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    PIERRE WEIL

    OndasProcura

    doMar

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    PIERRE WEIL psiclogo francs, professor universitrio e fundador de diversasassociaes nacionais e estrangeiras de psicoterapia.Como psiclogo, fez estgios prolongados com mestres hindus e tibetanos; comoescritor, autor de vrios best sellers, dentre eles O Corpo Fala, RelaesHumanas na Famlia e no Trabalho, Amar e Ser Amado e Revoluo

    Silenciosa.Em Ondas Procura do Mar o autor busca responder, de forma simples, simblicae metafrica, perguntas fundamentais de origem existencial e espiritual, do gnero:Quem somos ns? Qual a natureza do esprito? Qual a relao do homem como Todo?O livro resultado de uma pesquisa bastante valiosa e significativa que contribuide forma ampla para o processo educacional no mbito da psicologia. indicadopara escolas secundrias, cursos superiores de Filosofia e Psicologia e para todos,adultos e adolescentes, que possam se interessar a respeito do tema. uma obra que diverte e liberta simultaneamente.

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    PIERRE WEIL

    Ondas

    Procura

    do

    Mar1987LIVRARIA AGIR EDITORA

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    Uma Estria para os que querem entender melhor o que fazem neste Mundo...

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    CONTEDOCONVITE A DANA

    I. A BRISA

    E eis como costuma comear a estria

    II. O VENTOOndina e a metamorfose das ondasDas amizades de OndinaOndina aprende a cincia e religio dos ondinosA conferncia de Agadois e as entrevistas de Pena de GansoAmores de Brilhantina e Conta-GotasA loucura de Luntico e Onda LoucaOndina se apaixona por SemforoOndina na Gruta de Manitu

    III. A TEMPESTADEAs gotas de ouro aumentam a tenso interondinaA peregrinao de BrilhantinaManitu comea a revelar o grande mistrioOs Ondinos vo guerraO Retiro do Penhasco

    IV. O GRANDE RETORNOA Batalha da Grande IlusoO Grande Retorno

    EPLOGO

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    CONVITE

    DANA

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    Era uma vez... alis sempre houve e sempre haver uma extensoincomensurvel, um espao azul, luminoso, brilhante, de uma beleza indescritvel.Ele est l, com toda sua serenidade.Uma paz infinita o inunda e o impregna. o Grande Oceano, o Grande Todo, este grande Ser sem forma, que forma as

    ondas de sua felicidade, verdadeiras ondas de luz. Esta plenitude, ele a viveconstantemente graas ao grande arrepio de alegria que o percorre a intervalosregulares.Trata-se, sem nenhuma dvida, do maior bal do mundo: O BAL DO GRANDEARREPIO DE ALEGRIA. Este grande espetculo que ele mesmo se oferece apartir dele mesmo simplesmente a expresso do imenso amor que o acaricia.Como Narciso, ele se ama, contemplando seu prprio reflexo em suas prpriasguas.Ele mesmo no tem histria; cada grande arrepio tem uma. sempre a mesma! Eno me pergunte por qu! O Grande Oceano no tem porqus. Ele mesmo anica resposta sem pergunta. Os porqus e suas respostas so apangio dogrande arrepio de alegria e das estranhas personagens encarnadas nas suasondas; cada uma tem tambm sua histria; como aquela de Ondina, de GrandeOrelha, de Pena de Ganso, de Manitu, Respinguinha e ainda de muitos outros.Que eles me desculpem de no os citar todos aqui, mas eles so realmente muitonumerosos.Voc quer saber mais? Voc quer saber por que e como as ondas danam umbal e se transformam em verdadeiras personagens como voc e eu?Pois bem...!Aqui est a histria do BAL DO GRANDE ARREPIO DE ALEGRIA.

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    A BRISA

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    E EIS COMO COSTUMA COMEAR A ESTRIAEla comea sempre assim, a estria do Grande Arrepio de Alegria: Era uma vezuma extenso incomensurvel, um espao azul, luminoso, brilhante, de umabeleza indescritvel...E eis que a brisa do Amor do Grande Oceano se levanta. O silncio absoluto que

    reinava at o presente, transforma-se em um grande som primordial, em ummurmrio to doce como a cano de ninar de uma me que dana uma valsalenta com o pai de seu beb.O Bal do Grande Arrepio de Alegria acaba de nascer. Um nascimento semviolncia, at mesmo um nascimento sem grito; pelo contrrio, um sorriso discretobanha toda a atmosfera: alis se trata de um renascimento, pois esse bal serepete muitas vezes...Docemente, estas ondas aparecem por toda parte; simultaneamente, em todo ohorizonte, elas danam o Bal do Grande Oceano.Na realidade, este Grande Todo que comea a arrepiar de alegria no recnditode seu ser; cada uma de suas ondas feita de verdadeira felicidade. Elas danamem perfeita harmonia. Elas seguem, espontaneamente, uma lei que garante esustenta essa harmonia.Sem esta regra fundamental o bal se perde, seu ritmo inebriante se desfaz e oGrande Arrepio de Alegria desaparece. Esta lei de harmonia do Grande Todo detal maneira importante nesta histria que eu me apresso a explic-la.Ela to simples, esta lei. Graas a ela, o Grande Oceano tem o poder milagrosode conservar cada uma de suas ondas, o tempo necessrio para manter o Bal.Eis portanto a Lei:Nenhuma onda pode aproximar-se muito, nem afastar-se demais da outra.Para a boa execuo dessa Lei ele instituiu duas foras magnticas opostas uma outra. A primeira, positiva, faz com que as ondas sejam atradas fortemente umaem direo outra; a outra fora magntica intervm cada vez que uma onda seaproxima demais da outra; ela as faz afastarem-se. Eu dou a vocs aqui ofuncionamento geral: como toda Lei, ela tem algumas excees em certassituaes;

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    por exemplo, no caso de duas ondas que se amam e querem ter um beb, ouquando as ondas fazem a guerra das ondas. Mas no nos antecipemos!Eu lhes dou estes dois exemplos para mostrar-lhes como vai ser importante essaLei.A energia do Grande Todo se manifesta, pois, desta forma no comeo de cada

    Bal. No mais, tem tambm a fora da brisa que garante o movimento de todas asondas e dirige as grandes etapas da histria do Grande Arrepio de Alegria.Estamos aqui na fase da brisa que corresponde primeira infncia do Bal.Nesta poca as ondas no sabem que so ondas. Elas no sabem absolutamentenada de nada porque no pensam ainda; no tm nenhum pensamento. Elas soainda o Grande Oceano e nada mais; mas um dia vo esquec-lo, ou melhor, oGrande Oceano, para aumentar sua alegria pelo seu arrepio, decidir de pensarseparadamente em cada onda... e a que as coisas vo se complicar!Mas isto o futuro. Pelo momento, o Grande Oceano desfruta da primeira etapade seu plano de Bal! Pensa no plano e usufrui dele ao mesmo tempo.Cada uma de suas ondas no mais do que a expresso de seu grande arrepiode xtase. Sim! O Grande Todo est em xtase. Como bom, como doce, quemaravilhoso para ele!A cada momento ele diferente pelas suas ondas que o mudam e o transformam.E no entanto, a todo instante, ele o mesmo pela cor azul de sua brilhanteluminosidade que traduz sua onipotncia. Em cada onda est o mesmopensamento; esse seu pensamento reproduzido milhes de vezes, como a lua queaparece em muitos copos d'gua, ou o mesmo programa de TV em inumerveisaparelhos receptores.

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    O VENTO

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    ONDINA E A METAMORFOSE DAS ONDASS o vento poderia comear esta transformao, esta metamorfose das ondas.Voc se lembra disto: sob a brisa o Grande Oceano estava presente em cadaonda; pode-se mesmo dizer que ele era cada uma delas. Agora as coisas vomudar. Para se amar mais e falar com ele mesmo, seu vento aumenta a altura de

    suas ondas.Elas podem agora se ver uma s outras; com a condio, contudo, de ter a visopara isto. Para este efeito, o Grande Todo decide dar-lhes sua capacidade desentir, de tocar, de ouvir, de saborear e de ver. Isto faz parte de seu plano quecada onda seja dotada, separadamente, de todas suas sensaes.Ela ouve agora o canto bem caracterstico do vento que dita a cadncia do Bal; acano de ninar da brisa tomou o ritmo de uma valsa cadenciada. Quando umapassa ao lado da outra e a roa, elas percebem o som de um ligeiro frufru, aomesmo tempo que sentem um toque muito leve.Cada onda comea a perceber a sombra das outras que passam; muitovagamente a princpio, como um beb percebe pela primeira vez o seio de suame.No final das contas, as ondas que comeam a ver no podem faz-lo seno moda das vagas, quer dizer, vagamente...Bem ! Voltemos ao srio e sigamos de mais perto Ondina e as mudanas que seoperam nela. Ondina uma das ondas. Ondina dana de acordo com o ritmo dovento e de seu canto; ela toma parte desse canto. graas ao frufru do qualacabamos de falar. Cada frufru quer dizer ao mesmo tempo: Eu te amo, eu querosua felicidade; como se Ondina e todas as outras ondas exteriorizassem osprofundos sentimentos que animam o Grande Oceano.Mas, pouco a pouco quando o frufru de Ondina diz eu te amo, a uma outraonda que ela fala; no mais o Oceano que se fala a si mesmo; ela no sabe maisque ela o Grande Oceano; este, ao contrrio, continua a saber que Ondina tambm ele mesmo. Esta uma operao mgica, uma espcie de iluso de tica;embora Ondina pense que ela ela mesma, o Grande Oceano continua a saberque Ondina no seno ele mesmo numa onda que se apercebeu que diferentedas

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    outras. um pouco como quando estamos no cinema e que nos esquecemosquem ns somos no momento em que o bandido rapta a criancinha e que aomesmo tempo sabemos que estamos no cinema; sada temos a impresso dehaver sonhado.Em Ondina, o Grande Oceano vive uma espcie de sonho. E esse sonho torna-se

    cada vez mais intenso medida que as sensaes de Ondina e de todas as ondasse fazem mais precisas. um perodo ainda muito obscuro para Ondina; ela nosabe mais que ela o Grande Oceano, mas no sabe ainda quem ! apenas medida que reencontra as outras ondas que seus sentimentos sedesenvolvem. Por exemplo, a cada rudo ou frufru de contato, se associa asensao da onda que segue ao lado de Ondina. Com isto, pouco a pouco, aaudio dos sons e a vista das formas se aguam. Os frufrus coincidem por todaparte, sempre com o contato da onda que passa ao seu lado, se se pode exprimirassim para designar a base de seu corpo.Ondina v, ouve, toca e cheira um certo odor marinho.O olfato de Ondina se refina, sem contar sua aptido em distinguir o gosto deoutras ondas, proveniente de gotcolas que salpicam em sua boca, porque agoraela tem uma boca bem sua; um sabor iodado e salgado, bem especfico.Ondina comea tambm a distinguir seu corpo dos outros corpos das ondas,graas ao seu movimento de dana que contribui para criar a idia de separao,idia de que ela uma onda separada das outras ondas.E eis que j muitas vezes, quando seu corpo toma um determinado ngulo, ela vo reflexo de sua forma e movimento na gua.Sim! Decididamente Ondina sente que ela alguma coisa separada das outras.Alguma coisa ou algum? E ento que, pouco a pouco, ela se pe a comparar asdiferentes sensaes entre elas, das ondas que passam com o reflexo de seuprprio corpo que agora ela j tem o hbito de reconhecer. Ela compara suaspercepes entre elas; mede com os olhos e eis que comea a pensar; a princpio

    com as imagens, estas espcies de fotos que lhe passam pelo esprito. E depois,vm os nomes; j vrias vezes ouviu seu nome pronunciado por outras ondas maisvelhas do que ela e que decidiram cham-la assim: Ondina. Isto soa bem em suaorelha, pois ela tem uma, ou melhor ainda, duas; estas ondas mais velhas provm

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    de outros arrepios de alegria, de outros lugares do Grande Oceano, o que faz comque a linguagem das ondas se perpetue de arrepio em arrepio.No somente a linguagem, mas tambm a cincia, a histria, a geografia e aliteratura, so tambm conservadas assim e transmitidas de gerao em gerao emuitas outras coisas ainda que Ondina vai descobrir pouco a pouco medida que

    ela vai danar o Bal do Grande Arrepio de Alegria.DAS AMIZADES DE ONDINAQuanto mais Ondina pensava nas semelhanas e diferenas das ondas que elareencontrava em seu caminho, mais ela queria saber; uma curiosidade insacivelse apossou dela. Ela queria aprender tudo daqueles que sabiam mais do que ela;e era isto que faltava. De dia, tagarelava com as outras ondas, danando comelas;, noite continuava a danar, mas sem falar; ela nem mesmo pensavadurante a noite; foi bem mais tarde que compreendeu por que, o que foi umasurpresa para ela e para todos aqueles que aprenderam certos segredos da vidadas ondas com Manitu; uma surpresa que reservamos para voc tambm, vocque nos acompanha neste Grande Bal.Ondina compreendeu tambm mais tarde por que queria tudo saber. Pouco apouco comeou a sentir prazer em se contemplar na gua; passava horas aadmirar-se; ora, isto a perturbava; e mais tarde foi tomada de uma vaga (ainda...!)nostalgia, de uma espcie de sentimento de que lhe faltava alguma coisa, oualgum, o que lhe dava algumas vezes uma tristeza infinita; ela se sentiaconstantemente s no meio da multido.Um dia, Manitu, o Sbio, a far sair deste estado que se torna mais forte naadolescncia, mas que se prolonga por muito tempo aps, se bem que mais fraco.No fundo dela nasceu uma questo essencial que se tornou mais clara medidaque envelhecia: Quem sou eu? O que fao aqui? Por que que eu existo? Squando encontrar Manitu vir a resposta verdadeira a estas perguntas e a pazinterior, graas a uma experincia secreta.Na espera, ela passeia e aprende um tanto de coisas e conhece um tanto depessoas, perdo... de ondas.

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    Uma das primeiras descobertas que fez que havia uma diferena fundamentalque dividia as ondas em duas categorias: as masculinas e as femininas; e aospoucos constatou que havia ondas mais fortes que as outras; quando ela asroava, seu frufru era mais acentuado e seu contato mais brusco. Na adolescnciacomeou mesmo a sentir uma espcie de atrao por estas ondas. Durante muito

    tempo, ela pensou que esta nostalgia que sentia tinha qualquer coisa a ver comesta atrao. Com os mais velhos, aprendeu que havia efetivamente duas grandescategorias de ondas: os Ondinos e as Ondinas e que ela era uma Ondina; e havialhe dado at o nome de Ondina porque as pessoas achavam que elaverdadeiramente era muito, muito ondina; muito mais do que as outras ondinas,era doce, carinhosa, cheia de charme e toda inquieta quando os ondinos seaproximavam dela. Ondina requebrava mais do que as outras ondinas; por istoque muito cedo ela atraiu o cime e a inveja. As outras ondinas no atraam de talmaneira a ateno dos ondinos porque elas no se remexiam com a maneiragraciosa de Ondina e, portanto, quando elas se miravam nas guas, viam,confusas, que Ondina era muito mais bela; sobretudo claridade da lua. Ondinaera bem mais branca. Quanto aos Ondinos, eles brilhavam mais ao sol do que asOndinas.E foi assim que se acentuou mais e mais na mente de Ondina a crena de que elaera diferente dos outros Ondinos, e da gua onde se refletia. por causa desta crena que Ondina aprendeu a falar em termos de Eu e deMim. Isto lhe deu uma segurana muito grande de poder dizer: Eu dano ou Euvejo; apareceu o prazer de poder afirmar: Meu corpo, Minha brancura; foiassim que nasceu nela, pouco a pouco, o sentimento de orgulho; bem verdadede que era um orgulho normal a quase todos os Ondinos e Ondinas; no como ode sua amiga Brilhantina, porque esta tinha um orgulho verdadeiramenteexagerado; foi-lhe at dado este nome por causa da vaidade de que tinha de sermais brilhante do que os outros. Era preciso fazer-lhe elogios para ser sua amiga;

    ela menosprezava as pessoas que no os fazia; ou pior ainda, as odiava. Ondinacompreendeu isto desde o incio. Eis por que, antes de entabular uma conversa,elogiava a beleza de seu brilho. Olhe! Ela est chegando!

    Bom dia, Brilhantina, como voc bela! O reflexo brilhante de seucorpo est mais soberbo que nunca!

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    Bom dia, Ondina; verdade o que voc disse a; olhe minha espduadireita; ela tem um brilho todo dourado hoje; como isto me torna feliz!

    Seu torso se inchou de orgulho; seu brilho aumentou ainda e ela comeou arequebrar mas no to bem como Ondina; ningum ultrapassava o modo deremexer-se de Ondina e disto ela tinha um certo orgulho; mas no o demonstrouna presena de Brilhantina; bem ao contrrio!

    E como voc se movimenta bem, Brilhantina!

    Voc acha mesmo?

    Mas sim! Olhe, outro dia eu vi Conta-Gotas se voltar ao ver vocpassar to bem voc se remexia.

    O brilho da testa de Brilhantina tornou-se vermelho de emoo:

    Conta-Gotas! Ele me agrada, este rapaz; isto me faz sonhar... imaginavoc, Conta-Gotas e eu, que casal maravilhoso seria! Todo mundo nosadmirar e morreria de inveja; voc j pensou? meu brilho seajuntando s gotas de ouro que ele coleciona todo o tempo; eu poderiamesmo ajud-lo a fazer coletas! Oh! Ondina, voc quer apresentar-me?

    Mas, lgico! A prxima vez que eu o encontrar fao-lhe um sinal, sim?

    De acordo!

    E elas se separaram com esta promessa.Brilhantina partiu sonhando com Conta-Gotas e no prestgio de suas gotas deouro; quanto Ondina, esta conversa lhe deixou uma certa amargura.

    Eu, Eu, Mim, Mim, Mim, Eu, Eu.... E tudo que ela sabe dizer, estaBrilhantina!

    Ondina imaginava agora o par eventual; evidentemente havia bastantes pontoscomuns entre os dois: o orgulho de Brilhantina com a avareza de Conta-Gotas. Ah!Eu me esqueci. Permita-me apresentar-lhe Conta-Gotas. Ele chamado assim porcausa de sua parcimnia; ele era avaro e passava seu tempo a colecionar gotasde ouro. Voc me pergunta o que uma gota de ouro? Voc no sabe? Vocdeveria saber! E o que h de mais precioso no mundo dos ondinos, pelo menos deuma parte dos ondinos, os que so chamados de agadoisostas (o que um

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    agadoisosta, eu lhes explico mais tarde, seno seria muita coisa para serexplicada de uma s vez!); as gotas de ouro so as gotas brilhantes; elas so maisfreqentes em regies onde h mais sol; mas l elas no duram muito tempo, oque fazia o desespero de Conta-Gotas.

    Seis milhes quatrocentos e cinqenta e um, seis milhes quatrocentose cinqenta e dois, seis milhes quatrocentos e cinqenta e trs...

    Cada gotinha brilhante que ele encontrava e que salpicava das outras ondas, elese apossava dela e contava sem cessar; passava seu tempo a contar as novasgotas de ouro; ao mesmo tempo ficava infeliz, tenso e ansioso porque as gotas deouro no duravam muito! Assim nutria um sonho; ele ouvira falar de gotas de ouroslidas que se encontravam nas regies glaciais; eram gotas de ouro congeladas;elas eram menos brilhantes, mais brancas, mas elas duravam; este sonho de tergotas congeladas tornou-se uma idia fixa; este ser mesmo um dia um motivo deguerra entre os Ondinos...

    Na primeira vez que ele viu Brilhantina, o que justamente o atraiu foi o nmeroexcepcional de gotas de ouro que salpicavam de seu corpo; era um verdadeirofogo de artifcio de gotas de ouro; ele mesmo conseguiu apossar-se de algumasdelas; as gotas de ouro de Brilhantina eram na verdade muito, muito brilhantes!Que alegria em cont-las e que tristeza v-las desaparecer to depressa. Foi aque lhe veio uma idia genial: fazer a corte a Brilhantina e declarar-lhe seu amor,pois ele pensava agora que a amava; na realidade, confundiu seu interesse emgotas de ouro com o amor; uma confuso que fazem muitos ondinos, diga-se depassagem. Mas os outros ondinos nutrem em geral outros sentimentos, emparticular, a atrao que sentem passagem de uma ondina. Conta-Gotas sentiuisto muito pouco, de tal maneira estava siderado pelas gotas de ouro e ocupado

    em cont-las; nem mesmo chegou a distinguir esta atrao pelas gotas de ouro daatrao por Brilhantina; ele tomou uma pela outra; isto no muito diferente emtoda parte, pois as duas levam os ondinos a querer possuir; no caso que chamamde amor, eles querem possuir-se mutuamente; no caso de gotas de ouro, querempossu-las... E quanto mais crem no seu Eu e seu Mim, mais crem tambmque podem possuir qualquer coisa, ou qualquer um...

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    Conta-Gotas combina agora as duas possesses em uma s pessoa: Brilhantina.No como o amor de Respinguinha! Falaremos dela mais tarde; amor verdadeiro este Amor de Respinguinha!O amor de Conta-Gotas o fazia sonhar. E eis seu sonho: conquistar Brilhantina;com isto ele teria o tempo todo uma fonte viva de produo de gotas de ouro sua

    disposio! E mais tarde, quem sabe, eles viajaro juntos, danando at chegar fonte das gotas de ouro geladas; e ento, Brilhantina produzir gotas de ouro queduram; estas sero as melhores gotas de ouro que jamais se produziu sobre aface do Oceano!Ele no sabia como seu sonho estava prestes a se realizar! Ondina continuava adanar ao ritmo ditado pelo vento e a pensar em Conta-Gotas e no orgulho deBrilhantina. Ela os compara a Respinguinha. Que diferena! Respinguinha tinha ocorao na mo. Ela respirava a bondade; sua beleza era interior. EnquantoConta-Gotas no pensava seno em apossar-se das gotas de ouro e guard-las,Respinguinha distribua as suas a todo mundo que precisasse; que as gotas deouro serviam entre outras coisas para manter ou restabelecer a sade e a fora deuma onda doente ou fatigada; a todos os sofredores que ela encontrava em seucaminho, distribua as gotas de ouro. Antes de pensar em Brilhantina, Conta-Gotasquis ter uma relao amorosa com Respinguinha; eles chegaram mesmo afreqentar-se durante certo tempo; Respinguinha tinha piedade de Conta-Gotas; oque a tocava mais era sua insatisfao permanente. Mas isto no durou muito,porque Conta-Gotas tornou-se ciumento e queria todas as gotas de ouro para simesmo. Respinguinha se deu conta depressa de que no podia mais d-las a todomundo que tinha necessidade delas; Conta-Gotas, de seu lado, lhe fazia, semcessar, cenas de cime; no curso da ltima, a mais violenta, ele lhe virou as costase partiu danando no sentido oposto, o que era contrrio Lei da qual falei logo nocomeo; ele quase foi engolido por um turbilho.Quanto mais Respinguinha dava as gotas de ouro, mais ela tinha capacidade de

    produzi-las; era um verdadeiro milagre! Conta-Gotas, ao contrrio, perdia suasforas proporcionalmente ao nmero de gotas de ouro que ele tentava armazenar:quanto mais tinha, mais perdia.Ondina amava muito Respinguinha; elas eram mesmo muito amigas.

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    Ol! Voc por aqui? Como vai sua vida? Voc se restabeleceu de suagripe? Espero que o reforo das gotas de ouro que salpiquei sobrevoc tenha lhe feito bem!

    Respinguinha cruzou com Ondina por acaso:

    Pobre Pena de Ganso! Eu a vi agora, ela tem uma cimbra na mo; elaescreveu todo este ltimo tempo. Eu a salpiquei caprichosamente, eopa! findou a dor! Como estou contente!

    Sim! Respinguinha era verdadeiramente um ser raro entre as ondinas; sentiaprazer em aliviar os outros de seus sofrimentos; a verdadeira compaixo! Elavibrou de alegria quando soube que Ondina tinha apresentado Conta-Gotas aBrilhantina; porque, apesar de tudo, amava Conta-Gotas; como a todo mundo, lhe

    desejava o bem; este o verdadeiro amor; e em vez de ficar ciumenta, a idia daperspectiva da felicidade, ou pelo menos da alegria de Conta-Gotas, a encheutambm de alegria. Ela at mesmo vibrou de regozijo ao pensamento da alegria deBrilhantina, malgrado no conhec-la. muito raro, entre as onda, algum queconhece todo mundo sem exceo; as ondas, em geral, no amam seno algunsamigos ou parentes; e mesmo isto com muita reserva. O Amor e a Compaixo deRespinguinha eram ilimitados.Mais tarde Ondina aprende com Manitu, o Sbio da Caverna, de onde vem estapureza de corao. Ondina, no fundo, gostaria de ser assim; mas ela tambm temdificuldades; divide as pessoas em boas e ms; os defeitos dos outros, como, porexemplo, o orgulho de Brilhantina ou a avareza de Conta-Gotas a irritam; como naturalmente gentil, ela mantm boas relaes com eles; mas isto no o amorincondicional de Respinguinha ou de Manitu; porque Manitu tambm assim.Malgrado seu isolamento na gruta do Grande Penhasco, ele recebe todo mundoque vai procur-lo com o mesmo fervor e o mesmo devotamento caloroso e cheiode entusiasmo. Salvo que lhes d algo bem mais importante do que as gotas deouro!Disto falaremos mais tarde...Alis, Ondina ainda no conhece Manitu; ainda no est preparada para receberos seus ensinamentos; por enquanto, quer viver a vida e conhecer tudo. Suacuriosidade ser muito satisfeita em seus encontros com Dixite. Dixite um velhoprofessor que passa seu tempo a estudar e ensinar; ele sabe das coisas, esteDixite!

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    Seu aluno preferido, o Pesquisador, estava justamente com ele quando Ondina foifazer-lhe uma visita, danando, bem entendido: pois danando como todos osondinos que Dixite ensina.ONDINA APRENDE A CINCIA E RELIGIO DOS ONDINOSEla aprendeu coisas de Dixite desde sua primeira visita! Ela sabe agora que h

    regies frias e glaciais e regies quentes; ela compreende muito bem por que noite seu corpo se resfria e de dia se torna mais quente; sabe tambm que vivenuma regio muito quente; nas regies glaciais muitas ondas morrem tornando-seslidas. Ela chegou justamente no momento em que Dixite explicava aoPesquisador as diferentes maneiras pelas quais os ondinos tm de morrer.Pesquisador seu aluno preferido, porque ele adora fazer perguntas; e comoDixite gosta de responder, eles se entendem muito bem!Pesquisador: Eu pensava que as ondas no morriam seno nos turbilhes ou develhice quando seu corpo diminui e elas desaparecem... Elas morrem tambmcongeladas?Dixite todo contente pela ocasio de explicar alguma coisa, comea a vibrar deprazer:

    Sim, e h tambm a morte no turbilho e a morte de velhice porabsoro; o que ns chamamos de enmarmento; h tambm oenterro.

    Pesquisador: O que isto, enterro?Dixite: Enterro quando uma Ondina ou um Ondino se aproximam muito dacosta; eles so ento atirados em direo terra e literalmente so destrudos porela; o que aconteceu com Risco. Vocs se lembram bem de Risco, aquele rapazque adorava afastar-se das outras ondas, roando os turbilhes; todo o mundo o

    admirava no seu esporte aventureiro e imoral. Pois bem, um dia ele se cansoudeste gnero de aventura e se especializou em danar sobre o limite onde comeaa atrao da terra; e passou muito tempo at o dia em que ele vacilou e opa!perdeu o controle e se fez enterrar. Bem feito! Ele jamais quis seguir minhas liesde obedincia absoluta Lei.

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    Assim, Ondina recebeu de Dixite excelentes ensinamentos de moral; eraverdadeiramente imoral aproximar-se muito de outra onda ou separar-se dasondas. Risco no acreditava absolutamente nesta Lei; e muitas vezes eleencontrou meios de contorn-la. Ondina tinha algumas vezes tambm dvidassobre esta moral; quando ela falou disto a Agadois, o ondino cientista deu uma

    gargalhada:

    uma Lei da Natureza, uma Lei cientfica; ns a chamamos de LeiMagntica, nenhum Ondino, nem nenhuma Ondina, podem aproximar-se ou afastar-se muito um do outro; se eles se aproximam demais, elesse fundem um no outro e desaparecem por enmarmento; se seseparam muito morrem por turbilhonamento, ou por enterro se estoprximos da costa.

    Isto o que diziam todos os agadoisostas, os partidrios de Agadois; porqueAgadois era muito clebre por causa de sua teoria sobre a composio atmica

    da gua, e ele criou um partido com milhes de discpulos.Dixite, ao contrrio, embora muito inteligente e Professor, era um Oceanusista; osOceanusistas adoravam Ocenus, uma divindade muito severa e que, num dia detrovo, tonitruou:Voc no se misturar outra onda.Voc no se afastar das ondas.Voc trabalhar na Dana sem cessar.Os Oceanusistas eram muito rgidos com sua moral, o que se refletia em suadana; ela no era mais uma valsa harmoniosa; mais parecia um foxtrote; elestinham tal medo de serem punidos por Ocenus que no escutavam mais amsica harmoniosa do vento; eles se olhavam uns aos outros por medo de

    ultrapassar os limites. que Ocenus havia vociferado demais:Aqueles que desobedecerem minha Lei sero punidos de morte e noretornaro ao meu seio.E como no curso da histria do Bal fez bastantes enterros e turbilhonamentos, osoceanusistas esto agora com medo de morrer desta maneira; o enmarmento elesaceitam mais facilmente porque ele lhes disse que se

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    obedecerem Lei, continuaro a viver numa felicidade permanente; se, aocontrrio, desobedecerem, sero fervidos ou congelados pela eternidade. istojustamente que eles esto tentando evitar a todo preo; acreditam at queOcenus tenha punido a espcie ondina e a tenha condenado a danar dia e noitepor t-lo desobedecido; parece mesmo que o primeiro ondino se deixou tentar pela

    primeira ondina e quis com isto saber um pouco mais... foi a que tudo comeou...Ondeva, a primeira ondina, teria oferecido o salpico de uma primeira gota de ouroa Ondo, o primeiro ondino; ele teria aceitado. Conta-se tambm que Ondeva teriasido proveniente de uma parte de Ondo! Tudo isto est escrito nos anais dahistria sagrada que os Oceanusistas distribuem gratuitamente, quer dizer, sempedir, a quem os quiser, gotas de ouro em troca.Um dia Ondina encontrou um grupo de Oceanusistas que, danando, escutavamatentamente um sermo de Ortus, o chefe espiritual atual:Meus queridos amigos Ondinos!Minhas queridas amigas Ondinas!Adoremos Ocenus, porque a Ele que devemos tudo! Foi Ele que nos criou,porque Ele o pai de Ondo, o primeiro ondino, ele tambm nosso Pai, de nstodos.Amaldioados sejam aqueles que desobedecerem sua Lei!Eles no so dignos seno de nosso mais profundo desprezo.Estes desprezveis, estes imorais que se aproximam muito uns dos outros, ouestes egostas que querem danar inteiramente ss.Neste momento passa justamente o filho de Risco, que seguiu o exemplo de seupai, sabendo muito bem que este morreu por enterro por ter freqentado muito oslimites proibidos. Risco Jnior, como se chamava, se divertia loucamente em roaros limites de contato das ondas; preferia as ondinas; arriscava assim a vida porfuso; chegou a atacar um Oceanusista. Todos os membros do grupo tornaram-severmelhos de furor:

    Porcalho! Fora de campo! Vamos destru-lo! Imoral! Abaixo RiscoJnior!

    E assim foram as invectivas com as quais os Oceanusistas bombardearam RiscoJnior, que alis no prestou a mnima ateno; ele no acreditava nestashistrias para boi dormir; a verdade era o que seu pai havia ensinado; para ele,Ocenus era uma histria para criancinhas e nada mais do que isto. Ele estava de

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    acordo inteiramente com Agadois; a gua feita de tomos de hidrognio eoxignio; e isto tudo! A frmula de H

    20 a ltima verdade; admirava muito

    Agadois por ter recebido esta frmula como nome prprio. Era verdadeiramenteuma grande honra. Um dia ele se divertiu muito; foi quando foi roar as zonasgeladas das regies frias para experimentar um segredo que lhe havia confiado

    seu pai. Foi l que viu os discpulos de Ortus, em peregrinao, adorando umimenso ondino gelado, muito belo, alis, em sua brancura de Iceberg; era umaesttua de Oceanondino, o ondino que se dizia Ocenus, e que, por estesacrilgio, foi condenado morte pelos ondinos da poca; estes julgavamimpossvel que um ondino pudesse ser Ocenus .ao mesmo tempo; eles erammuito rigorosos sobre isto e todo ondino que se dizia Ocenus era punido de mortepor turbilhonamento. Foram os ancestrais desses ondinos que receberam a Lei;eles receberam instrues diretas da Lei. durante uma tempestade memorvel!A CONFERNCIA DE AGADOISE AS ENTREVISTAS DE PENA DE GANSOOndina no sabia o que pensar diante destas duas grandes correntes de opinio

    pblica; ela se tornava mesmo cada vez mais embaraada ao ver os ondinosbrigando em nome destas idias.Sua confuso aumentou no dia em que assistiu a um curso de Agadois sobre anatureza das ondas; isto ento foi muito forte para ela; sabe voc o que este sbioafirmou? Pois bem, eu convido voc para assistir a uma parte de sua dissertao;Ondina estava toda orgulhosa de constatar que pessoas to ilustres como Pena deGanso, escritor e jornalista, Gnius, o inventor, Musinha, a famosa ondina poetisa,e Telogus queriam marcar sua presena neste extraordinrio evento, no curso doqual Agadois iria comunicar ao erudito pblico sua nova teoria:Respeitveis autoridades presentes!Ondinos e Ondinas!

    Dancemos em homenagem Cincia, pois graas a ela que lhes apresento hojeuma descoberta que revoluciona tudo que eu pensava at o presente sobre aorigem dos ondinos.

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    Depois de minha ltima descoberta sobre a composio da gua em Hidrognio eOxignio, resumida na frmula H

    20 que todos vocs bem conhecem, fui levado a

    examinar de mais perto a composio das gotas de ouro; a hiptese que, comoas gotas de ouro emanam do corpo dos ondinos, se se chegar a conhecer acomposio de uma gota de ouro, saber-se- de que feito um ondino.

    Pois bem!Ele se calou um instante para criar um ambiente de suspense:As gotas de ouro so de gua, e se as gotas de ouro so de gua, os Ondinostambm so feitos de gua!Um murmrio de estupor, at mesmo de assombro, atravessou a multido.E Agadois acrescentou com um ar orgulhoso e vitorioso:Isto prova que nossa origem no Ocenus como afirmam os ondinossupersticiosos, mas o hidrognio e oxignio.E sua voz se fez to tonitruante que enfureceu os partidrios de Ocenus quandoditou sua Lei:Nossa origem, ns os ondinos, H... Dois... OOO!

    O final se prolongou e perturbou o ritmo da dana, pois modificou a msica dovento; isto no durou, felizmente, seno um momento, pois iria desorganizar umaboa parte do Bal do Grande Arrepio de Alegria, porque havia milhares de Ondinosque assistiam a esta comunicao histrica. verdade que aconteceram muitosacidentes: uma Ondina de certa idade saiu do ritmo e se fundiu com um jovemOndino; eles desapareceram rapidamente. Alguns outros, paralisados pelasurpresa, se afastaram da multido e foram absorvidos por turbilhes; isto era,alis, prova tangvel do pecado cometido por Agadois, do ponto de vista dosOceanusistas; que sacrilgio! Isto no podia continuar assim por mais tempo! Osque estavam presentes se retiraram imediatamente em sinal de protesto; elesestavam simplesmente indignados! Prometeram fazer um relatrio imediato a

    Ortus; era necessrio acabar de uma vez com Agadois e seus partidrios!.Pena de Ganso tomava notas, observava tudo que se passava e na sada fezvrias entrevistas.Gritos histricos:

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    Abaixo os Oceanusistas eram misturados emisso de um lemacadenciado:

    Agadois ao poder! Agadois ao poder!Ela assistiu a qualquer coisa de lamentvel; justamente diante de seus olhos, umagadoisosta fantico saiu do ritmo da dana, precipitou-se sobre um Oceanusistato fantico como ele que urrava:

    Abaixo Agadois!

    Em alguns segundos, os dois se fundiram e desapareceram por morte por fuso;isto quer dizer, a morte daqueles que se aproximam muito um do outro; foi tambmo que veio a acontecer velha dama ondina e ao jovem ondino. E bem triste vertudo isto! Pena de Ganso tomou nota deste ltimo feito que arriscava pr fogo nafogueira, ou melhor, provocar um grande Salpico de lama, se quisermos nosexprimir em termos ondinos. Ondina se encontrava bem perto; pela primeira vezem sua vida, acabava de assistir a uma fuso e se perguntava se seria verdade oque dizia Ortus, isto , que as pessoas que se fundiam durante a clera iam parauma espcie de inferno onde seriam fervidas pelo fogo do sol. Ela assistiu tambmpela primeira vez s entrevistas feitas por Pena de Ganso.Pena de Ganso era uma jornalista e escritora renomada. Ela interrogou a princpioum agadoisosta que passava por a:

    Voc quer dizer aos leitores da Gazeta Ondina qual sua opiniosobre a conferncia do Professor Agadois?

    A resposta foi instantnea e fulgurante:

    Fantstica, fatos indiscutveis; a revoluo do sculo! Como aGazeta Ondina era um jornal que no tomava partido, em suma, umjornal neutro, era necessrio entrevistar tambm, imediatamente, umOceanusista; eles se haviam retirado todos, escandalizados. Ela, noentanto, encontrou um ltimo que queria fazer um relatrio maiscompleto a Ortus e que havia decidido ficar at o fim:

    E verdadeiramente inadmissvel; uma mentira grosseira! A origem dosondinos Ocenus; isto no pode absolutamente ser a gua; mesmo

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    ridculo pensar que ns fomos criados pela gua! Agadois , ou louco, ou

    muito astucioso; ele vai acabar mal! Ocenus j comeou a grandepunio: as fuses e os turbilhes acabaram de mostrar sua vinganae ns vamos ajudar Ocenus; basta que Ortus nos d a ordem! Eu

    vou v-lo para contar-lhe em detalhes tudo que aconteceu; eu lhesgaranto que vai ser um caso srio!

    Pena de Ganso sentiu um frio nas costas; reteve um calafrio de horror, porquequeria guardar sua aparncia de neutralidade; a situao era mesmo perigosa egrave; isto poderia terminar em massacre ou suicdio coletivo por salpicos de lamaou fuso geral! Ela estava quase em pnico; Ondina tambm tinha medo.Eis aqui Telogus, um filsofo notvel e muito conhecido por seus trabalhos sobrea natureza de Ocenus! Ningum melhor do que ele para dar uma opinioautorizada; quando se diz uma opinio autorizada, no se sabe bem quemautoriza; em todo caso, uma autoridade respeitvel e respeitada.Ondina estava muito curiosa por conhecer a resposta de Telogus pergunta dePena de Ganso:

    Aps a declarao do Professor Agadois, voc pensa ainda queOcenus o criador dos ondinos?

    Mas certamente, minha querida Pena de Ganso. Como voc queriaque fosse de outra forma? Ocenus a causa primeira. O primeiroprincpio da existncia. Antes dele no havia nada; sem ele serianecessrio inventar um!

    Timidamente, Pena de Ganso arriscou uma segunda pergunta, apesar de nohaver compreendido muito bem a resposta de Telogus:

    Sim, mas, e a gua?

    Ocenus foi o Criador de tudo, ele criou tambm a gua; nada impede,alis, que tenha sido a partir da gua que ele criou Ondo, o primeiroondino. Os anais secretos no do nenhuma preciso a respeito desteassunto; no h, portanto, nenhuma contradio entre a descoberta doProfessor Agadois e o ponto de vista Oceanusista! Eu acho que elefoi

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    um pouco precipitado em suas concluses, que arriscam provocar uma

    grave crise entre os ondinos.

    Pena de Ganso ficou muito contente por haver encontrado algum que deu uma

    opinio conciliatria; ainda havia uma esperana. .. Quanto a Ondina, ela haviacompreendido muito bem o que ele queria dizer: era mesmo necessrio quetivesse havido um comeo para tudo; esse comeo era Ocenus; seno, seriapreciso inventar um comeo do comeo do comeo e assim por diante; mas, eramesmo difcil de digerir esta idia de que ningum havia criado este Ocenus;como tinha sido ento? Ela imaginava uma Grande onda; era tudo que elaconhecia, ela que vivia apenas no meio de ondas. Ocenus no podia ser senouma grande onda! um ondino bem maior que os outros, por que no?Foi pensando em tudo isto que continuou seu caminho, danando e seperguntando se Ocenus danava tambm assim, todo o tempo.De qualquer maneira estava cansada destes conflitos e queria mudar deatmosfera, e se possvel fazer alguma coisa de til; se lembrou da promessa feitaa Brilhantina de apresent-la a Conta-Gotas; ele vai aceitar? Ela o encontrouento; ele estava radiante:

    Seis milhes novecentos e noventa e nove... Sete milhes! Viva!

    Se no houvesse a Lei que impedia as ondas de se aproximarem umas dasoutras, ele se teria jogado sobre Ondina para abra-la, to feliz ele estava!

    Minha querida Ondina, dancemos, dancemos! Como estou contente!Acabei de ganhar minha stima milionsima gota de ouro! Olhe comoela brilhante! Olhe? Ela desapareceu...! Que pena! No faz mal; eis aprxima; sete milhes e um...! E, opa!...

    O pobre! Ele no se dava conta da inutilidade de seu trabalho! Ondina conheciasua mania e sabia que no havia nada que poderia convenc-lo. Assim, decidiudeixar passar e atacou o assunto:

    So belas gotas de ouro, verdade; isto me lembra que ontem euencontrei uma amiga que produz gotas de ouro bem mais brilhantes.

    Os olhos de Conta-Gotas se iluminaram de cobia; s podia ser Brilhantina!Ele fez um ar falsamente indiferente:

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    Como se chama ela, sua amiga?

    Acabava de morder a isca:

    Brilhantina! Voc conhece Brilhantina?

    Conta-Gotas no podia conter sua emoo!

    Sim, suas gotas de ouro so muito belas; na verdade, eu a vejo detempos em tempos. Voc poderia me apresent-la?

    Ondina estava encantada; tudo se passou bem mais facilmente do que elaesperava:

    Mas certamente, se voc quiser poderemos ir v-la agora!

    AMORES DE BRILHANTINA E CONTA-GOTASDepois que Brilhantina soube que iria conhecer Conta-Gotas, seu estado de humortornou-se muito instvel; ela passava da alegria da esperana do sucesso doencontro angstia diante da perspectiva de uma rejeio por parte de Conta-Gotas. Era aconselhado em situaes como esta enderear uma prece aOceanondino, o filho de Ocenus que tinha sido turbilhonado pelos seuscontemporneos por ter declarado que Ocenus era seu pai. Poderia tambmrezar diretamente a Ocenus. Como seu orgulho era muito grande, ela decidiu se

    dirigir diretamente ao Pai. Por que um intermedirio, se ela podia ter acessodiretamente divindade? Comeou no princpio pela frmula que Ortus ensinavaa todo mundo:Ocenus nosso Pai de todos,Tu que criastes Ondo,Tu que nos enviouTeu filho OceanondinoQue se sacrificouPara nos fazer verA Verdade,Tende piedade de mim...

    e Brilhantina ajuntou, com todo o fervor de sua alma:

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    Tende piedade de mim,Pobre BrilhantinaQue sou muito s!D-me Conta-GotasComo companheiro para a vida!

    Que minha splica seja atendida!Ela no havia acabado de pronunciar a ltima palavra quando ouviu chamar seunome. Milagre! Conta-Gotas tinha acabado de chegar com Ondina:

    Como vai, Brilhantina?

    Ela comeou a remexer-se como jamais havia feito em sua vida; era puramenteinstintivo diante daquele que ia ser o ondino de sua vida. E quanto mais se agitava,mais aspergia literalmente Conta-Gotas com gotas de ouro to brilhantes, tobrilhantes, como jamais havia visto em sua existncia; um verdadeiro fogo deartifcio de gotas de ouro; ele apoderou-se de algumas; era irresistvel! E

    discretamente as contou:

    Sete milhes e um, sete milhes e dois, sete milhes e trs...

    Estavam todos os dois ruborizados pela alegria deste encontro.Ondina os apresentou um ao outro:

    Brilhantina... Conta-Gotas... Eu estou muito contente de que vocs setenham conhecido porque vocs, todos os dois, so meus amigos!

    Bom dia... disse Brilhantina com uma voz acariciante.

    Conta-Gotas estava muito embaraado e no sabia muito bem como se conduzirdiante de tal situao; j era um rapaz bem maduro e havia passado seu tempo acontar gotas de ouro; se sentia confuso:

    Sete mi... !... Perdo!... Encantado em conhec-la!

    Foi tudo que lhe ocorreu dizer; em suma, uma frmula de cortesia muito formal quehavia ouvido em certas situaes anlogas.

    Ondina sentiu o embarao da situao e resolveu tomar a iniciativa da conversa.Poderia falar sobre as gotas de ouro, quem sabe?

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    Acabei de assistir a uma reunio que absolutamente me assustou! Euestou realmente muito preocupada. Sabem vocs o que o ProfessorAgadois descobriu? Que ns somos feitos de gua e viemos da gua,e nada mais.

    Para Brilhantina isto era uma idia em contradio com sua f em Ocenus, queacabava, alis, de ser provada de maneira indiscutvel pelo resultado imediato desua prece: mas isto ela no podia dizer. Conta-Gotas, ao contrrio, era umpartidrio de Agadois; ele estava inteiramente de acordo e se exprimiu de umamaneira indiscutvel:

    Se Agadois descobriu isto, isto verdade!

    Uma profunda angstia se apoderou de Brilhantina: um fosso ideolgico os

    separava; j se via brigando na vida domstica; e como se conhecia, bem sabiaque, ela Brilhantina, nunca cederia em uma discusso. Ela se orgulhava muitodisto. Seus sonhos se desfizeram na gua mais ainda porque o encantado emconhec-la havia percutido nela como um jato de ar glacial; ele no me ama,pensou ela.Mas, mesmo a, Ocenus veio em seu socorro; no momento em que acreditavaque tudo estava perdido, Ondina acrescentou:

    Agadois chegou a esta concluso graas ao exame das gotas deouro; pois as gotas de ouro so de gua e nada mais que gua...

    Como? O qu? Minhas gotas de ouro... de gua? Isto jamais!... Vocme entende?... Jamais!

    Conta-Gotas tinha se tornado vermelho de clera; esta foi to grande que elepassou a um verde bilioso. Eu no sei se os ondinos tm bile, mas eu vosasseguro que ele ficou verde...!Era esta a ocasio, ou jamais, para Brilhantina:

    Voc tem toda a razo, ele deve ter cometido um erro; Ortus nos faloumuitas vezes que a cincia no infalvel e que, s vezes, ela muda

    de ponto de vista!

    De repente, Ortus e os Oceanusistas se lhe tornaram simpticos: e quem sabe,talvez Ocenus exista! Ele se tomou de um enlevo ainda maior por Brilhantina: elao apoiara em seu desespero; era, na verdade, a companheira ideal; lhe deu um

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    largo sorriso, aproximou-se dela, e lhe disse muito, muito docemente, quase noouvido:

    Suas gotas de ouro so as mais belas que jamais vi em toda minhavida; voc tem razo, um sacrilgio reduzir as gotas de ouro a gua!

    Brilhantina estava extasiada; recomeou a agitar-se e a emitir gotas de ouro aindamais brilhantes. Isto deu coragem a Conta-Gotas:

    Ah! Mas isto no vai ficar assim! Agadois no o nico pesquisador.Acusam-no, alis, de ser um fantico; eu vou perguntar a opinio doProfessor Ondlogus que tambm sabe muito sobre a origem do nossomundo de ondas; vocs me acompanham?

    O convite era para as duas, mas, na realidade, ele no olhava seno para

    Brilhantina. Ondina, muito contente, compreendendo que sua misso estavacoroada de xito, retirou-se sob o pretexto de ter outra coisa para fazer. Brilhantinano esperou dizer duas vezes; acompanhou Conta-Gotas; danando, ele contavaas gotas de ouro de Brilhantina, tremendo de felicidade.O Professor Ondlogus acabava de ler na Gazeta Ondina a reportagem de Penade Ganso; ele tinha um semblante. tenso e preocupado:

    Ah! voc, Conta-Gotas! Que prazer em v-lo to bem acompanhado;como suas gotas de ouro so deslumbrantes, senhorita...?

    Brilhantina!Ah! Senhorita Brilhantina, encantado em conhec-la! Que bons ventos

    os trazem?

    Conta-Gotas e Ondlogus eram amigos de infncia e tinham sido alunos de Dixitena mesma poca. Esta intimidade permitiu a Conta-Gotas entrar ao vivo noassunto.

    Eu estou verdadeiramente alarmado com as declaraes de Agadois!O que voc pensa?

    Eu acabei de ler a Gazeta; primeira vista isto no me pareceirracional, sua teoria...

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    E as gotas de ouro, voc cr que elas so somente de gua? Eu achoisto inadmissvel; olhe as gotas de ouro de Brilhantina (ele j achamava pelo seu prenome, o que a enchia de alegria), todasdouradas e brilhantes; isto no possvel!

    Ondlogus compreendeu depressa o problema e sua importncia para Conta-Gotas:

    Eu pensei logo em voc e nas numerosas doenas que as gotas deouro curam, o que lhes d justamente o valor que voc tanto aprecia.J h algum tempo, eu fiz uma pesquisa demonstrando que necessrio distinguir as gotas de ouro de outras gotas, que eu batizeide gotas de sombra por causa da diferena de cor; um erro chamartodas as gotas de gotas de ouro, isto muito ondino. Como as outras

    gotas no tm valor, no lhe foi dado nome; os ondinos no deramnome seno s que tinham valor para eles; isto fez com que o nomede gotas de ouro fosse estendido s gotas sombrias e sem brilho;tenho a impresso de que o que distingue as duas e d um valorcurativo e teraputico, mais do que a beleza, a influncia da energiasolar, da qual Agadois no fala, pois ele um fantico de sua teoriado H

    2O, o que o impede de ver as coisas com a serenidade necessria

    pesquisa cientfica!

    Conta-Gotas estava encantado; ele sugeriu logo uma reunio com os mdicos eespecialistas em linguagem para saber o valor das gotas de ouro sobre o mercado

    ondino; porque se os ondinos se persuadissem de que as gotas de ouro no soseno de gua, ele se imaginava arruinado e teria perdido seu tempo. em vscontabilidades.Era absolutamente necessrio distinguir as gotas de sombra como gua pura, dasgotas solares.Brilhantina contribuiu, oferecendo-se para organizar uma recepo aos membrosda reunio; seriam servidos coquetis de gotas de ouro e a imprensa seriaconvidada e mais particularmente Pena de Ganso.O Professor Ondlogus, encantado em poder enfim fazer conhecida sua teoria dasgotas de sombra, aceitou a idia com entusiasmo, e deu alguns nomes a seremconvidados; como o assunto era de importncia, ele exigiu que se

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    organizasse um verdadeiro simpsio. Eles se deixaram com estas resolues.Brilhantina e Conta-Gotas partiram, danando alegremente, indo fazer todos osconvites necessrios; eles se olhavam de tempo em tempo, com uma mistura deternura e avidez. Brilhantina, de vez em quando, controlava os limites permitidosde Conta-Gotas; este, com um certo tempo ir sentir a diferena desta atrao

    amorosa e sua atrao pelas gotas de ouro de Brilhantina; ele no parava, alis,de cont-las e de armazen-las, sem jamais poder ret-las! E quanto mais elecontava, mais lisonjeava o orgulho de Brilhantina.A LOUCURA DE LUNTICO E ONDA LOUCADurante este tempo, Ondina flanava, toda contente de ter feito o bem a dois outrosondinos. Sbito, viu ao longe um casal que danava de maneira completamentediferente; em vez de manter o tamanho normal, eles cresciam e diminuam aintervalos regulares; e se divertiam loucamente com este jogo julgado um poucoperigoso pelos ondinos normais, porque isto beirava o enmarmento. Algum j lhefalara sobre este casal de loucos, Luntico e Onda Louca, mas nunca os haviavisto pessoalmente; como no tinha nada afazer, achou que era uma boa ocasiode saber o que era a loucura.Luntico era considerado louco por todos os ondinos que o conheciam por causadas coisas malucas que ele dizia a todo mundo logo na primeira abordagem; comOndina foi a mesma coisa.

    Ento, criana! Olhe aqui, o que voc pensa que voc ?

    Voc no seno uma onda! Voc sabe quem sou eu? Eu sou Ocenus! Ajoelhediante de mim, oh! ondazinha sem expresso!Eu sou o Grande Ocenus, e nenhum outro! Ondinos e Ondinas, eu venho paravos dizer a verdade, a verdade verdadeira, bando de cegos de nascena! Eu me

    lixo pelas vossas gotas de ouro; elas no valem nada...Foi sobretudo esta ltima afirmao sobre as gotas de ouro que deu aos ondinos acerteza de que ele era louco; o fato mesmo de se afirmar Ocenus precisoreconhecer que no normal! Ondina estava um pouco assustada com estaabordagem brutal ou, pelo menos, muito pouco vontade; realmente, se tomar por

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    Ocenus!!! E, no entanto, isto lhe lembrava alguma coisa, mas ela no sabia bemo qu... Ah! Sim! a histria do Ondino que foi turbilhonado por haver pretendido amesma coisa: bem estranho tudo isto! Nos dias de lua cheia, Luntico tornava-semais agitado e se prendia a todos aqueles que tentavam, como Conta-Gotas,economizar as gotas de ouro; era sua mania principal. E por causa desta influncia

    da lua que o chamavam de Luntico. Ele se entendia muito bem com Onda Louca,porque toda vez que ele afirmava ser Ocenus, Onda Louca tomava um arestranho, sorria com os olhos perturbados; , alis, assim que Ondina a encontra:

    Oh! Oh! Oh! Ah! gritava ela em um tom de admirao; era tudo o queela dizia.

    Ondina curiosa perguntou-lhe o que ela via, mas em vo; justamente quando ouviuum ligeiro murmrio:

    Azul, Azul, Azul, Luz, Ah, Ah, Ah...Ondina observou que sobretudo quando eles diminuam que diziam estas coisasestranhas; que relao haveria entre tornar-se menor e se afirmar Ocenus ou vera luz azul? No se entendia nada; e, no entanto, eles diziam alguma coisa desemelhante afirmao de Agadois, que as gotas de ouro e as ondas no eramseno gua, e de Oceanondino, que se dizia tambm Ocenus e dizia que todosos Ondinos eram Ocenus, que eles tinham Ocenus neles? Se cada um diferente, separado, seria necessrio que houvesse milhes de Ocenus; tudo istono tinha sentido.Foi bem mais tarde que comeou a compreender...Ela se afastou dos dois loucos amorosos; de longe escutou ainda:

    Eh! criana, voc no seno uma onda, Ocenus quem lhe diz!

    Muito tempo ainda estas palavras retiniram em eco em seu esprito:

    Voc no seno uma onda, voc no seno uma onda...

    E algumas vezes se lembrava daquele rosto com os olhos perturbados, mas quetranspirava uma estranha felicidade. Comeou mesmo a se perguntar se estesOndinos que batalhavam, entre si para saber se em Ocenus ou H

    20 onde se

    encontra a origem dos Ondinos, no seriam tambm to loucos, ou mesmo maisdo que este casal, que afinal de contas, no fazia mal a ningum.

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    Foi pensando nisto tudo que ela continuou seu caminho se perguntando o queseria um Ondino normal. Seria, por exemplo, este casal que passa danando comsuas duas crianas? Eles tagarelam entre eles e de tempo em tempo as crianaslhe fazem perguntas; se olham com ternura e riem por nada. Ser feliz isto?Seguramente no acumular gotas de ouro! Disto ela se persuadiu rapidamente,

    no contato com Conta-Gotas. Quanto mais ele tinha, mais queria; a maior partedos Ondinos assim; jamais esto satisfeitos!Ela gostaria bem de viver esta vida de famlia, ter crianas, cri-las, mostrar-lhes omundo dos ondinos, lev-las aos cursos de Dixite, brincar e se divertir com elas, talcomo este casal. Todos estes sonhos giravam em torno de uma imagem que lheretornava de tempos em tempos: a de Semforo, um dos agentes que regulava acirculao das ondas; sua funo principal era, nos cruzamentos onde haviamuitos ondinos a danar, evitar que eles morressem por fuso.ONDINA SE APAIXONA POR SEMFOROSemforo era um belo ondino, muito simptico e muito brilhante; cada vez queOndina o via, no podia impedir-se de tremer inteirinha e de requebrar da cabeaao tronco (voc se lembra que as ondas no tm nem pernas nem ps, por isso orequebrar pra embaixo do tronco...). Ele, alis, j havia notado; a prova queoutro dia isto quase ocasionou um acidente: no momento em que se voltou paraver Ondina passar, dois ondinos que se cruzavam em sentido contrrio quase sefundiram. Foi Ondina quem salvou a situao, gritando:

    Ateno!

    Esta foi a ocasio de entabular uma rpida conversa. Semforo disse-lhe quegostaria de v-la aps seu trabalho para agradecer-lhe. Ela perguntou-lhe a horado fim do expediente e prometeu passar um destes dias.

    Ento? Por que no hoje?

    Estava quase na hora.

    Vamos l!

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    Foi com o corao batendo que ela chegou ao cruzamento justamente na hora emque o outro agente de sinalizao o havia substitudo; ele no escondeu seuprazer de v-la e lhe props imediatamente ir passear beira-mar para ver o pr-do-sol; isto era muito romntico e era o passeio preferido dos namorados; verdade que havia sempre o perigo de enterro; mas os ondinos de bom senso no

    se deixavam levar muito perto da costa.Era necessrio tambm evitar deixar-se roar muito perto paia evitar a fuso. Osorriso de Semforo era to atraente e irresistvel que era impossvel a Ondinarecusar; ao v-la ele se tornara mais brilhante que de hbito, seu torso se enfunou;de seu lado o encantador requebrar de Ondina aumentou medida que seinsinuavam sobre o caminho beira-mar. Sentiram bem depressa uma harmoniairresistvel invadi-los inteiramente e inspirar-lhes a dana que se transformouquase num vo de alegria mtua. Eles no precisavam de nenhuma das grandesdeclaraes de amor; sua dana exprimia melhor a sintonia na qual viviam suaalegria, do que muitos grandes discursos!De tempos em tempos se roavam, tomando cuidado para no se aproximardemais; verdade que, como se amavam, no havia mais o perigo de fuso; Dixiteos havia ensinado em suas lies de boa conduta que quando um Ondino e umaOndina se amam, no h mais risco de fuso. Se querem ter um filho, suficienteque se abracem muito forte; uma pequena parte delas mesmas, ao nvel de suascostas, se funde, formando imediatamente um pequeno ondino. Era bem isto queOndina queria; mas seria bem isto o amor? Poderia ela contar com Semforocomo pai? Era, na verdade, ainda muito cedo para empenhar nisto a fundo, sebem que ela tinha desejo de ter uma terna unio. Os mesmos sentimentosenchiam Semforo. Cheios de sabedoria eles permaneceram pelo momento emuma comunicao muito profunda pela dana; uma coisa j estava bem evidente;queriam a alegria do outro; quanto mais o outro estivesse feliz, mais eles sesentiam tambm felizes; isto um verdadeiro sinal de amor: querer o bem do

    outro. Era seguramente bem diferente da relao de Conta-Gotas e de Brilhantina,que se entendiam bem at o presente, verdade; mas uma relao baseada noegosmo e no orgulho.

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    Danaram longo tempo, at que o brilho solar de seus corpos foi substitudo pelabrancura lunar, cujo frio aparente foi aquecido pela grandeza de seu amor.Quando se separaram, j bem tarde, Ondina se perguntou se ela havia sonhado;aconteceu to depressa! verdade que entre os Ondinos o tempo diferente; vaibem mais rpido do que entre os humanos; tudo isto depende do Bale do Grande

    Arrepio de Alegria, do qual Ondina, nem os Ondinos em geral, no tm nenhumconhecimento, se bem que eles o danam todo o tempo sem o saber...Eles se encontraram todas as tardes seguintes; ela o ia buscar em seu trabalho desinalizao e eles iam danar ao cair do sol e ao nascer da lua. Pouco a pouco eladescobriu que ele era tambm belo por dentro, o que era muito importante paraOndina, porque para ela a beleza fsica exterior no era suficiente; ele era muitosentimental e ela tambm. No mais, ele apresentava as mesmas perguntas queOndina no assunto da origem dos Ondinos. Um dia ele lhe afirmou:

    Voc sabe. Ondina, nunca houve a criao dos Ondinos; nspensamos que ns somos Ondinos; no entanto, ns somos muito mais

    do que isso.

    Disse isto com uma tal segurana e convico que Ondina se perguntou onde elehavia aprendido isto.Ela lhe perguntou certa tarde queima-roupa:

    Voc acredita em Ocenus?

    Sim e no, isto depende do que voc entende por Ocenus; se aesttua ou imagem de uma grande onda como os Oceanusistas a

    representam, eu posso assegurar-lhe que so infantilidades; nestecaso Ocenus no seno uma palavra que foi dada para explicarnossa origem ondina e nada mais...

    E Semforo entrou num silncio de profundas reflexes. Uma tarde em que elaqueria ir encontr-lo como de costume, ele lhe anunciou que ia fazer uma visita aum amigo:

    Veja voc, Ondina, mais que um amigo; um grande mestre; habitaem um gruta, perto de um penhasco que se encontra ao largo dacosta.

    Posso saber como ele se chama?

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    A pergunta foi feita num tom tmido e respeitoso; ela sentia que havia a algumacoisa de importante e diferente:

    Eu acho que sim; mas prefiro pedir-lhe autorizao, porque ele noquer ser conhecido seno por aqueles que esto altura decompreend-lo; eu estou seguro de que voc uma destas pessoas...

    Ondina estava cada vez mais intrigada; este lado de mistrio a atraaenormemente, sem contar a perspectiva de encontrar uma resposta diferente e,quem sabe, mais slida questo da origem dos ondinos.Durante este tempo, muitas coisas aconteceram no que concerne a Conta-Gotas eBrilhantina. Os esforos que fizeram para preparar a reunio do ProfessorOndlogus com os diferentes especialistas ainda os aproximou mais; o coquetel degotas de ouro preparado cuidadosamente por Brilhantina foi muito apreciado portodos os convidados. As concluses da conferncia foram favorveis a umadistino entre as gotas de ouro e as gotas de sombra. Em uma reunio posterior,

    a Academia Ondina de Letras decidiu introduzir a palavra Gotas de Sombra comonovo termo do vocabulrio ondino. O Professor Ondlogus recebeu um prmioespecial da Academia Ondina de Cincias, o mesmo ttulo, alis, que o ProfessorAgadois; era bem necessrio reconhecer o mrito dos dois. Todas estasdecises, completamente inofensivas em aparncia, serviram pouco a pouco paracolocar fogo no conflito entre os Agadoisostas e os Oceanusistas.ONDINA NA GRUTA DE MANITUUma gruta enorme, moldada, talhada pelo vento e pela eroso, ergue-se como umfantasma sobre os ondinos que danam o Grande Bal; para alguns dentre eles a ltima dana; eles vo quebrar-se contra estas rochas cinzentas; a razo pelaqual a maior parte dos ondinos no gosta de passar deste lado da costa; os que

    vo a so os aventureiros, colegas e amigos de Risco Jnior, ou tambm ondinosdistrados ou sem experincia e conhecimento dos perigos da costa. E h tambmraros visitantes da Gruta de Manitu.Esta gruta foi escolhida justamente porque se encontra num stio de difcil acessoe de tal maneira escondida que mesmo os aventureiros no a viram jamais;

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    s os ntimos de Manitu sabem como chegar l. E na verdade um como queGrande Orelha explica logo na primeira visita, fora da gruta e dos limites dacaverna; no somente necessrio saber evitar a morte passando pelo bom localque leva entrada de uma espcie de canal interno, mas tambm ainda precisoadaptar-se diminuio do vento; sua entrada, h uma diminuio do corpo do

    ondino; ento, necessrio aproveitar de certa corrente de ar que evita o risco doenmarmento, mantendo uma altura suficiente; h nisto tudo uma arte ensinada porManitu e que toma grande importncia para o prosseguimento de nossa histria.Hoje, Grande Orelha se encontra nestas paragens porque espera um novovisitante; voc adivinhou: Ondina. Grande Orelha o discpulo mais velho deManitu.Alguns dias atrs, Semforo recebeu Ondina com um ar radiante; ele havia mesmodeixado o servio antes da hora regulamentar, tanto estava ele apressado paraanunciar a boa nova!

    Bem que te falei! Manitu quer receber voc!

    E ele aumentou o ritmo da dana, de tal maneira estava contente.Ondina conseguiu depois de um bom tempo seguir seu ritmo; no obstante, elano podia apreciar a novidade em seu justo valor como Semforo, porque at opresente ela no sabia muito bem quem era Manitu; assim, tomou uma certadistncia de seu Ondino bem amado para fazer-lhe a grande pergunta:

    Mas, enfim, quem Manitu?

    Era difcil de explicar a Ondina que Manitu ainda sabia que era o Grande Oceano evivia como tal...Tomado desprevenido, Semforo respondeu muito embaraado:

    Manitu? Manitu? Bem... Como eu lhe disse meu mestre.

    Mestre de qu? perguntou Ondina cada vez mais intrigada.

    Conto explicar-lhe?... Ele me ensina a viver feliz, a evitar o sofrimentopara os outros e para mim mesmo. Com ele eu aprendi quem eu sourealmente; o que um ondino? Manitu um verdadeiro sbio; ele sabe

    tudo, no por crena mas por experincia pessoal; ele me transmitepouco a pouco sua experincia...

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    Qual experincia? perguntou Ondina.

    Ele nos manda fazer uma srie de exerccios que precede a GrandeExperincia; ele chama esta, o Grande Retorno, no curso dosexerccios preliminares nos d lies e explicaes sobre um tanto deproblemas, entre outros alguns sobre os quais ns, s vezes, falamos.

    Semforo explicou ainda muito mais coisas sobre Manitu; foi assim que elaaprendeu que Manitu era muito, muito velho, to velho que nem sabia mais suaidade; em um certo sentido ele no teria mesmo jamais tido um comeo; mas istoera demais para compreender. De outra parte, tinha poderes extraordinrios; porexemplo, quando Semforo ia falar-lhe de Ondina, Manitu se antecipou e disse aSemforo que ele a podia trazer:

    Esta pequena Ondina que lhe to querida...Como Manitu podia saber isto? Ningum seno Semforo e Ondina estavam a pare nenhum destes dois havia feito contato com ele; era verdadeiramentesurpreendente e embaraoso. Um dia, na presena de Semforo e de GrandeOrelha, ele se retirou por um canto sem vento da gruta, enmarmou, quer dizer,desapareceu como se estivesse morto e reapareceu num outro localcompletamente iluminado; a luz era to forte que os dois assistentes foramobrigados a desviar os olhos para no serem ofuscados.Ondina no pde reter uma exclamao de surpresa:

    Mas como isto possvel?

    Voc compreender pouco a pouco; estamos de tal maneiraembrutecidos pela nossa maneira ondina de ver as coisas e a vida,que nem sabemos mais quem ou o que somos realmente...

    Mas vejamos ento replicou Ondina ns somos ondinos! Voc novai me dizer que no?

    Sim... e... no! Voc v, Ondina, por causa disto que h os exercciose sem o Grande Retorno no se pode compreender inteiramente. porcausa disto que eu proponho a voc ir l; Grande Orelha nos esperaperto da entrada da Gruta...

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    Ondina no esperou dizer duas vezes; eles aproveitaram uma corrente de arfavorvel para ir mais depressa; no caminho Semforo explicou a Ondina que hojeaprender a entrar na gruta e a se manter l; no seno depois de estarperfeitamente treinada que ela poder fazer contato com Manitu.Grande Orelha no teve de esperar muito tempo; mesmo se os dois namorados

    tivessem levado muito tempo para chegar, isto no teria nenhuma importnciapara ele, porque um modelo de pacincia, de perseverana, de resistncia; todasestas qualidades ele herdou de Manitu, ou, para ser mais preciso, desenvolveusob a influncia dos exerccios e das lies deste Mestre excepcional. Quando oconheceu, ele era bem diferente: nervoso, irascvel, um nada o punha com raiva;ele no tinha nenhuma constncia; tudo que comeava, abandonava no meio datarefa. Como mudou!Enquanto atendia aos visitantes, ele se divertia a observar os aventureiros; derepente um ondino sem experincia se sente atrado pelas correntes da costa:

    Socorro! Socorro!...

    Grande Orelha era mestre na arte de utilizar a fora das correntes para conduzilasonde ele queria; essa arte indispensvel a todos aqueles que querem praticar osexerccios de Manitu em vista da experincia do Grande Retorno; tinhadesenvolvido tambm uma grande compaixo, isto quer dizer que ele no erasomente muito sensvel ao sofrimento dos outros, mais tinha desejo real de ajudarquem tem necessidade. Ele no pode portanto se reter de ir em socorro do infeliz;os aventureiros que assistiam impotentes cena ficaram de boca aberta; emalguns segundos, Grande Orelha provocou, no se sabe como, uma correntecontrria que cortou a fora de atrao daquela que ameaava o pobre ondino.Foi neste momento que chegaram Semforo e Ondina:

    O que se passa aqui? perguntou Semforo.

    Oh! Felizmente acabou bem, estas coisas acontecem algumas vezespor aqui.

    O que ele no disse, por modstia, que jamais perdeu um s salvamento; faziamuitos deles por dia; uma fora misteriosa protegia todos aqueles que haviamentrado no caminho do Grande Retorno.

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    Seja bem-vinda aqui, Ondina; Semforo me falou muito de voc; eledeve ter-lhe dito o que ns vamos fazer hoje?

    Ondina, um pouco ansiosa e impressionada por esta forte presena, fez sim com acabea, observando a fora de carter aliada a uma alegria de viver constante queemanava de Grande Orelha. Isto tambm ele tinha de Manitu; no foi toa querecebeu dele este nome: Grande Orelha verdadeiramente aquele que maisespichou a orelha para aprender tudo aquilo que Manitu tinha para ensinar; e eleassimilou tudo de verdade, tudo experimentou; diz-se mesmo dele que, semelhana de seu Mestre, capaz de efetuar o Grande Retorno cada vez que fornecessrio; o mnimo o que Semforo explicou a Ondina antes de chegar.

    Pois bem, vamos; eu vou mostrar-lhe o que preciso fazer; e deprincpio porque voc vai fazer esta aprendizagem preliminar:

    primeiramente, voc vai aprender a evitar o enterro; segundo, voc vaisaber como vai deslizar pelo corredor do penhasco que nos leva gruta; uma vez na gruta, eu lhe ensinarei como manter sua alturamnima para subsistir como ondino.

    s vezes h ondinos que, uma vez que aprendem a evitar o enterro, param nesteestgio, sem mesmo conhecer a gruta, nem mesmo a existncia de Manitu; voc uma privilegiada; Manitu sabe quem voc; voc, seguramente, nunca vaitransformar-se em aventureira como tem sido o caso desses ondinos dos quais eulhe falei agora. Alis, no h tempo a perder; o futuro da Ondinidade muitosombrio; Manitu e Astrlogus prevem catstrofes, tempestades e guerra. No ,Astrlogus?Um ondino muito plido, velho e magro, acabava de sair da gruta; no podia serseno Astrlogus, porque danava olhando todo o tempo para o cu; mesmoquando lhe falavam, ele respondia com a cabea e o olhar dirigidos para o alto; um verdadeiro milagre que ele no apanhe um torcicolo; bem verdade que emvolta de Manitu os milagres no so raros... Uma voz cavernosa ( normal paraquem vem de uma gruta ter voz cavernosa) se eleva no espao num tom solene eque no admite rplica:

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    Siiim...!!! Um futuro terrvel nos est reservado; nos prximos tempos,seis planetas estaro em conjuno; o que se passa sempre antesda tempestade; o fim do Bal est prximo...

    Ondina no compreendeu muita coisa disto, se bem que uma sensao deapreenso apoderou-se dela: Conjuno? Tempestade? Bal? Ela no sabia oque estas palavras queriam dizer. Astrlogus afastou-se num ritmo de danarespeitvel, como convm a um astrlogo; a cabea levantada, ele continuou aesquadrinhar o firmamento, cata de sinais reveladores e significativosprovenientes da abbada celeste. Logo que Astrlogus se afastou, comeou ainiciao de Ondina. O que ela mais apreciou foi a serenidade e a paz interior queGrande Orelha lhe comunicava, ao mesmo tempo que lhe ensina a controlar ascorrentes marinhas que tendiam irresistivelmente a atrair os ondinos em direo srochas do penhasco ou em direo costa. Pouco a pouco, e aps muitosexerccios posteriores, ela aprendeu a conduzir-se at a entrada do corredor desta

    espcie de canal subterrneo que atravessava o penhasco at a grutapropriamente dita.

    graas a uma corrente de ar permanente que as ondas podem, apseste treinamento, penetrar no canal at a entrada da gruta, sem perderseu tamanho. Eu relembro isto aqui a vocs, porque muitoimportante que o tamanho das ondas, repetindo um pouco, mantidomais ou menos constante, graas ao vento.

    Foi a primeira revelao que Grande Orelha fez a Ondina, o que lhe trouxe o efeitode uma surpresa; nenhum ondino, com efeito, estava a par disto; at mesmoAgadois o ignorava; necessrio reconhecer que o Professor Ondlogus tinhaemitido esta idia a ttulo de hiptese; infelizmente era uma idia muito avanada eningum a compreendia. Foi, portanto, por uma prtica constante que Ondinaaprendeu a se submeter ao vento do corredor e a dirigir-se gruta.Quanto mais ela se aproximava da entrada, mais uma luz dourada a iluminava e abanhava de um imenso sentimento de grandeza e de beleza; no sabia muito bemde onde provinha; estava segura que isto tinha relao com Manitu. Sua intuiono a enganava; isto lhe dava uma estranha certeza de j ter vivido nesteambiente e de j ter sido impregnada por esta luz; no, no era a luz do sol;

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    era mais bonita e bem mais significativa. L a luz do sol d calor; esta luz irradiavaPaz.

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    A TEMPESTADE

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    AS GOTAS DE OURO AUMENTAM A TENSO INTERONDINA medida que Ondina aproximava-se desta enseada de paz e durante o tempo deseu longo treinamento para evitar o enterro e o enmarmento, a situaointerondina piorou consideravelmente.Como se deve lembrar, Conta-Gotas e Brilhantina tinham tido xito em fazer

    reconhecer pelas duas Academias Ondinas, a de Cincias e a de Letras, adistino entre gotas de sombra e gotas de ouro. O resultado imediato foi uma altadas gotas de ouro na bolsa de valores; noutros termos, os ondinos comearam adar muito mais valor s gotas de ouro que cada um produzia espontaneamente e,como resultado, todo mundo se deixou contaminar pela mania de Conta-Gotas,isto , querer estocar as gotas de ouro.O sucesso de Conta-Gotas subiu-lhe cabea e uma megalomania loucaapossou-se dele; resolveu fazer uma viagem at s regies geladas comBrilhantina, mas no queria mais se limitar a fazer produzir l gotas slidas, isto ,congeladas, para seu prprio estoque; ele queria vender gotas de ouro slidas aosexportadores nas zonas mais quentes; ele ia criar uma nova iluso; porque no viade modo algum que elas iam derreter no caminho!...Sua viagem correu mais ou menos bem; eu disse mais ou menos, porque todos osdois ficaram quase solidificados em pequenos icebergs! Brilhantina chegou, aopreo de uma forte gripe, a produzir gotas de outro slidas, para grandeencantamento de Conta-Gotas. Na sua volta, Pena de Ganso fez uma reportagemsobre sua viagem e, em pouco tempo, todos os ondinos dos pases quentessonhavam em possuir gotas de ouro slidas; ningum as havia visto, lgico! Masa imaginao aliada ambio, possessividade e ao orgulho de possuir gotas deouro slidas, provocou um movimento coletivo dos ondinos do Sul quente,ciumentos dos ondinos do Norte frio.De seu lado, os ondinos do Norte tornaram-se invejosos das gotas de ouroproduzidas pelos ondinos do Sul; como no Sul h mais sol, eles se queixavam deter menos gotas de ouro e mais gotas de sombra do que no Sul.

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    E nas duas regies, o nmero de ladres aumentou consideravelmente; no seestava tranqilo em nenhuma parte; no importa a qual hora, um bandido podiaassalt-lo para extrair as suas gotas de ouro; no se podia nem mesmo defender-se porque se arriscava fuso!Nada mais instrutivo do que percorrer alguns nmeros de Gazeta Ondina.

    Eu vou transcrever-lhes extratos das partes maisilustrativas.A PEREGRINAO DE BRILHANTINAEis aqui, para comear, uma entrevista que Pena de Ganso fez das impresses deviagem de Brilhantina no Norte gelado: E que foi que mais lhe marcou na viagem?

    Oh! sem nenhuma dvida minha peregrinao esttua deOceanondino; imagine milhares de oceanusistas, em fervorosaspreces, prosternando-se em massa e cantando cnticos.

    E o que eles pedem em suas preces? Ora, toda sorte de coisas, como, por exemplo, ser curado de uma,

    doena, aumentar sua fortuna de gotas de ouro, encontrar trabalho, oumesmo livrar-se de um rival.

    E sem indiscrio, voc pediu alguma coisa?

    Sim, eu tinha uma gripe forte; eu pedi que me curas sem o mais rpido

    possvel. Puxa! um verdadeiro milagre; um dia depois eu j no tinhamais nada!

    E muitos outros milagres aconteceram como este?

    No, no com todo mundo; Ortus nos ensinou que isto depende da fe do fervor que se coloca nas preces.

    Esta entrevista teve uma enorme repercusso; caravanas de ondinos do Sulorganizaram-se para fazer uma peregrinao esttua de Oceanondino, no

    extremo

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    Norte; para alguns membros desta caravana havia tambm a esperana de trazergotas de ouro slidas. Organizaram mesmo caravanas somente com este objetivo.E eis aqui, sempre por Pena de Ganso, uma anlise muito fina da situao dapoltica interondina:Deteriorao das Relaes Norte-Sul: A Guerra E Inevitvel?

    Crnica interondina de Pena de Ganso, exclusividade da Gazeta Ondina.Como os leitores da Gazeta devem ter constatado nestes ltimos tempos, asituao interondina se agrava constantemente. Um dos fatores de tenso deordem ecolgica; as recentes descobertas do Professor Ondlogus sobre aexistncia diferenciada das gotas de sombra e das gotas de ouro ps em evidnciaum fato que tinha passado despercebido at o presente; por falta de solos ondinosdo Norte so em inferioridade evidente. Um exrcito de norte-ondinos est em viasde ser mobilizado para invadir o Sul, sob a direo do General Borrasca.Os sul-ondinos, sob a direo do General Furaco, organizaram um exrcito paraproteger as expedies dos sul-ondinos procura das gotas de ouro slidas; comose sabe, os sul-ondinos estimam que os norte-ondinos tm uma superioridadeesmagadora e injusta graas sua possibilidade de produzir, a um custorelativamente baixo, gotas de ouro slidas. Em uma declarao bem recente, oGeneral Borrasca exteriorizou sua firme determinao de no deixar passar estasexpedies sul-ondinas.Do ponto de vista econmico, as coisas tambm pioraram: no mercado de valores,a cotao das gotas de ouro triplicou, enquanto que as gotas de sombra, sob ainfluncia das declaraes do Professor Agadois, no tm mais nenhum valor;isto constitui a runa de numerosos norte-ondinos que tinham recolhido e contadomilhes destas; eles comearam a colecionar gotas de ouro geladas, se bem quesua natureza seja ainda desconhecida; no se sabe se as anlises em cursochegaro a tempo; se demonstrarem que se trata apenas de gua, uma grandeparte do conflito ser apaziguada; mas nisto tambm as opinies do Professor

    Agadois so absolutamente opostas s do Professor Ondlogus.Como se sabe, uma guerra s vivel se houver tambm um aspecto ideolgico.Ora, as ltimas notcias no so nem um pouco reconfortantes: uma

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    caravana de peregrinos sul-ondinos oceanusistas, indo visitar a esttua deOceanondino, teve de retornar a seu ponto de partida, tendo sido interceptada porum' batalho do General Borrasca que a havia tomado por uma expedio decoleta de gotas de ouro slidas. Este acontecimento lamentvel pode pr lenha nafogueira.

    Pode-se mesmo esperar uma complicao de guerra civil, porque entre os norte-ondinos h uma quantidade considervel de Oceanusistas que sero obrigadosum dia ou outro a tomar partido em favor do direito de passagem doscorreligionrios sul-ondinos. Assim, o jogo simultneo de fatores ecolgicos,econmicos e ideolgicos constitui uma constelao perigosa para a pazinterondina.No se sabe ainda qual ser a posio dos agadoisostas diante destes recentesacontecimentos.Os ondinos so muito sensveis poesia; por isso que a Gazeta Ondina publicasempre cada ms um poema de Musinha. Musinha, uma amiga de Ondina, considerada como a melhor poetisa viva. Ela tem duas crianas pequenas dasquais se ocupa com ternura, enquanto escreve suas poesias. Eis aqui seu ltimopoema:

    O PREO DA ILUSOPobre OndinidadeTu que tudo possuisPara dentro da paz de seu serViver o Amor e a Alegria,As miserveis gotas de ouroTu ests atada.Em nome deste nadaTu arriscas perderTeu mais precioso bem:

    Tua vida.E eis aqui uma notcia muito pouco reconfortante:

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    Armas Secretas

    A Gazeta Ondina acaba de receber, de fontes dignas de confiana, informaesque dizem respeito elaborao de armas e de tcnicas terrivelmente mortferas.Um especialista muito conhecido em composio de gua teria vendido ao exrcitonorte-ondino um processo de produo de turbilhonamento artificial. Motivado por

    esta informao, o General Furaco pediu imediatamente, a um de nossos maiseminentes especialistas em ondologia, para inventar uma arma ou procedimentoque neutralizasse o efeito desses turbilhonamentos gigantescos. Este professor jteria feito trabalhos experimentais neste sentido; sua arma seria ainda maisterrvel; trata-se de uma tcnica de canalizao artificial do vento, cuja potnciaser aumentada milhares de vezes; no somente a tcnica neutraliza os turbilhesartificiais, mas ela pulverizar literalmente o exrcito inimigo de um s golpe; umnome foi dado a este processo em homenagem ao General-em-chefe das forasarmadas do Sul: Operao Furaco, enquanto que a tcnica do exrcito do Norteteria sido batizada de Mtodo Borrasca, em homenagem ao General do mesmonome. Isto um indcio do fato de que os professores no querem seridentificados, porque se, trata, na verdade, de um atentado vida ondina!A Gazeta Ondina parece, com efeito, estar muito bem informada; e seus leitoresreconheceram, sem dvida, os professores Agadois e Ondlogus como autoresdas armas secretas.Com efeito, desde que foi informado do incidente da peregrinao dosoceanusistas frustrados pelo batalho norte-ondino, Agadois viu nisto umaexcelente ocasio de destruir esta ideologia supersticiosa Oceanusista e dar avitria ao Agadoisosmo.Ortus foi imediatamente informado disto por um aluno de Agadois, adeptoOceanusista, e resolveu comunicar esta notcia ao General Furaco,pessoalmente; este alis j o sabia, graas a seu servio secreto.Ortus e o General Furaco foram ento fazer uma visita ao Professor Ondlogus,

    em grande sigilo; como adversrio frustrado pelo sucesso profissional deAgadois, Ondlogus no se fez rogar, e comunicou imediatamente seu plano aoGeneral Furaco.

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    Um ambiente de apreenso impregna agora a maior parte dos ondinos, quer sejameles do Sul ou do Norte, Oceanusistas ou Agadoisostas. Sente-se que o conflito inevitvel; no se sabe quando comear, nem quem tomar a iniciativa: mas j seest seguro de um resultado catastrfico.Ondina sente que um destino feliz a levava para o caminho de Manitu, por

    intermdio de Semforo; tudo aquilo que Astrlogus havia previsto comea arealizar-se; Grande Orelha tinha razo quando afirmou que Ondina no veio poracaso; contente com a esperana de escapar da destruio, ela est muito tristediante da perspectiva de uma luta fratricida.MANITU COMEA A REVELAR O GRANDE MISTRIONo h muito tempo a perder. Ondina sente agora que o momento de entrar emrelao direta com Manitu. Ela adquiriu uma segurana muito grande graas aosseus exerccios e aos ensinamentos de Grande Orelha; este at ensinou-lhe osmovimentos essenciais para diminuir sua altura; isto no era alis muito difcil; suficiente deslizar nas zonas da gruta onde h menos vento. Como ainda no tinhao direito de entrar na gruta propriamente dita, ela treinava em certos recantos docorredor, cuidadosamente escolhidos para este efeito.O grande dia do encontro chegou afinal. Desde que a viu no horizonte comSemforo, Grande Orelha no pde conter-se em lhe fazer sinais de grandealegria e logo que se encontraram ele lhes anunciou a grande nova:

    Manitu vai receb-los hoje! Venham depressa e preparem-se.

    O corao de Ondina comeou a bater mais forte de emoo; vai enfim conhecerseu Mestre e fazer a aprendizagem da Experincia do Grande Retorno. Ela nocompreende muito bem o que significa este Retorno; retomar onde? retomar aqu? E na verdade muito, muito misterioso.

    Os trs fizeram as manobras necessrias para se aproximarem do penhasco,atravessar o corredor interior e entrar na gruta. A luz resplandecente que intrigavaOndina a princpio banha agora toda a gruta; emana de uma fonte que se encontrabem no fundo, do local mais profundo deste espao enorme, bem maior do

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    que Ondina o imaginou no comeo; havia espao para uma centena de ondinos; medida que ela se acostuma luminosidade, comea a perceber um certo nmerodeles; passam de uma corrente de ar forte para uma corrente de ar mais fraca,depois, devagar, voltam corrente de ar mais forte e simultaneamente diminuem eaumentam de tamanho.

    Manitu encontra-se l dentro.

    Grande Orelha mostra uma pequena cavidade, uma gruta muito pequena emrelao grande onde eles se encontravam:

    Esperem um instante! Eu vou ver se ele pode receb-los!

    Alguns minutos ainda se passaram, os mais longos da vida de Ondina.

    Venham! e Grande Orelha levou-os at Manitu.Sorridente, luminoso, transparente, o olhar transmitindo um amor infinito do qualOndina se sente imediatamente invadida, eis a primeira impresso que causa atodo mundo que faz contato com ele.

    Como bom rever voc aqui, minha querida Ondina... Rever? Elehavia dito rever? Ondina ficou embaraada com isto, ainda maisporque ela acabava de sentir a impresso de j ter visto, defamiliaridade; eu diria mesmo, de intimidade; era como se eles no se

    tivessem separado jamais; verdadeiramente estranho! Como se eleadivinhasse seus pensamentos, acrescentou:

    Isto a surpreende, no ! Voc compreender pouco a pouco que nssomos velhos amigos, que se encontraram j muitas vezes; e comovo seus exerccios preliminares?

    Grande Orelha, a quem era dirigida esta pergunta, explica que Ondina uma desuas alunas mais brilhantes.

    No h nada de extraordinrio nisto, no seno umareaprendizagem; na ltima vez que ns nos vimos, voc era, comefeito, minha melhor discpula...

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    Ondina no pde reter sua emoo e comeou a chorar; no so lgrimas detristeza, mas de alegria, de alegria profunda e pura; mas ela no se recordava;soluando, fez a pergunta essencial:

    Ns j nos encontramos de verdade?...

    Venha por aqui; deixe-se diminuir... devagarinho...

    assim...! Muito bem...!Ele a levou a um canto da gruta onde h menos vento e os dois transformaram-seem ondas bem pequenas; e foi a que Ondina se lembrou de tudo; se viu namesma gruta fazendo o mesmo papel de Grande Orelha; ela ensinava aos outrosos exerccios que necessrio fazer para chegar ao estado do Grande Retorno; ede repente compreendeu: o Grande Retorno...! Ela tinha se precipitado em direoa uma zona sem vento, quando Manitu cortou-a rpido, parando-a no caminho:

    No, no, ainda no! Isto suficiente por hoje. Falta-lhe ainda muitopreparo, ou melhor, retreinamento: falta-lhe reaprender no somente aefetuar o Grande Retorno, mas ainda a saber voltar ao estado deondino. Retornemos grande corrente de ar.

    L, voltou a ser Ondina de novo. Ondina acabava de viver um passado longnquo,em todos seus detalhes, um passado onde, nesta mesma gruta, ela havia sidoauxiliar de Manitu; no se chamava Ondina; nem mesmo era uma ondina, pormum ondino muito alegre, vivo e extremamente ativo; sua atividade era alimentadapor um Amor. por essa fora extraordinria; um Amor muito, muito possante, o

    mesmo que ela havia pressentido hoje ao entrar na gruta; uma comunho perfeitaexistia entre Manitu e ela. Num centsimo de segundo, se lembrou de que j haviavivido o Grande Retorno; ela sabia como fazer mas no chegava a recordar-se decomo proceder.Ondina sentiu que Manitu tinha feito bem em no deix-la ir muito longe e quemuitos dias seriam necessrios para ela poder se refazer desta experincia muitoprofunda e emocionante; ela no teria suportado mais do que isto e teriacertamente perdido o controle da situao. Tinha necessidade de ficar s e derefletir sobre tudo que se passou.

  • 7/29/2019 Pierre Weil

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    Semforo havia assistido a tudo e se rejubilou de ver o progresso de Ondina; com surpresa que constatou agora que ela j estava no mesmo nvel dele apesardo tempo muito curto que tomou para sua aprendizagem. Eles iam se retirarquando Manitu os chamou:

    Ns temos ndices seguros que nos permitem afirmar que a situaoondina vai agravar-se a tal ponto que poucas coisas subsistiro aps oconflito: o vento vai comear a aumentar sua fora nos prximos diasat transformar-se em tempestade: numa tempestade, os ondinosperdem completamente o controle de seus corpos e mesmo de seuesprito, o que vai lev-los fatalmente guerra. S aqueles que tmrecebido aqui um treinamento suficiente podero sobreviver; ainda hcondio de vir aqui para aperfeioar a aprendizagem at obter oGrande Retorno. Eu os aconselho a voltar o mais cedo possvel, emvista deste estado de tenso continuar durante muito tempo. A visem atodos os amigos, a todos aqueles que esto preparados para entrar

    aqui.

    medida que ele fala, todos os ondinos e ondinas presentes dentro da gruta seaproximam e ouvem estas palavras graves num ambiente de recolhimento erespeito.Ondina, percebendo com o olhar a assemblia que se formou em torno de Manitue que se comprime agora em torno desta pequena gruta por faltar espao,reconheceu, com surpresa, alguns amigos que nunca lhe haviam dito palavra arespeito de Manitu. com alegria que a descobriu, em particular, Musinha, cujoltimo poema todo feito de acordo com o esprito de paz que reina aqui; o quelhe diz ao aproximar-se dela, demonstrando-lhe com um gesto sua alegria de v-la

    neste lugar.

    extremamente importante para a continuao da ondinidade e dospreciosos conhecimentos que ns possumos sobre sua natureza quegarantamos a preservao to intacta quanto possvel da Tradio doGrande Retorno e dos mtodos que levam a ele; eis por que eu osconvoquei para um longo retiro onde ns vamos trabalhar juntos emprofundidade.

  • 7/29/2019 Pierre Weil

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    Que venham aqueles que tm um sincero e profundo desejo de transmitir o queaprenderam, a todo ser que demonstre interesse e que queira realmente pr-se aoservio dos outros. Aqueles que vm somente para salvar-se da tempestade nochegaro experincia do Grande Retorno, no porque no o queiram, masporque uma das condies do sucesso da experincia de no viver isolado do

    resto do mundo. A idia de ser somente um ondino que diz Mim, Eu..., o maiorobstculo liberao do Grande Retorno.Estas ltimas palavras impressionaram vivamente Ondina e Semforo e osintrigaram; eles no compreendiam muito bem o que Manitu queria dizer: por queacreditar que somo