. Se, pelo contrrio,todo o inqurito se resumisse apenas ao reconhecimentoda recorrncia de um dos termos da constante, o muitoque pudesse interessar o resultado de tal verificao -e longe de. ns o intuito de diminu-lo - no nos im-pediria de reconhecer que a positivao da presena doelemento recorrente no basta, em caso algum, para es-gotar o conhecimento do objeto de estudo. Teramosreafinnado a existncia e a pennanncia de uma dade,uma trade etc., cujo enunciado dialtico recebe, detal forma, a confirmao dos dados da histria vivida,mas restaria por fazer o estudo em profundidade de umaetapa dessa mesma histria. '

    Suponhamos, mais, que, como desejava Wlfflin,assim consigamos firmar a lei fundamental, "psicol-gica". da natureza humana. Mas, ainda concedendoque tal descoberta nos leve a dominar inteiramente asreaes do homem, que se processariam numa cadeiade elos monotonamente ordenados, no resta dvidaque at mesmo nessa simples sucesso haver outrosaspectos a determinar: a maior ou menor rapidez comque reaparecem os passos da srie e o porqu desseapressamento ou retardamento relativo, o tipo de con-juntura histrica que parece possibilitar o estabeleci-mento (ou - se assim se preferir - que decorre doestabelecimento) de cada fase e, pois, a transio deuma fase a outra etc. Em outras palavras, uma cons-tncia fundamental jamais conseguir esgotar o interessee a necessidade do exame da conjuntura circunstancial.

    Essa primeira objeo que se levanta ao ponto-de--vista gentico-formal, sobretudo nos extremos da uni-versaliza:o dos conceitos formais, representa sriodesafio ao culto ortodoxo dessa posio, mas no inte-ressa. em nosso caso, tal esperana de refutao teor-tica, pois, abandonando qualquer veleidade polmica,desejamos examinar as teorias com o intuito de colherum conceito de barroco que nos possibilite maior segu-

    53

  • rana metodolgica. Ora, reconhecida a possibilidadede universalizao do conceito, transferiu-se o tcrmobarroco para o plano das constantes dialticas, masrestar-nos-, ainda em aberto, o problema do prpriobarroco em sua individualidade histrica, acrescendoainda a possibilidade de ser esse o ponto menos cuidadodas anlises que nele apenas esperam encontrar o jestabelecido teoricamente. Que valer dizer, com Fo~eillan, que h um barroco-pr-clssico, um barroco--clssico e um barroco-barroco, se, tendo-se tambm ditoque h um helenismo-pr-clssico, um helenismo-cls-sico e um helenismo-barroco, o maior interesse estarem perscrutar a natureza dos dois primeiros termosdestas sries ternrias e no, efetivamente, em admirar-mos a regularidade com que se repetem os trs qualifi-cativos finais? A objeo dever ser vlida mesmo paraos adeptos da concepo visualista. Chegamos, afinal,a um grau de desenvolvimento dos estudos de histriada arte em que, aceitemos ou no os conceitos funda-mentais wolfflinianos, devemos, afinal, estudar a con-ereo histrica do barroco. Se tivermos por falsa a no-o da recorrncia, o estudo de bvia necessidade,mas, ainda para os mais ortodoxos seguidores de Woolf-flin, certo que duas fases histricas devem interess-los especialmente - a clssica e a barroca -, pois fo-ram os instantes em que, de maneira completa, se ex-primiram ao mximo as constantes que, em outras fases,apenas perpassam a realidade histrica transmutadas emritmo evolutivo. Em outras palavras, para o seguidor deWOlfflin oferece-se, hoje, passada a fase urea da con-quista doutrinria,. uma questo substanciosa e instiga-dora: como e por que se tornou vivel um estilo barroco?

    Na avaliao das possibilidades metodolgicas dasteorias do barroco, impe-se afastar da concepo vi-sualista - que aqui, como sempre,. acabou por girarem torno do nome de Wolfflin - uma confuso perni-ciosa, que se diria mera ambigidade lxica, mas quesempre se estabelece quando se toma o barroco pormedida do barroco. Fora da, as sugestes da teoriavisualista no podem prejudicar sobretudo aos que asrecebem, cautelosamente, como simples sugestes. Sem-pre, ao lado do reconhecimento da "forma em si",poder-se- atentar para a expresso permitida por essamesma forma, bem como o.s que buscam determinar

    54

  • qual a "forma necessria" expresso de determinadacultura no havero de recusar-se anlise dos carac-teres dessa mesma forma. Em face da metodologia dobarroco, a posio gentico-formal s pode sofrer res-tries e crticas negativas no que tange s suas exage-races. Toda a resistncia que parece oferecer 's vises

    m~is particulares do complexo artstico, como se realizouna cultura histrica, provm, afinal, de procurar atendera um duplo fim, pois, se possvel firmar-se e compro-var-se a generalizao pela anlise do particular, quandose transcende, aprioristicamente, ao problema concreto,s se pode perturbar ambas as conceituaes. Assimse explica, alis, a vacuidade das elucubraes de Eug-nio D'Ors.

    To pressuroso em colocar entre seus antecessoreso mestre, a que evidentemente desejava superar, D'Orsesqueceu-se, contudo, de considerar mais rigorosamentesuas conceituaes formais. Assim, onde W'olfflin des-dobrou o conceito bsico de Riegl em cinco smbolos,D'Ors contentou-se com umas largas pinceladas impres-sionistas: o barroco feito de continuidade, multipola-ridade, "formas que' voam". Esqueceu-se, contudo, deque tais qualificativos nem recobrem todo o barroco,nem recobrem s o barroco. Continuidade termomuito amplo, que se aplica a vrios elementos ptico--artsticos c, se aplicado linha, por exemplo, vai convirmaravilhosamente ao contorno fechado do classicismo,sempre disposto, pela continuidade de uma linha desilhueta, a isolar o ente visual do espao ambiente.Tambm a multipolaridade do barroco especfica eno se confundir com a simples anotao de muitosplos que, podendo ser desconexos e apenas justapos-tos, sero encontrveis at nos desenvolvimentos em su-cesso desordenada da arte primitiva. Afinal, "formasque voam" quando muito valero por um conceito eX-pressivo de ordem subjetiva, mas nunca para definir-seopticamente a um complexo visual ...

    Afora esses toques pseudovisuais, Eugnio D'Orscontentou-se com um derramamento de vaguidades filo-sofantes que no se saber enquadrar nem nos rigoresda dialtica, nem nos quadros vivos da histria. Quando

    55

  • Pormenor da pintura do forro da Matriz. SantaBrbara.

  • acentua o contraste entre o clssico e o barroco, noconsegue criar propriamente uma oposio, c quandose refugia na hiptese da coexistncia dos dois estilosacaba por perder, de todo, o domnio da conceituaomnima que parecera deixar assente. Por isso, D'OISpode at acertar quando propositadamente exagera -sente-se o que, de sugestivo, h na aproximaao entre adescoberta do sistema da circulao sangnea de Har-vcy e o barroquismo, condio de raciocinarmos emtermos de uma avanada sociologia do conhecimentoque j conseguisse definir instantes gnseo-formais naevoluo da cultura - mas quase sempre erra quandoprocura ser preciso - toda a ligao que consegue entreos dois fatos de ordem sentimental c faz-nos pensarnuma poca barroca como numa espcie de extravagn-cia coletiva e coercitiva, dando, contudo, frutos degrande rigor cientfico ... No h, pois, por que tomar-mos a srio a sua classificao das espcies barrocasseno para anotar que, registrando um palladianus eum malliera, bem como um tridentinus, sive jesuiticus,da salta ao "rococ", temeroso de enunciar um "barro-c1ws barroclws", seu principal assunto, afinal de con~tas13 .

    Eugnio D'Ors, salvo melhor juzo, valer apenaspara indicar os perigos da exagerao universalizadora,levada por ele aos mximos da ousadia e da gratuidade.

    Em sntese, o ponto-de-vista gentico-formal re-presenta, em que pese a todas as reservas e todas ascautelas que nos inspiram suas freqentes exageraes,uma aprecivel contribuio para a metodologia do bar-roco. Se nos alongamos em consideraes sobre seucarter no-exclusivista, a tanto fomos levados, pelainsistncia com que, de comum, a crtica se refere concepo visualista que lhe d base. De outra parte,voltamos freqentemente ambigidade que atingiu olermo barroco depois que, continuando a denominar umdeterminado complexo formal, passou a rotular tambm

    13. Eugenio D'Ors classifica. no gnero BaTTOchl.ls. as seguintes es-pcies: priSlinllS; archaicus; macedonills; alc:umdrinus; roma,ms; buddhicus;p

  • uma constante em perptua recorrncia, mas aqui cabIa,por igual, a repetio, desde que se tornava necessriodistinguir. entre a contribuio de uma teoria para amais justa conceituao do barroco e a pretenso deuniversalizao que nessa mesma teoria se 'contm. Porisso, deixamos de parte todas as manifestaes do vi-

    ."Suali5mo enquanto aspira a ser a nica doutrina vlidana inJerpretao da arte em evoluo, limItando-nos acuidar da contribuio de Wlfflin e sua escola, comouma compreenso, aprecivel embora parcial, do fen-meno barroco, sem preocupar-nos com a validade ou ainsubsistncia dos seus alegados princpios fundamentais.Por isso, em concluso, parece-nos impossvel ao inves-tigador do barroco deixar de utilizar-se do enunciadoformal - aquela forma pictrica desenvolvida em pro-fundidade, graas organizao de formas abertas que,tendendo unidade do todo, d-nos a clareza relativa- deixado por Wolflin, pouco importando, ao menosprovisoriamente, que possa ou no ser reencontrado emoutras fases da histria da arte.

    Quando passarmos s teorias que tendem anlisehistrico-social, sentiremos tornar-se mais fcil o esforode aproximao com as demais posies tericas. Aqui,em verdade, no encontramos um enunciado interpre-tativo genrico comparvel simbologia visual de Riegl--Wolfflin, pois o conceito fundamental dessas interpreta-es individualizadoras j , em si mesmo, apenas me-todolgico. Se um fundamento comum pode ser encon-trado em todas essas pesquisas, inspiradas por diversasvises histricas e diferentes valorizaes dos vriosfatores sociais, ser, por certo, a certeza que as levoua buscarem a ligao substancial entre determinada for-ma artstica e o ambiente histrico em que' floresceu.Como nenhuma anteviso de como se processa a cone-xo enunciada ab initio pelos autores de tais interpre-taes, sua crtica se far, de comum, prefernciaque, no decorrer do estudo, vem favorecer a tal ou qualcomponente do complexo social. Esse, o caso de Weis-bach, mas quando vemos que acusao de seu exclu-sivismo causal e de sua simplificao de objeto deestudo segue-se a afinnao de que "Weisbach chega

    58

  • alis mesma concluso, mas incidentemente e apesardo ttulo de seu livro"'\ compreendemos que, agora, jno lidamos com esquemas preestabelecidos (ou gene-ralizados a partir da observao particular, mas, desdeento, tidos por imutveis), seno nos defrontamos comaquele tipo de investigao em constante progresso nosentidp da objetividade. Isolar uma causa entre muitas,em tais casos, representa menos uma tendncia in-terpretao exclusiva do que investigao monogrfica,to necessria formulao cientfica dos problemas,Ademab a positivao da influncia dos dogmas tri-dentinos na formulao barroca, influncia inegvel mascuja justa avaliao se impunha fazer, representava oponto-de-vista moral dum investigador que, por certo,iniciou seu trabalho ao tempo em que, de comum, seidentificavam jesutico c barroco. E da importncia detal contribuio, diz bem claramente quanto resulta deseu cotejo com a interpretao de Ballet, igualmenteparticularizadora, embora de mbito mais largo, poiso alertamento do interesse, simultneo e equivalente,pelos fatores polticos e religiosos, s poderia, por certo,iniCiar-se pela verificao da funo de uma ou de outradessas foras sociais. Por isso mesmo, impunha-se areviso de Hauser, encaminhando-nos para a compre-enso de um fenmeno artstico to amplo que, identificando-se e ao mesmo tempo traduzindo o esprito deuma poca, foi capaz de atender s solicitaes dediferentes grupos locais, estruturas econmicas, formu-laes jurdico-polticas e at ideologias ticas e religio-sas. E, como Rauser no rejeita nem refuta as conclu-ses de seus antecessores, mas, pelo contrrio, explcitaou tacitamente as integra na sua interpretao, maisampla e mais justa. compreendemos como os pesquisa-dores de tendncia histricosocial. desligados de com-promissos conceituais apriorsticos e deixando-se levarantes pelas sugestes implcitas no prprio objeto deestudo, no oferecem resistncia a uma formulao geraldo problema do barroco. Suas contribuies, a rigor,no constituem "teorias", seno, mas precisamente, es-tudos, interpretaes.

    H, contudo, nas concluses de Ballet, sobretudose as confrontarmos com a tendncia r-epresentada porDvorak entre os gentico-formalistas, um. elemento

    '4. L\.VEDAN. cil.

    59

  • que no pode passar em silncio. De fato, para deixarpatentes as ligaes entre o "esprito" do absolutismo eo "esprito" do barroco, Ballet lana mo de uma sriede smbolos que devem mais anlise formal do que,propriamente, ao enunciado do contedo subjetivo dasformas analisadas. Sem dvida, Ballet parte dos ele-mentos tico-politicos decorrentes de uma definiobastante geral do absolutismo: decompondo o binmio"poder-ilimitado'\ -lhe possvel chegar a expresses,no mbito vital, desses dois termos que. pelos interme-dirios "existncia", "ao" e "aspirao ao infinito",nos do as caractersticas do "esplendor", da "domina-o", da "violao" e do "movimento sem fim", muitoadequadas s expresses formais do barroco. Porm,malgrado essa ordenao expositiva, que parte do abso-lutismo para chegar ao barroco, sentimos que o barroco,em verdade, inspirou, com sua morfologia, o sentido daanlise. Em outras palavras: Ballet j partiu do abso-lutismo com os olhos postos nas caractersticas formaisdo barroco e, conseqentemente, no objeto poltico, satentou para o que pudesse encaminh-lo ao objetoesttico. Fosse outra a conexo pesquisada - entre oabsolutismo e o sistema econmiCo internaCional seucontemporneo, por exemplo - e outros seriam, porcerto, os traos do poder ilimitado que o interessariam.Em verdade, estamos diante da contrapartida daquelecontedo histrico e cultural que os formalistas noconseguiram dispensar c, lembrando-nos do quase-equi-lbrio a que, entre as duas posies, atingiu Dvorak,somos levados a crer que BaBet dele no se afasta muito- seno pelo ponto de partida ou pelo contedo dasconcluses, ao menos pelo sentido destas. Firme-se,deste modo e mais uma vez, a impossibilidade de disso-ciar forma e contedo nas anlises de histria da arteque aspirem a uma compreenso global dos fenmenos.

    Essas observaes que nos inspiraram as anliseshistric~sociais lcvamnos a compreender que, aqui, nocabe aludir a exageraes, como o fizemos ao suma-riar o caso das interpretaes gentico-formais. Agora,en.::ontramos limitaes, cabendo acrescentar que noso limitaes de origem conceitual, mas, pelo contrrioj

    60

  • decorrentes do desejo de conter-se a pesquisa no campoespecfico de um objeto bem determinado. Assim sen-do. consider-Ia-emas como conseqncias naturais deum mtodo de investigao objetivo, que no precisosubmeter a uma grande depurao crtica para integrarno conjunto das contribuies ao estudo do barroco.Basta anotar, como j o fizemos, que a compreensodo fenmeno, recusando-se a estabelecer-se pela indi-cao de um s fator ou determinante, a