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ATIVIDADE, IMAGINAÇÃO E SISTEMAS PSICOLÓGICOS: A ATIVIDADE CRIADORA COMO EXPRESSÃO DA IMAGINAÇÃO NAS OBRAS DE VIGOTSKI E RUBINSTEIN. Alexandre Pito Giannoni. UFMS/Paranaíba. [email protected] . Eixo Temático: Teoria Histórico-Cultural e Educação ACTIVITY, IMAGINATION AND PSYCHOLOGICAL SYSTEMS: THE CREATIVE IMAGINATION ACTIVITY AS EXPRESSION IN VYGOTSKY AND RUBINSTEIN WORKS. Resumo: Este trabalho possui como objetivo identificar qual a relação entre função imaginativa e sistemas psicológicos e, como ocorre o desenvolvimento da atividade criadora, levando em consideração a participação de outras funções psicológicas superiores nesta atividade do sujeito. Para isso utiliza-se como referencial teórico a psicologia histórico-cultural e outras vertentes da psicologia soviética. Adota-se como modelo o conceito de sistemas psicológicos, desenvolvido pelo psicólogo Liev Semiónovich Vigotski (1896-1934). A partir da ideia de que as funções psicológicas estabelecem relações entre si, busca-se encontrar em outras correntes da psicologia soviética, a relação entre imaginação e demais funções psicológicas superiores. Analisa - se também neste trabalho as obras de Serguei Leonidovich Rubinstein (1889-1960), em seus escritos sobre a imaginação. Com isso busca-se encontrar as semelhanças e diferenças com o conceito de sistemas psicológicos empregado por Vigotski e se para Rubinstein, outras funções psicológicas superiores também participam do processo denominado atividade criadora. Nesta análise encontrou-se algumas semelhanças entre Vigotski e Rubinstein, o que fica evidente nas consideração sobre percepção e imaginação realizadas por Rubinstein. Palavras-chave: Sistemas psicológicos. Atividade. Imaginação. Abstract: This work aims to identify the relation between imaginative function and psychological systems and, as is the development of creative activity, taking into account the participation of other higher psychological functions in this activity of the subject. For this is used as a theoretical reference the historical-cultural psychology and other aspects of Soviet psychology. It is adopted as a model the concept of psychological systems, developed by psychologist Lev Vygotsky Semiónovich (1896-1934). From the idea that psychological functions establish relationships with each other, we seek to find in other currents of Soviet psychology, the relationship between imagination and other higher mental functions. also considers whether in this work the works of Sergei Leonidovic h Rubinstein (1889-1960), in his writings on imagination. It seeks to find the similarities and differences with the concept of psychological systems employed by Vygotsky and Rubinstein for other higher mental functions also participate in the process called creative activity. In this analysis it was found some similarities between Vygotsky and Rubinste in, which is evident in the consideration of perception and imagination made by Rubinste in. Keywords: psychological systems. Activity. Imagination. 1. Introdução Compreender o desenvolvimento da função imaginativa a partir da psicologia histórico-cultural e outras correntes que se desenvolveram na União Soviética, significa recuperar o debate histórico sobre os fundamentos destas teorias, ou seja, a filosofia do

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ATIVIDADE, IMAGINAÇÃO E SISTEMAS PSICOLÓGICOS: A ATIVIDADE

CRIADORA COMO EXPRESSÃO DA IMAGINAÇÃO NAS OBRAS DE

VIGOTSKI E RUBINSTEIN. Alexandre Pito Giannoni. UFMS/Paranaíba.

[email protected]. Eixo Temático: Teoria Histórico-Cultural e Educação

ACTIVITY, IMAGINATION AND PSYCHOLOGICAL SYSTEMS: THE

CREATIVE IMAGINATION ACTIVITY AS EXPRESSION IN VYGOTSKY

AND RUBINSTEIN WORKS.

Resumo: Este trabalho possui como objetivo identificar qual a relação entre função

imaginativa e sistemas psicológicos e, como ocorre o desenvolvimento da atividade criadora, levando em consideração a participação de outras funções psicológicas

superiores nesta atividade do sujeito. Para isso utiliza-se como referencial teórico a psicologia histórico-cultural e outras vertentes da psicologia soviética. Adota-se como modelo o conceito de sistemas psicológicos, desenvolvido pelo psicólogo Liev

Semiónovich Vigotski (1896-1934). A partir da ideia de que as funções psicológicas estabelecem relações entre si, busca-se encontrar em outras correntes da psicologia

soviética, a relação entre imaginação e demais funções psicológicas superiores. Analisa -se também neste trabalho as obras de Serguei Leonidovich Rubinstein (1889-1960), em seus escritos sobre a imaginação. Com isso busca-se encontrar as semelhanças e

diferenças com o conceito de sistemas psicológicos empregado por Vigotski e se para Rubinstein, outras funções psicológicas superiores também participam do processo

denominado atividade criadora. Nesta análise encontrou-se algumas semelhanças entre Vigotski e Rubinstein, o que fica evidente nas consideração sobre percepção e imaginação realizadas por Rubinstein.

Palavras-chave: Sistemas psicológicos. Atividade. Imaginação.

Abstract: This work aims to identify the relation between imaginative function and psychological systems and, as is the development of creative activity, taking into account the participation of other higher psychological functions in this activity of the subject. For

this is used as a theoretical reference the historical-cultural psychology and other aspects of Soviet psychology. It is adopted as a model the concept of psychological systems,

developed by psychologist Lev Vygotsky Semiónovich (1896-1934). From the idea that psychological functions establish relationships with each other, we seek to find in other currents of Soviet psychology, the relationship between imagination and other higher

mental functions. also considers whether in this work the works of Sergei Leonidovich Rubinstein (1889-1960), in his writings on imagination. It seeks to find the similarit ies

and differences with the concept of psychological systems employed by Vygotsky and Rubinstein for other higher mental functions also participate in the process called creative activity. In this analysis it was found some similarities between Vygotsky and Rubinste in,

which is evident in the consideration of perception and imagination made by Rubinste in. Keywords: psychological systems. Activity. Imagination.

1. Introdução

Compreender o desenvolvimento da função imaginativa a partir da psicologia

histórico-cultural e outras correntes que se desenvolveram na União Soviética, signif ica

recuperar o debate histórico sobre os fundamentos destas teorias, ou seja, a filosofia do

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marxismo e o desenvolvimento do materialismo histórico dialético. Portanto, os

fundamentos marxistas estão expostos neste trabalho como fundamento e método da

psicologia histórico-cultural e outras correntes soviéticas da psicologia como a de

Rubinstein, por exemplo.

A compreensão sobre o desenvolvimento da imaginação1, enquanto função

psicológica superior e parcela da personalidade humana, requer, ainda que brevemente,

realizar uma reconstrução histórica da psicologia na União Soviética, identificando como

se fez possível o desenvolvimento da psicologia histórico-cultural e de outras vertentes

da psicologia soviética que possuíam como objetivo, o desenvolvimento do novo homem

e da nova mulher socialista. Assim, busca-se explicar alguns conceitos desenvolvidos

pelos soviéticos como a atividade, funções psicológicas superiores e sistemas

psicológicos. A importância de se retornar aos autores originais ganha destaque ao

analisar as obras de Vigotski e Rubinstein, apontando as diferenças teóricas e

classificando Rubinstein como formador de uma própria escola, diga-se de passagem, que

diverge teoricamente da psicologia histórico-cultural.

Para cumprir o objetivo geral deste trabalho e a apresentação histórica do

desenvolvimento da psicologia na União Soviética, e como se fez presente o pensamento

marxista neste período, cabe retornar aos próprios criadores do marxismo e identificar

esse pensamento presente posteriormente nas obras da psicologia histórico-cultural e

demais vertentes soviéticas.

2. A importância dos fundamentos marxistas para o desenvolvimento da psicologia

soviética

Como é de conhecimento dos historiadores e estudiosos da psicologia histórico-

cultural, essa teoria se desenvolve as luzes da filosofia marxista. Vários conceitos

empregados pelos psicólogos soviéticos possuem como base as ideias de Marx, Engels,

Lenin e outros filósofos que desenvolveram suas ideias a partir do materialismo histórico -

dialético. O método marxista, diga-se de passagem, o materialismo histórico-dialé t ico

possui uma grande diferença de outras correntes do materialismo. A principal diferença

1 Devido ao curto espaço deste trabalho, a função imaginativa encontra -se aqui restrita apenas em sua relação com os sistemas psicológicos e atividade criadora. Assim, as leis gerais de seu desenvolvimento não serão exploradas neste trabalho. As descrições e explicações gerais desta função psicológica superior,

encontram-se disponíveis nos resultados de pesquisa sobre o desenvolvimento da função imaginativa a partir da poesia e l iteratura de Giannoni e Paccini (2014).

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apontada por Marx e Engels encontra-se na própria atividade dos seres humanos na

realidade. Para os filósofos

O principal defeito de todo materialismo até aqui – o de Feurbach incluído –

consiste no fato de que a coisa (Gegenstand) – a realidade, a sensualidade –

apenas é compreendida sob a forma do objeto (Objekt) ou da contemplação

(Anschauung); mas não na condição de atividade humana sensível, de práxis ,

não subjetivamente. (MARX; ENGELS, 1845-1846/2007, p. 611).

A atividade prática e objetal dos seres humanos na realidade é de extrema

importância para sua humanização. Ela constitui uma grande diferença entre outras

correntes do materialismo que depositam a materialidade apenas no organismo dos seres

humanos. A atividade deve ser compreendida como a possibilidade dos seres humanos se

relacionarem com a natureza. É por meio dela que os seres humanos alteram a natureza,

e ao mesmo tempo que alteram a natureza, alteram a si mesmos (MARX, 1863/2013). Os

seres humanos são os únicos que alteram a natureza a partir de suas necessidades e

vontades, assim, tudo que existe na sociedade é fruto da atividade humana e nunca de

uma força divina superior, por exemplo. A natureza é transformada, humanizada pelos

seres humanos e neste processo de humanização da natureza, os seres humanos também

se humanizam (ILIENKOV, 1977). Nota-se ainda que brevemente a importância da

atividade objetal dos seres humanos, para Marx e Engels é atividade umas das principa is

diferenças entre os seres humanos e os animais. Eles escrevem que

O primeiro pressuposto de toda a história humana é, naturalmente, a existência

de indivíduos humanos vivos. [[Riscado no manuscrito: o primeiro ato

histórico desses indivíduos, através do qual eles se diferenciam dos animais,

não é o fato de eles pensarem, mas sim o de eles começarem a produzir seus

víveres (Lebensmittel).]]). (MARX, ENGELS, 1845-1846/2007, p. 41/42).

A atividade do sujeito é o que possibilita a produção dos víveres, ou seja, dos

meios necessários para a garantia das satisfações das necessidades humanas. Sem a

atividade, a produção dos víveres seria algo impossível, e a humanidade ainda estaria

cultivando o fogo em uma caverna para que este não se apagasse. Portanto, a satisfação

das necessidades não ocorre sem a atividade. Encontra-se nesta afirmação uma grande

diferença entre os seres humanos e os animais. Os primeiros medeiam sua relação com a

natureza a partir da atividade e da utilização de instrumentos que facilitam a satisfação

das necessidades. Os segundos alteram a natureza apenas pelo simples fato de estarem na

natureza, de uma forma totalmente imediata. Assim, os seres humanos se diferenc iam

dos animais, pelo desenvolvimento dos meios que garantem a satisfação de suas

necessidades. Ao criar esses meios, surgem então novas necessidades que assim como as

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anteriores devem ser satisfeitas a partir de novos meios que serão desenvolvidos e, estes

só se desenvolvem a partir da atividade humana.

Ao se iniciar uma revisão histórica da psicologia na União Soviética deve-se de

fato buscar esses fundamentos. Ainda para Marx e Engels “toda a historiografia tem de

começar a partir desses fundamentos naturais e de sua modificação através da ação dos

homens no decorrer da história.” (MARX; ENGELS, 1885-1846/2007, p. 42). Na relação

que os seres humanos estabelecem com a natureza, os mesmos iniciam a própria produção

de meios materiais para a sobrevivência e satisfação de suas necessidades. A constituição

dos indivíduos será determinada por esse fato apresentado pelos filósofos. O que eles são,

dependerá do modo que eles produzem e como eles produzem.

Em decorrência do processo de produção e reprodução da vida material, os seres

humanos estabelecem novas relações com outros seres humanos, assim também se

desenvolve a própria divisão do trabalho, inicialmente como divisão entre campo e cidade

que posteriormente dará origem a propriedade privada. (MARX; ENGELS, 1845-

1846/2007). Com a divisão do trabalho, a propriedade privada e com novas relações

estabelecidas pelos seres humanos, novas ideias começam a se desenvolver. Estas ideias,

assim como as relações que os seres humanos estabelecem entre eles apenas se

desenvolveu com a própria atividade material. A consciência dos seres humanos também

se desenvolve neste processo ativo na relação com a realidade concreta.

Para Marx e Engels (1845-1846/2007) “não é a consciência que determina a vida,

mas a vida quem determina a consciência.” (p. 49). O que o ser é e as relações que ele

estabelece enquanto indivíduo ativo no processo de produção material da vida,

determinará suas relações posteriores com outros indivíduos que também são ativos na

produção e reprodução da própria vida social, política e intelectual.

Rubinstein, psicólogo e filósofo soviético, busca explorar em seu artigo,

Princípios filosóficos da psicologia. Os primeiros manuscritos de Karl Marx e os

problemas da psicologia2, a influência e a importância de Marx para o desenvolvimento

da psicologia na União Soviética. Para o psicólogo, a filosofia marxista sustenta todo o

pilar da psicologia soviética. Rubinstein ainda salienta que nas obras de Marx encontra -

se o ser humano, porém não o ser humano abstrato, ou a abstração do mesmo, mas sim o

ser humano concreto, que estabelece relações com outros seres humanos e neste caminho

se desenvolve, se humaniza. Rubinstein também aponta o fato de que em toda a obra de

2 Algumas citações, assim como, referências deste trabalho se encontravam em espanhol e foram traduzidas l ivremente pelos autores.

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Marx, existe apenas um único material que este trata de assuntos propriamente ditos da

psicologia, sendo esse, os Manuscritos econômico-filosóficos escrito em 1844. Para

Rubinstein, esse trabalho de Marx se classifica como um acerto de contas com Hegel e o

início do desenvolvimento da filosofia do materialismo histórico-dialé t ico

(RUBINSTEIN, 1934/1963). Vale deixar claro ainda, que a importância de Marx para a

psicologia vai para além dos Manuscritos econômico-filosóficos, como o próprio método

do materialismo histórico-dialético. Mas vale retornar também aos manuscritos de 1844

e identificar sua importância para o desenvolvimento da psicologia na União Soviética.

Nos Manuscritos econômico-filosóficos, Marx realiza uma discussão sobre o

trabalho estranhado, ou seja, a forma pela qual a objetivação do trabalhador se volta

contra ele em uma figura completamente estranha a si mesmo. A atividade que deveria

ser a essência de todo o desenvolvimento humano, torna-se apenas um meio de existênc ia

para o trabalhador. Essa mesma atividade deveria possuir grande importância para toda a

humanização, já que é por meio dela que o indivíduo altera a natureza. Em O Capital,

obra em que Marx desenvolve sistematicamente o conceito de trabalho encontra-se que:

O trabalho é, antes de tudo, um processo entre o homem e a natureza, processo

este em que o homem, por sua própria ação, medeia, regula e controla seu

metabolismo com a natureza. Ele se confronta com a matéria natural como com

uma potência natural [Naturmacht]. A fim de se apropriar da matéria natural

de uma forma útil para sua própria vida, ele põe em movimento suas forças

naturais pertencentes a sua corporeidade: seus braços e pernas, cabeça e mãos.

Agindo sobre a natureza externa e modificando-a por meio desse movimento ,

ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele desenvolve as

potências que nela jazem latentes e submete o jogo de suas forças a seu próprio

domínio. Não se trata, aqui, das primeiras formas instintivas, animalescas

[tierartig], do trabalho. Um incomensurável intervalo de tempo separa o

estágio em que o trabalhador se apresenta no mercado como vendedor de sua

própria força de trabalho daquele em que o trabalho humano ainda não se

desvencilhou de sua forma instintiva. Pressupomos o trabalho numa forma em

que ele diz respeito unicamente ao homem. (MARX, 1867/2013, p. 255).

O trabalho é a atividade vital e central dos seres humanos, e é por meio dele que

os seres humanos alteram a natureza, transformando ao mesmo tempo sua natureza

interna. O trabalho é, portanto, sempre uma atividade orientada a um fim, que pressupõem

sua representação em forma ideal antes do próprio processo de trabalho. O trabalhador

possui a capacidade de antecipar seus atos antes mesmo de executá-los. Assim, “os

momentos simples do processo de trabalho são, em primeiro lugar, a atividade orientada

a um fim, ou o trabalho propriamente dito; em segundo lugar, seu objeto e, em terceiro,

seus meios.” (MARX, 1867/2013, p. 256). Sem os meios – instrumentos, máquinas e

instalações - para que o trabalhador produza um determinado valor de uso, por exemplo,

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o trabalho seria impossível. No final do processo de trabalho surge a materialização do

produto

Porém, nos Manuscritos econômico-filosóficos, Max não aborda apenas a relação

entre trabalhador e trabalho estranhado. O desenvolvimento histórico dos sentidos e da

constituição das potencialidades humanas também é abordado neste trabalho. Para Marx,

cada uma das relações estabelecidas pelos seres humanos são:

[...] relações humanas com o mundo, ver, ouvir, cheirar, degustar, sentir,

pensar, intuir, perceber, querer, ser ativo, amar, enfim todos os órgãos de sua

individualidade, assim como os órgãos que são imediatamente em sua forma

como órgãos comunitários, || VII| são no seu comportamento objetivo ou no

seu comportamento para com o objeto a apropriação do mesmo, a apropriação

da efetividade humana; seu comportamento para com o objeto é o acionamento

da efetividade humana (por isso ela é precisamente tão multíplice (vielfach)

quanto multíplices são as determinações essenciais e atividade humanas),

eficiência humana e sofrimento humano, pois o sofrimento, humanamente

apreendido, é uma autofruição do ser humano. (MARX, 1844/2010, p. 108).

Todo o psiquismo humano, assim como, o desenvolvimento de suas funções

psicológicas superiores é fruto dessa apropriação humana. A mediação do instrumento –

e o trabalho que é central na vida humana - torna-se também de extrema importância para

que isso ocorra. Vale lembrar que, neste momento que Marx escreve, a ciência

psicológica ainda encontrava-se apenas como um ramo da filosofia, portanto, desenvolver

ideias que fossem psicológicas significava desenvolver ideias filosóficas. Ao afirmar que

o pensamento, o sentimento – e outras funções psicológicas superiores, como os

soviéticos denominariam posteriormente em seus estudos – são frutos da apropriação dos

seres humanos, Marx abre o caminho para o desenvolvimento de uma psicologia

instrumental, histórica e cultural. Assim sendo, o desenvolvimento das funções

psicológicas superiores é o resultado da apropriação pelo sujeito das objetivações do

gênero humano. Portanto, as funções psicológicas superiores somente se desenvolvem a

partir do momento em que se cria condições para que isso ocorra. Assim como, “o olho

se tornou olho humano, da mesma forma como o seu objeto se tornou um objeto social,

humano, proveniente do homem para o homem.” (MARX, 1844/2010, p. 109). É apenas

com a mediação do outro, que as funções psicológicas se complexificam e apresentam

características tipicamente humanas. Uma criança que cresce na selva, possui

características humanas, suas estruturas biológicas são humanas, porém, não é

humanizada, seu olho não se tornou humano, seus sentimentos não se desenvolveram ao

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ponto de se encantar com uma obra de arte3 e sua linguagem principalmente não

possibilitou o desenvolvimento de seu pensamento.

Como síntese dessa primeira parte do trabalho, vale dizer que os fundamentos

marxistas para a psicologia soviética não se esgotam nesta discussão, mas pelo pequeno

espaço, resume-se aqui esses pontos considerados de extrema importância para a

psicologia histórico-cultural e outras correntes soviéticas. A atividade e o trabalho como

atividade principal na vida dos seres humanos ganha destaque nestas referências

apresentadas, a apropriação histórica dos sentidos humanos e das características

tipicamente humanas também se encontra presente no desenvolvimento teórico de

Vigotski, Luria, Leontiev, Rubinstein e outros teóricos da psicologia. É justamente esses

três pontos – a atividade, os sentidos humanos e o caráter histórico desses elementos –

que Rubinstein (1934/1963) apresenta como base que sustenta toda a psicologia soviética.

Segundo Rubinstein, a psicologia soviética se desenvolve sobre três princíp ios

básicos do marxismo. O primeiro aparece como a importância da atividade prática e

teórica dos seres humanos no desenvolvimento do sujeito e de seu psiquismo. O segundo,

relacionado com o primeiro, se faz presente no mundo dos objetos. Neste sentido, todos

os objetos criados pelo trabalho humano, condicionam o desenvolvimento das

características tipicamente humanas. O terceiro e último princípio apresentado por

Rubinstein aparece na afirmação de que tanto a psicologia humana, como as próprias

potencialidades ou sentidos humanos se desenvolvem em conjunto a história da

humanidade. Cada nova necessidade criada e satisfeitas modifica qualitativamente as

assim chamadas características tipicamente humanas (RUBINSTEIN, 1934/1963).

Os fundamentos marxistas da psicologia histórico-cultural e outras vertentes

soviéticas não se esgotam aqui. Outros autores discutiram a importância da compreensão

do trabalho de Marx para a apropriação do conhecimento produzido pelos psicólogos

soviéticos. Cabe agora identificar como esses fundamentos se relacionam com o

desenvolvimento teórico de Vigotski e outros psicólogos que desenvolveram uma

explicação sobre o desenvolvimento psicológico dos seres humanos, em específico, da

função imaginativa.

3. O desenvolvimento histórico da psicologia na União Soviética: A negação do

idealismo e da fisiologia para a afirmação de uma psicologia marxista

3 Em uma sociedade de classes em sua forma burguesa, muitas pessoas também não possuem acesso a obras de artes. Esse acesso encontra-se restrito para a classe trabalhadora.

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A psicologia que se desenvolve enquanto ciência no final do século XIX, atinge

seu desenvolvimento teórico e filosófico na Rússia utilizando como filosofia de mundo o

marxismo após a Revolução de Outubro de 1917. Com a revolução socialista e a

concretização da União das Republicas Socialistas Soviéticas, a psicologia se desenvolve

com um novo objetivo: desenvolver um novo ser humano socialista. Porém, o caminho

para a resolução desse objetivo não ocorre no imediatismo.

A psicologia que tinha de se renovar enquanto ciência neste novo momento

histórico, enfrentava ainda resquícios do desenvolvimento teórico no período Czarista e

de censura das instituições do clérigo pertencentes a Rússia pré-revolucionár ia.

Rubinstein (1959/1963) afim de reconstruir a história da psicologia na União Soviética

enquanto ciência pautada no marxismo, escreve que a psicologia na Rússia Czarista se

caracterizava por sua predominância idealista. Para ele a emergência de uma psicologia

materialista neste período se fazia como uma tarefa quase impossível. Neste sentido, o

desenvolvimento teórico das ideias de fisiólogos para a psicologia encontravam-se

restritas a pequenos espaços das universidades russas.

Uma expressão teórica da fisiologia, que expressava a necessidade de realizar

estudos da psicologia a partir de uma corrente materialista foi Iván Mijailovich Séchenov

(1829-1905). O pai da fisiologia Russa foi um teórico que desenvolveu ideias capitais

sobre a atividade psíquica, somando grande importância no combate às teorias idealistas

e irracionalistas contemporâneas a ele, e que viriam a surgir. (SHUARE,1990). Séchenov

acreditava que os problemas da psicologia deveriam ser estudados pelos fisiólogos, a

partir dos reflexos do cérebro. Fez descobertas importantes para a ciência de sua época,

sendo perseguido e retalhado em várias instituições por sua vertente materialista. Para

alguns, principalmente membros da Igreja, a teoria de Séchenov ignorava e negava os

princípios da alma.

Séchenov apesar de seus interesses pelos fenômenos do psiquismo humano, não

conseguiu desenvolver uma escola psicológica materialista, justamente pelo período

histórico de suas publicações e censuras impostas pelo governo. Apesar de sua visão ainda

mecânica e fragmentada do psiquismo, Séchenov representou um grande avanço para a

ciência fisiológica e psicológica do fim do século XIX na Rússia. Posteriormente a

Séchenov, outros fisiólogos de grande importância surgiram na Rússia Czarista e

ganharam destaque em suas publicações fora do próprio país. Vladimir Mijailovich

Bekhterev (1857-1927) e Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936) representaram um

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importante papel também no combate as teorias idealistas que vigoravam na ciência

psicológica (RUBINSTEIN, 1959/1963). A fisiologia surge em um primeiro momento

como uma negação as teorias idealistas da psicologia, porém não representava uma

superação para alguns problemas teóricos que estavam postos a ciência psicológica. A

superação teórica e a concretização de uma psicologia marxista somente se faz possível

sete anos após a Revolução de Outubro.

Apesar da grande representatividade do pensamento materialista da fisiologia, a

psicologia nas universidades até o final da década de 1910 se caracterizava como

majoritariamente idealista. Nas universidades da Rússia, em específico na Universidade

de Moscou, o pensamento idealista na psicologia estava vinculado ao nome de George

Ivanovich Chelpanov (1862-1936)4, que foi o fundador do Instituto de Psicologia de

Moscou, em 1911, e era um filósofo de orientação idealista. Luria (1992), escreve que

Chelpanov apropriado das discussões que estavam sendo realizadas na Europa,

desenvolve um laboratório de psicologia com alguns instrumentos experimentais típicos

da psicologia alemã. O trabalho de Chelpanov no Instituto de Moscou se limitava em

reproduzir experimentos de Wundt e Tichener. Apesar de Luria mencionar as pesquisas

que eram realizadas no instituto, ele não apresenta detalhes específicos. Outro fato

importante que caracterizava a predominância da psicologia idealista nas universidades

russas, se fazia presente nas publicações de Chelpanov, que havia desenvolvido um

manual geral sobre psicologia para os estudantes da área. Esse livro, diga-se de passagem,

que possuiu várias reimpressões somente deixa de ser um livro sagrado para os estudantes

de psicologia alguns anos após a Revolução de Outubro.

Após a Revolução, alguns autores apontaram a necessidade de desenvolver uma

psicologia que se orientasse a partir do marxismo. Como primeira expressão dessa

necessidade surge a figura de P. P. Blonski (1884-1941). O autor foi um importante

teórico na sistematização de críticas dirigidas as correntes idealistas no final da década de

1910 e início de 1920. Para Blonski os seres humanos não eram passivos na realidade,

assim como, as teorias idealistas propunham (PETROVSKI, 1976/1985). Blonski em suas

teorizações apontava também a necessidade de se compreender a atividade dos seres

humanos na realidade, mas assim como outros teóricos desse período, não possuía

4 Vale dizer que Chelpanov, foi um grande crítico também das correntes materialista s de sua época. Rubinstein (1959/1963) chama a atenção para críticas dirigidas a Séchenov e sua concepção materialista.

Como psicólogo idealista, Chelpanov estava combatendo a fi losofia materialista que estava ganhando forças no fim do século XIX já com os fisiólogos russos.

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domínio do marxismo e propunha estudar os seres humanos a partir de métodos das

ciências naturais.

Mas, a expressão formal da necessidade de se desenvolver uma teoria psicológica

a partir dos métodos marxistas, surge somente com K. N. Kornilov (1879-1957), que no

I Congresso de Psiconeurologia de 1923 em Moscou, propôs aos participantes do

congresso que a psicologia se orientasse a partir da filosofia do marxismo-leninismo para

cumprir os novos objetivos de uma nova sociedade. Neste mesmo congresso Kornilov

apresenta uma proposta que embora fosse ingênua e ainda mecanicista, se caracterizava

como uma saída as teorias subjetivas e condutistas da psicologia (LURIA, 1992).

Kornilov denomina sua teoria como reatologia e ingenuamente escreve sobre a

concretização de uma psicologia marxista5.

Já no II Congresso de Psiconeurologia de 1924, realizado em Leningrado, as

propostas de se desenvolver uma psicologia marxista continuavam pautadas. Mas, como

discussão primordial era que a consciência fosse retirada do campo de estudos da

psicologia e se preferenciasse o comportamento. É neste momento que entra em cena

Vigotski, que defende a permanência dos estudos da consciência na psicologia, porém

agora isso deveria ser realizado a partir de métodos objetivos. Sobre a impressão

momentânea causada por Vigotski, Luria escreve que

Quando Vygotsky6 se levantou para dar sua palestra, não portava consigo

qualquer texto impresso, e nem mesmo notas. No entanto, falava fluentemente,

e parecia nunca ter que vasculhar a memória à procura da próxima ideia. Fosse

prosaico o conteúdo de sua fala, esta seria admirável pelo encanto de seu estilo.

Mas sua fala não foi, de modo algum prosaica. Ao invés de atacar um tema

menor, como talvez fosse conveniente a um jovem de vinte e oito anos que está

falando pela primeira vez aos decanos de sua profissão, Vygotsky escolheu

como tema a relação entre os reflexos condicionados e o comportamento

consciente do homem. (LURIA, 1992, p. 43).

A fala de Vigotski chama a atenção de Kornilov, que o convida para integrar o

Instituto de Psicologia de Moscou. É também neste mesmo momento que surge uma nova

parceria que envolveria Vigotski, Luria e Leontiev e que ficaria conhecida como a

“troika”. A colaboração entre estes três jovens pesquisadores foi de fundamenta l

5 Devido ao curto espaço deste trabalho, torna -se difícil apresentar detalhadamente a reatologia de

Kornilov e seu método pautado a partir de uma tríade hegeliana. Para um aprofundamento teórico sobre esse tema recomenda-se o capítulo A história da psicologia russa, do livro O desenvolvimento da psicologia, de Rubinstein. 6 Devido as várias grafias util izadas para traduzir o nome de Vigotski, quando em citações integrais ou referências, aparecerá escrito mantendo a originalidade das ci tações ou referências.

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importância para o desenvolvimento da psicologia histórico-cultural e para a

compreensão da essência dos fenômenos do psiquismo humano (LURIA, 1992).

Como uma primeira expressão criativa para a superação das teorias existentes e a

criação de uma psicologia marxista, entra em cena a proposta de Vigotski, e seus

colaboradores. Sua proposta fundamentada no materialismo histórico-dialético e em uma

concepção monista do ser, enfrentou as teorias idealistas e as propostas condutistas que

estavam vigorando na psicologia. O método, a unidade entre atividade e consciência, as

funções psicológicas superiores entre outros problemas, aparecem a todo instante como

preocupação essencial em não apenas descrever, mas explicar todos estes problemas.

Cabe agora identificar como se desenvolve uma teoria da imaginação nesta teoria e como

essa função psicológica superior se relaciona com outras funções psicológicas dos seres

humanos e qual a importância da atividade para a objetivação da criação, sendo ela

técnica, científica ou artística.

4. Atividade, imaginação e sistemas psicológicos: A interdependência da imaginação

com os sistemas psicológicos e a atividade criadora como expressão da imaginação

Com o desenvolvimento teórico da psicologia soviética as luzes do marxismo,

novas pesquisas começam a surgir. Dentre elas, a troika se destaca por seus trabalhos com

o desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Em paralelo as pesquisas da

troika, entra em cena também as pesquisas de Rubinstein, o qual apontava a necessidade

de compreender não apenas a atividade psíquica dos seres humanos, mas também a

atividade prática (RUBINSTEIN, 1934/1963).

Em primeiro lugar surge a atividade prática, para somente depois dar origem as

formas superiores do comportamento humano. Como escreveu Luria (1992), Vigotski foi

um dos primeiros teóricos a compreender a importância da atividade, diga-se de

passagem, em um sentido estritamente marxista. Mas, apesar de em Vigotski se encontrar

o germe do conceito de atividade, foi S. L. Rubinstein e A. N. Leontiev que se dedicaram

ao estudo desse problema, descrevendo e explicando as principais leis da atividade.

Rubinstein, como de praxe, se diferencia ao explicar a atividade, e seus seguidores,

segundo Shuare (1990) acusam Leóntiev de “psicologizar” esse conceito. É claro que são

críticas rasas e sem cunho teórico algum, como menciona a psicóloga argentina.

É importante compreender mesmo que brevemente, o significado da atividade

para os soviéticos. Neste sentido, vale buscar em Rubinstein, como se constitui a atividade

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e qual sua importância para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, em

específico da imaginação. A atividade, ainda nas obras de Rubinstein, ganha maior

destaque nos Princípios de psicologia geral. Nela, o autor sistematiza o que compreende

por atividade e quais os processos envolvidos em sua objetivação. No centro de sua

elaboração teórica aparecem novos conceitos: a ação, o motivo e fim. Todos estes

conceitos fazem parte da compreensão da atividade para Rubinstein. A ação representa

para o autor parte da atividade, nunca como uma ação isolada, mas sim como uma

totalidade, a atividade. A atividade também estaria dotada de uma finalidade e um motivo

para que o sujeito a realize (RUBINSTEIN, 1940/1967).

Ao elaborar as características da atividade, Rubinstein salienta que a primeira

tarefa a se levantar é pensar nela como uma unidade. A atividade analisada como unidade

possui sempre um motivo e uma finalidade que leva a um resultado. O motivo está

diretamente ligado as necessidades ou interesses do sujeito, que se formam em um meio

social. Outro elemento que representaria uma parcela da atividade é a ação. Para o autor,

a ação representa um meio e um fim ao mesmo tempo. Ela é meio na resolução da

atividade, como parte constituinte dessa atividade, mas também é fim, em sua própria

ação parcial. É por meio da atividade que também se manifesta a personalidade, mas a

personalidade, para além de se manifestar na atividade, também se desenvolve diante à

ela. Sua importância é para Rubinstein (1940/1967) marcada na análise dos chamados

fenômenos psicológicos, segundo ele

“Todos os processos psíquicos que empenhamos a estudar ao analisar a psique

humana, aparecem na realidade como fatores e aspectos do trabalho, do jogo e

do estudo, em geral, no ser ativo. Na realidade se manifes tam somente nas

vinculações e transições recíprocas de todos os aspectos da consciência dentro

da concreta atividade, em que se formam e pela qual são determinados.” (p.

626).

No momento que a atividade é uma atividade prática e exclusivamente humana,

ela também se generaliza. Existem segundo Rubinstein (1940/1967), diferentes tipos de

atividade, sendo o trabalho – a principal atividade humana –, o jogo e o estudo. Todas

elas estão para o autor vinculadas a atividade do trabalho.

Como escreve Rubinstein, é na atividade que se expressam os produtos referente

as funções psicológicas superiores. Todo o psiquismo é expresso por meio da atividade,

a personalidade também se expressa nela, mas com uma relação dialética. Ao mesmo

tempo que a personalidade se expressa ela se desenvolve no decorrer da atividade. A

função imaginativa também se desenvolve por meio da atividade. Mas, ao estudar a

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imaginação deve-se considerar que ela não se desenvolve de forma isolada, assim como,

os produtos de sua atividade, deve-se estudar essa função psicológica superior a partir de

sua relação e interconexão nos sistemas psicológicos (VIGOTSKI, 1930/1999).

Os sistemas psicológicos são para Vigotski (1930/1999) o meio pelo qual as

funções psicológicas superiores se interligam e, no decorrer do desenvolvimento humano

tais funções se desenvolvem, porém não ocorre apenas o desenvolvimento isolado destas

funções, mas sim, uma mudança qualitativa entre todas as funções psicológicas. Não é

apenas uma função isolada que se altera, mas também a relação e a interconexão de todas

as funções psicológicas superiores. Desta maneira no decorrer do desenvolvimento

humano novas conexões se formam. Como exemplo, pode-se pensar na relação entre

memória e pensamento. Uma criança, quando muito pequena, lembra de fatos para poder

pensar, em um outro momento de seu desenvolvimento esta relação se inverte, ou seja, as

funções psicológicas superiores estabelecem uma nova relação entre si. Agora a criança

pensa para poder lembrar.

Vale, portanto, afirmar que as funções psicológicas superiores estão interligadas

pelos sistemas psicológicos. A imaginação também encontra-se submetida a esta lei.

Vigotski (1930/2009) escreve que “tanto o sentimento quanto o pensamento movem a

criação humana.” (p.30). Para ele, a imaginação não pode ser encarada como função

isolada e majoritária para a criação artística, técnica ou científica. Considerar a

imaginação como a única função responsável pela atividade criadora, acarreta retornar as

teorias idealistas e, para além disso, desmerecer todo o trabalho que encontra-se oculto

no produto objetivado pela atividade criadora.

A imaginação assim como qualquer outra função psicológica superior está

interligada com outras funções psicológicas superiores. Rubinstein (1940/1967), mesmo

com várias divergências teóricas com a psicologia histórico-cultural e os escritos de

Vigotski, realiza uma breve menção ao que parece ser a ideia de sistemas psicológicos.

Para Rubinstein, a imaginação cumpre sim um importante papel na atividade criadora,

principalmente na atividade artística, porém ao mesmo tempo encontra-se dependente de

outras funções psicológicas superiores. Logo, a imaginação como função isolada não

possui a possibilidade de objetivar elementos novos na realidade. Na tentativa de explicar

a dependência da imaginação com a atividade e outras funções psicológicas superiores,

Rubinstein utiliza o exemplo do trabalho artístico. Para ele o trabalho do artista muitas

vezes é confundido como uma simples e momentânea intuição, que permite ao pintor,

escritor e outros artistas o poder da criação. Pode-se afirmar, que essa concepção – da

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intuição do artista – desmerece todo o trabalho que está contido por detrás da criação. A

verdadeira obra de arte requer estudos, observações e compilações sobre a realidade

objetiva. Essa tarefa não surge de imediato como um simples trabalho de intuição.

Acreditar na intuição do artista é desmerecer todo o mérito de seu trabalho, e das

dificuldades que encontrou para objetiva-lo na realidade material. É na criação artística

que se manifesta, segundo Rubinstein, a imaginação com certa autonomia em relação aos

demais processos. Mas ao mesmo tempo que a imaginação toma frente na criação do

artista, outras funções estão envolvidas nesta atividade criadora como, por exemplo, a

percepção. Esta função, em particular, percebe a realidade em sua forma mais sensível e

a reconstrói a partir de novos elementos. É ainda

Este “milagre” termina na maestria da obra de arte autentica, a qual, ao

transformar o percebido, reflete a realidade objetiva, as vezes mais pura e

perfeitamente, por não dizer mais autenticamente, que jamais é possível chegar

a percepção cotidiana da realidade. (p. 644).

Os aspectos particulares de cada atividade se revelam perante a objetivação em s i

da atividade. Na objetivação da atividade artística, por exemplo, como expressão de uma

atividade criadora, outras funções também cumprem um importante papel na cristalização

dos materiais da imaginação. A percepção, memória, atenção, linguagem e

principalmente o pensamento que opera na reorganização e reelaboração da atividade

criadora. Portanto, pode-se concluir que sem a atividade e a organização das funções

psicológicas superiores em um sistema psicológico, os seres humanos orientariam suas

ações apenas para o passado, vivendo ainda, da natureza em si. A atividade, em específico

a atividade criadora, ocupa um importante papel na transformação da natureza a partir das

necessidades mais diversas dos seres humanos.

Deve-se também apontar a necessidade de realizar novos estudos sobre o

desenvolvimento da imaginação e suas relações com as demais funções psicológicas

superiores. Também surge a necessidade de encontrar em outros psicólogos, que se

propuseram desenvolver uma psicologia marxista, suas contribuições sobre os estudos da

atividade, imaginação e funções psicológicas em geral. Rubinstein, por exemplo, apesar

de divergências com Vigotski e a psicologia histórico-cultural, chega a conclusões

semelhantes às de Vigotski ao escrever sobre a imaginação e a objetivação desta função

a partir da atividade criadora. Vale encontrar em futuros trabalhos novas semelhanças, a

partir dessas diferenças teóricas postas pelas diferentes escolas da psicologia soviética,

que se desenvolveram a partir de uma semelhança metodológica, sendo essa o marxismo.

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5 – Referências bibliográficas

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