Carl Schmitt O Conceito Do Politico

197
CARL SCHMITT O Conceito do Político Tradução, introdução e notas de Alexandre Franco de Sá

description

tradução de Alexandre Franco de Sá

Transcript of Carl Schmitt O Conceito Do Politico

CARLSCHMITTOConceito doPolticoTraduo, introduo e notas de AlexandreFrancodeSTtulo original:Der Begriff des Politischen.Text von1932 mit einemVorwort und dm CoroUarien 2009 Duncker 8cHumblot GmbH,Berlim, com basena edio de1963 Todos os direitos reservadosTraduo: Alexandre Franco de S da Introduo: Alexandre Franco de S e Edies 70 Capa: FBA Depsito Legaln. 392234/15Biblioteca Nacional de Portugal -Catalogao na PublicaoSCHMITT, Cari, 1888-1985O conceito do poltico. -(Biblioteca de teoria poltica ; 12) ISBN978-972-44-1824-7CDU32Paginao:Impresso e acabamento:PENTAEDRO, LDA.para EDIES 70 emMaio de2015Direitos reservados para Portugalpor Edies 70EDIES 70, uma chancela deEdies Almedina, S.A.Avenida Fontes Pereira de Melo, 31- 3 . 8C - 1050-117 Lisboa / Portugal e-mail:[email protected] obra est protegida pela lei.Nopode ser reproduzida, notodoou emparte, qualquer que seja o modo utilizado, incluindo fotocpia exerocpia, semprvia autorizao do Editor. Qualquer transgresso lei dos Direitos de Autor serpassvel deprocedimento judicial.CARLSCHMITTO Conceito do PolticoTraduo, introduo e notas de AlexandreFranco deS70INTRODUOOCONCEITODOPOLTICO DECARL SCHMITTCari Schmitt um dos pensadores polticos mais fascinantes econtroversosdosculoxx.OConceitodo Poltico,oseutexto mais discutido e demaior repercusso,tambmo nico que foireescritoepublicado,entre1927e1933,emtrsverses revistas e minuciosamente alteradas. Passada a Segunda Guerra Mundial,na segunda edio do livroque sai em1963,Schmitt publica a segunda destas verses(aparecida Qriginalmente em 1932)acompanhada de um prefcio e trs corolrios, e esta a verso que,desde ento,tem sido reproduzida nas subsequentesedies,querna Alemanhaquernastraduesdequefoi objecto nas mais variadas lnguas(inclusive nas duas tradues paralnguaportuguesasurgidasnoBrasil,naEditoraVo^es, dePetrpolise,posteriormente,naEditoraDelRey,deBelo Horizonte).Assim,apesar da importnciadastransformaes sofridas pelotextonodecursodas suastrsprimeiras edies, primeirocomo artigo,em1927,edepois como livro,em1932 e1933,nodispomoshoje,nemnaAlemanhanememqualquer outro pas, de uma edio que as assinale. Alm detornar este clssico do pensamento poltico mais acessvel em Portugal, estalacunanosestudosdedicadosaopensamentodeCari Schmitt queapresenteediosepropesuprir.Nestaedio encontra-se,portanto,otextopadrode1932,reproduzido sucessivamente a partir da edio de1963,acompanhadocom um aparato de notas que assinalam as variaes presentes tanto8CARLSCHMITTnoprimeiroaparecimentodotexto,em1927,noArchiv fur Sozialwissenschaft und Sozialpolitik, como na republicao do livro em1933,numa poca em queHitler tinha acabado de chegar ao poder e em que o texto sai na fortemente politizada editora HanseatischeVerlagsanstalt,deHamburgo.Comumtalaparato crtico,nossaintenoconjugar oacesso versopadro, apresentada talcomo Schmitt a reproduziu a partir da dcada de60,comapossibilidadedeabordarotextocombasenas diversascamadasqueneleseencontramsobrepostas,isto, comareferncia dosdiferentesmomentosdasuaredacoe dasdiferentesquestesque,visadasemmomentosdistintos, neleconvergeme se sedimentam.De um modo geral, emO Conceito do Poltico, Schmitt prope- -seconsiderar opolticoenquanto fenmenofundamentalda existncia humana a partir da sua realidade concreta, baseando- -se na possibilidade da ocorrncia do conflito enquanto possibilidade da emergncia de uma diferenciao dos homens segundo umagrupamento amigo-inimigo.Umatal abordagem do polticoenquadra-se,noentanto,nocontextodeumateseque no pode deixar de se articular com ela, uma tese que Schmitt evoca permanentemente desde os seus primeiros textos -uma tese presente emO Valor do Estado (1914), em A Ditadura (1921), emTeologia Poltica (1922)e mesmo em Doutrina da Constituio (1928)- equeestsubjacenteassuno,enquanto jurista, daquilo que designa como uma posio decisionista acerca do direito:a tesede que o Estado consisteessencialmentena realizaoouefectivao( Verwirklichung)deumaordem,ordem essa que, longe de poder ser confundida com a ordem jurdica dasnormasdodireito,nopodedeixardelheseranterior, constituindo, nessa medida, a condio de possibilidade da sua vigncia c aplicao. Se no h norma que seja aplicvel a um caos,esenecessrioquesejacriadaordemparaqueas normasdodireitopossamvigorareaordem jurdicatenha um sentido(*),tal quer dizer que a condio de possibilidade(')CariSchmitt.PolitischeTheologie.Berlin:Duncker8cHumblot,1996, p.19.INTRODUO9desta mesma ordem jurdica reside numa deciso que antecede aestruturanormativadodireitoeque,nessamedida,dever poderdesactivarumatalestruturaemcasodenecessidade. O decisionismo parte justamente da caracterizao desta deciso como a prerrogativa pela qual se define a soberania: segundo a conhecida formulaoqueinaugura otextoTeologia Poltica,o soberano quem decide o estado de excepo (2). O soberano ,por outras palavras,o detentor da deciso sobre sea ordem jurdica dever ser suspensa emnomedorestabelecimento da ordem e da normalidade, ou seja, sobre se ocorre uma situao fcticaeconcretaquerequeraintroduodeumestadode epoch normativa para quepossa ser reposta a ordem com base naqualasnormaspossamvoltara vigorarnormalmente.Um tal estado de excepo pensado por Schmitt como uma linha que separa, por um lado, a anomia do simples caos ou ausncia de normas e, por outro lado, a presena das normas no decurso da sua vigncia normal; uma linha correspondente a um estado que configura a situao paradoxal na qual as normas se retiram ou suspendem para que possam vigorar. Neste sentido, o estado deexcepononemapresenanemaausnciadenormas,mas umespecficomodo de as normas estarempresentes atravs da sua subtraco e ausncia ou,oque omesmo,um eclipseeumaretirada dasnormascomoummodoparadoxal deelassepoderemfazerpresentes.ComoescreveuGiorgio Agamben: comoseo direitocontivesseuma fractura essencialquesesitua entreaposiodanorma ea sua aplicao,e que,no caso extremo, s pode ser colmatada atravs do estado deexcepo,isto,criandoumazonanaqualaaplicao suspensa,mas a leipermanece,comotal,em vigor(3).ParaodecisionismodeSchmitt,oEstado,nasuaessncia,osujeitodeumataldecisosoberanae,nessamedida,o garante da ordempoltica.No entanto,uma talconcepo do Estado s se torna verdadeiramente compreensvel se for abor-(2)Ibid.,p.13.OGiorgio Agamben.Stato di eccezione.Turim:BollatiBoringhieri,2003, p.43.10 CARLSCHMITTdada a partir da considerao da origem do Estado na Europa moderna.E uma tal considerao que est na base da abordagempor Schmitt do conceito dopoltico.SegundoSchmitt,o Estado moderno surgira como uma resposta s guerras religiosas que assolaram a Europa entre os sculos xvi e x v i i . A resoluo dos conflitos religiosos entre protestantes e catlicos assentara na concentrao do poder poltico no seio do Estado(que assimsetornara Estado soberano)enaquiloa quesepoderia chamar uma neutralizao poltica da esfera religiosa, segundo o lema de Albericus Gentilis frequentemente evocado por Schmitt:Siletetheologiinmunerealieno;queostelogossecalem emassuntosquenolhesdizemrespeito.SegundoSchmitt, oaparecimentodoEstadomoderno- oEstadosoberano-corresponderamonopolizaodadecisosobreoagrupamentoamigo-inimigo;eumatalmonopolizaoconsistira numa pacificao da Europa atravs da recusa dessa deciso a outras instncias que a poderiam reivindicar. Assim, a neutralizao poltica dateologia,a destituiodasigrejas edasseitas nasuacapacidadededeterminaremconflitospolticosoude decretaremguerrassantas,fundara amodernidadepoltica europeia como uma ultrapassagemdosconflitos gerados pelo fanatismo religioso. E isso quereria dizer, segundo Schmitt, que uma talultrapassagemtornara-sepossvel unicamentea partir doprocessopeloqualoEstadosoberanoconcentrara emsia prerrogativa de decidir o conflito poltico extremo, decidindo, diferenciando ou separando -deciso(Entscheidung)encontra-se, em alemo, associada noo de separar(scheiden)e de diferenciar(unterscheiden)-amigoeinimigoe,nessa medida, reservando para si o jus belli, o monoplio do direito de decidir sobre a guerra.Na era democrtica que nasceu das revolues do sculo xvm, estabelecendo o fim dos privilgios nobilirquicos e colocando opovocomosoberano,oEstadoreservara-seaprerrogativa do jusbelli emnomedasoberaniadopovoe,nessamedida, dodireitoautodeterminaoeaoautogovernodeumpovo soberano. Na sua anlise do conceito do poltico, Schmitt parte justamente desta autoafirmao democrtica do povo no jus belliINTRODUO11deumEstadoqueseconstituicomoasuaexpressopoltica. ParaSchmitt,oEstadoconservaraapossibilidadedadiferenciaoamigo-inimigo,bemcomoo jusbelli quelhepertence, naquiloaquechamaumsentidoexistencial,na medidaem queestemesmoEstadoconsistiriana afirmaoporumpovo de simesmona sua existncia poltica. A possibilidade deuma tal diferenciao seria a condio para a existncia de um povo enquantounidadepoltica.Ea existnciadepovos,a existnciadeummundopolticoconstitudocomoumpluriverso depovosdiferenciados,isto,aatribuioaopolticodeum sentidoestritamenteexistencial,seria,porseulado,acondioparaqueoconflitonofossecapturadopelofanatismo queencontrana guerrareligiosa asuaexpressoprivilegiada. SegundoSchmitt,saafirmaodosentidoexistencialdo polticopoderianeutralizar osconflitosqueprocurariamatribuiraoconflitoamigo-inimigoumsentidoqueultrapassasse estecarcterexistencial, justificandoasrelaesdeinimizade a partir deuma dimenso religiosa,tica enormativa queno simpediriaomtuoreconhecimentoentreosinimigosem conflito, mas sobretudo potenciaria a representao do inimigo comoumcriminosoodiadoedeumacomunidadeinimiga como umimprio domal.Partindodesteenquadramentoterico,asconsideraes deSchmitt emOConceito do Poltico brotam,antesdemais,de uma reflexo acerca da situao resultante do desfecho da PrimeiraGuerraMundiale,emparticular,dasexignciasfeitas pelaspotnciasvencedoras Alemanhaderrotada.Segundo Schmitt, o final da Grande Guerra del914-1918ea constituio da Sociedadedas Naes,pensada comouma liga dos povos ( Vlkerbund), representara a introduo de uma tendncia para a superao,na ordemplanetria,domtuoreconhecimento entrepotncias,numequilbrioaquechamaro jus publicum Europaeum. Uma tal tendncia, introduzida pelas potncias vencedoras da Primeira Guerra Mundial, baseava-sena apresentaodoinimigomilitarmentederrotadocomoumcriminoso quedeveriaserpunidocriminalmente,oucomoumadversriomoralmentemauquedeveriaserreprovadoesancionado12CARLSCHM1TTprecisamenteemnomedasuaperversidadeouinferioridade moral. Uma tal tendncia estaria pronta a banir a guerra como um mtodo aceitvel para a resoluo de conflitos entre Estados (neste sentido, em larga medida,O Conceito do Poltico pode ser lido como uma reflexo critica em torno do processo que, aps aPrimeiraGuerraMundial,desembocarnoPactoKellogg- -Briand, em1928, como tentativa de erradicao da guerra e de criminalizao da agresso armada).Segundo a argumentao de Schmitt, a criminalizao do agressor e a rejeio da guerra teria como consequncia no propriamente o desaparecimento da guerra,mas a atribuio s potncias vencedoras da prerrogativa dedecidir arbitrariamente a diferena entreaquiloque podecontarcomoguerraeagressomilitar,porumlado,e aquilo que, por outro lado, no contar seno como uma aco defensiva preventiva,comouma acopolicialcontra ocrime oucomoumaacomilitaremnomedapazoudaajudaa populaes carenciadas. Segundo Schmitt, nomes como paz, direito,justia e mesmo humanidade significariam agora nopropriamenteconceitos,masnomesevocadospelos vencedoresparaosreivindicarparasimesmose,atravsdasua apropriao, para se colocarem numa posio de superioridade moral diante dos adversrios derrotados. Com a transformao destesconceitosemnomesequvocos,estariaaserfoijadoo climapropcioaqueumainvasomilitar surgissecomouma intervenolibertadora ouprotectora,umtributocomouma reparaoeumactode justia,umbloqueiocomercialede alimentoscomoumamedidapacficadepresso,umataque preventivocomoumaacodedefesa,umainiciativablica como uma operao de paz.A primeira verso deO Conceito do Poltico, aparecida em 1927 sobaformadeartigo,insere-seprecisamentenestacrtica ordem internacional pretensamente pacifista e humanista que a Sociedade das Naes estabelecera na sequncia da Primeira Guerra Mundial. Neste sentido, o texto de1927 surge na linha de textos de Schmitt que conjugam a elaborao terica com a reflexo sobre a situao poltica concreta, histrica e fctica da Alemanha deento,comoocaso,porexemplo,deO statusINTRODUO13quoea Paz,deARenniacomoObjectode Poltica Internacional (1925)ou de A Questo Central da Sociedade das Naes (1926) (4) . Aolongodestestextos,Schmitt intensifica a sua confrontao terica comaquiloqueconsidera ser oembustedeuma situaona qualodireitoeamoralsomobilizadosporpotncias vencedoras como instrumentos ao servio da sua dominao e da sua autolegitimao como juzes em causa prpria, no s forando o adversrio assuno de uma culpa moral e penal, mascolocando-o- comoSchmitt gostadecitaremfrancs -horslaloi ehors1humanit,isto,colocando-ocomoumcriminoso intrinsecamentemalvolo diantedoqual sepoderiam mobilizar legitimamente todos os recursos(e mesmo eventualmente todos os crimes e embustes)para impedir o seu sucesso. ParaSchmitt,umatalsituaocorresponderiaaumregresso doconceitopr-modernodeguerra justa,assentenopathos religiosopeloqualumgrupocombateriaoseuadversriona guerra como algo demonaco, colocando-se do lado do bem, da paz e dajustia contra o mal, a guerra e o crime, e assumindo o direito detudo fazer para que o bemtriunfe sobreo mal.Seotexto de1927 surgeessencialmenteno seguimento de uma confrontao muito crtica de Schmitt com a poltica internacional,ele assenta na admissoimplcitano apenasdeque umpovooagrupamentoparadigmticonoqualemergea diferenciaoentreamigoeinimigo,mas sobretudodequeo jus belli deve ser uma prerrogativa do Estado na medida em que este aparece como a prpria expresso da existncia poltica de umpovo.Oinimigopolticoapareceaquideterminadocomo uminimigopblico-umhostis diferentedeuminimicus,um 7io,|iiodiferentedeum%0p-,isto,comouminimigo quese apresenta como talno em funo de qualquer disputa ou dio pessoal,no em funo dequaisquer razes ou fundamentosnormativos,masapenasemsentidoexistencial,no seguimento da sua pertena a uma comunidade poltica hostil.(4)Cf.DieRheinlandeaisObjektinternationalerPolitik eDerstatus quoundderFriede,inPositionenund Begriffe imKampf mitWeimar - Genf -Versailles,Berlin,Duncker &Humblot,1988, pp.29-37;38-47.Die Kemfrage des Vlkerbundes Berlin,FerdinandDummlers Verlagsbuchhandlung,1926.14 |CARLSCHMITTA noo dequeoEstadoessencialmente a expressodeum povo enquanto unidade poltica, e a consequente ideia de que o povo que decide sobre o agrupamento amigo-inimigo atravs do prprio Estado, constituem os dois pilares nos quais o texto de1927assenta.Noentanto,nestemesmotexto,emerge j a hiptese de que um grupo, uma seita ou um partido, dentro do povo,conquisteopoder edetermineoEstadoa partir da sua posiounilateral.Schmitt repensar,apartir deumamaior reflexosobreestahiptese,arelaoentrepovoeEstado, transformandoasuaabordagemdoconceitodopolticoe fazendocomqueelaadquira,na versoquepublicaemlivro em1932, a sua forma definitiva.ParaoautorquepublicaOConceitodo Poltico em1932,o povo j no pode ser evocado, como acontecia em1927, como o sujeito de uma deciso poltica que no Estado adquiria a sua expresso. Anteriormente, Schmitt j tinha apresentado o conceitodepovocomoalgoque,emsimesmo,noseriaseno umamultidoessencialmenteplural,desigualemarcadapor contradiesetensesinternas.Diantedetaiscontradiese tenses, a unidade poltica teria sempre de ser pensada, afinal, nocomoprovenientedopovoelemesmo,nasuaconsistncia imanente, mas como baseada num processo pelo qual uma autoridade vinda de cima -representando no a multido imanente do povo,mas a ideia transcendente da sua unidade poltica - decidiriainfalvelousoberanamentesobreessamesma unidade, unindo, no mesmo acto, representao e constituio doprpriopovocomosujeitopoltico (5).Por outraspalavras, a evocao do povo por Schmitt como um sujeito poltico consistentecapazdedecidir,aevocaodaconstituioemsentido existencial como a deciso soberana de um povo acerca da forma da sua unidadepoltica,como acontece na sua Doutrina daConstituio(6),teriasempre,nofundo,ocarcter deuma refernciaheurstica.Aorepensaroconceitodopolticono(B)Cf.CariSchmitt.Catolicismo Romano e Forma Poltica,trad.Alexandre Franco de S.Lisboa:Hugin,1998.()Cf.CariSchmitt.Verfassungslehre.Berlim:Duncker& Humblot,1993.INTRODUO 15texto de1932, Schmitt trata, antes de mais, de assumir o carcter heurstico desta referncia. Assim, em1932, o desaparecimento do povo como sujeito poltico torna-se inteiramentemanifesto na noo de que o Estado resulta do poltico, enquanto deciso sobreadiferenciaoamigo-inimigo,edequenonecessariamente o povo que pode assumir o protagonismo deuma tal deciso.Assim,seem1927oEstadoapareciaessencialmente como a forma poltica do povo, em1932, pelo contrrio, Schmitt explora sobretudo a possibilidade de um grupo humano -uma seita religiosa ou um partido poltico, por exemplo -ter poder suficienteparainstituirumEstado,diferenciandoamigoe inimigo,eparacombateros seusinimigosna sequnciadesta diferenciao.OEstadopoderia corresponder existncia de umpovo como unidadepoltica,mas ele j no lhe corresponderia necessariamente. Longe de ter de ser um Estado tnico, o Estado teria agora uma natureza aberta e indefinida: um Estado religioso, nas mos de uma igreja ou seita que atravs dele combateriaosseusinimigosnaf,ouumEstadoproletrio,no qual um partido operrio declarasse guerra a patres e capitalistas, seriam ainda e sempre Estados, contanto que reservassempara si a diferenciao amigo-inimigo e a possibilidade de combaternasequnciadetaldiferenciao.Dir-se-ia,ento, queentre1927e1932Schmitt transforma a ateno dedicada ao protagonista da deciso poltica.Por isso, agora o Estado e no opovo a expressodopolticoenquantopossibilidadeda diferenciaoamigo-inimigo.A substituio dopovopeloEstadoenquanto sujeitosubjacente possibilidade de diferenciar amigo e inimigo,explcita pelas transformaes sofridas pelo texto deO Conceito do Poltico entre1927e1932,conduzSchmittmudanafundamental nasuaconcepodopoltico.Em1927,opolticoeraapresentadoporSchmittcomoummbitodecoisas(Sachgebiet) entreoutros,comouma esferada realidadeaoladodeoutras esferas (A196). Do mesmo modo como existiriam questes espe- cificamenteticas,definidasa partir dapolaridadeentrebem e mal, ou domesmomodo como existiria umcrculo decoisas especificamente religiosas, determinadas pela oposio entre f16CARLSCHMITTe descrena, assim tambm haveria coisas polticas ao lado de outras coisas que o no seriam. As coisas polticas, consideradas desta maneira, s poderiam ser aquelas que de algum modo se relacionariam com o povo ou com a comunidade poltica de um modo geral.E em contraposio a esta abordagem que, a partir do livro publicado em1932, Schmitt considera o poltico nocomoummbitodecoisas,mascomoograu deintensidadedeumarelaoquepodeestar subjacenteaqualquer rea da realidade(B38). Independentemente do mbito de coisas a quepertena a sua natureza,qualquer instncia pode ser considerada poltica desde que possa determinar, a partir de si mesma,oagrupamentodoshomenssegundoa diferenciao entreamigo e inimigo.Os exemplos evocados por Schmitt so inteiramenteclaros.Seumaigrejativer poder suficientepara declarar uma guerra santa aos infiis, ela j no poder ser considerada comopertencentea ummbitodecoisaspuramente religioso,masmover-se-noplanodopolticonamedidaem quediferenciaamigoeinimigo.Seumsindicatoouumpartido operrio tiver poder suficiente para encontrar nos patres capitalistas um inimigo a combater, a relao que assim se estabelece j no poder ser considerada como algo simplesmente econmico, mas situar-se- no plano poltico justamente porque se tratar de agrupar os homens entre amigos e inimigos.A caracterizaoporSchmittdopoltico jnocomoum mbitodecoisas,mascomoomaisextremograudeintensidadedeumaassociaooudissociao,ouseja,aideiade que o poltico, longe de se restringir a um contedo especfico decoisaspolticas,possuiumaubiquidadequeconverteem potencialmente poltico qualquer mbito da realidade, tornaria possvelaconsideraodaquiloque,em1932,emergiapara Schmitt como o problema fundamental da poltica sua contempornea: a fraqueza do Estado moderno e o seu assalto s mos de partidos e movimentos que procuravam ocup-lo e coloc-lo ao seu servio. Se a emergncia do Estado moderno na Europa tinhasidoconsideradaporSchmittapartirdaneutralizao poltica da religio, a noo de que qualquer rea da realidade se poderia tornar poltica abriria a conscincia de queuma talINTRODUO17neutralizao nunca poderia ser considerada uma tarefa definitivamentecumprida,edequeseria semprepossvelpotenciar oagrupamentoamigo-inimigocomumpathosreligiosoque transformariaocarcterexistencialdoconflitopolticonum combatefanticodobemcontra omal,da luz contra astrevas ou dajustia contra o crime. Ao longo da dcada de 20, Schmitt abordouvriasvezesomodocomoseriapossveltraduzirum fanatismodetiporeligiosonumaatitudepoltica,mesmoque talfanatismopolticofosseateueirreligioso.nestesentido que,emTeologia Poltica,referindo-seaoanarquismoateude Bakunine, Schmitt fala de um telogo do antiteolgico(7). Na sequncia destas abordagens, a verso de1932 deO Conceito do Poltico reflecteabundantementesobreaquiloquecaracteriza como a morte do Estado moderno, caracterizando esta morte a partir da abordagem dasteses pluralistas sobreo Estado -as quais mostram a sua crescente incapacidadepara sedistinguir qualitativamentedequalqueroutraassociaohumana- e, nesta medida, a partir da sua progressiva dificuldade para diferenciar o conflitoestritamentepoltico,oconflitopolticoem sentidoexistencial,deumconflitofanticoqueresultassede uma atitudereligiosa ou da esfera doteolgico.Segundo o Schmitt de1932, sobretudo numa Alemanha em cujas ruas seintensificava o combateentre comunistas enazis, oEstadomodernoperdiacrescentementeasuaautoridadee encontrava-seexpostoaoassaltodepartidosque,servindo-se das prprias normas constitucionais,dosprocessos eleitorais e dapropaganda,procuravamocuparessemesmoEstado,sub- vert-lo por dentro e transform-lo numa estrutura colocada ao servio da sua ideologia. Um Estado crescentemente ocupado por tais partidosteria cada vez mais dificuldadedediferenciar ummbitodavidaespecificamentepoltico,namedidaem que,smosdospartidosqueoocupavam,todasasreasda realidade -a cultura,areligio,aeducao,a vidaemgeral -seriam crescentemente politizadas. Em textos comoO Guardio(7)Politische Theologie,p.70.18CARLSCHMITTda Constituio(1931) (8)ou Legalidade e Legitimidade (1932) (9), Schmitt cunha este processo de politizao de todas as reas da vida humana atravs da expresso Estado total: o Estado total departidosseria umEstadototalpor fraqueza,por incapacidadedesedefender doassaltodospartidos,epor nopoder deixardeabranger,emfunodestaincapacidade,todosos mbitosdavidasocial,deixandodeconseguirdiferenciaro que poltico daquiloque ono. A reduo do Estado a um aparelho ocupado por partidos mobilizados por uma viso do mundo ou mundividncia( Weltanschauung), a emergncia de umEstadototalcolocadoaoserviodapolitizaodetodaa vidasocialsmosdestesmesmospartidos,corresponderia, segundoSchmitt,aoregressoaumaestruturadepoderpr- -moderna,naqualseeclipsavaagrandeconquistadoEstado soberano:oimpedimentodofanatismoeareduodopoltico,dapossibilidadedoagrupamentoamigo-inimigo,aum sentido meramente existencial. Face a um tal eclipse da funo essencial do Estado moderno, dir-se-ia queO Conceito do Poltico, aquando da sua publicao em livro em1932, consistiu tambm numa defesa polmica do carcter essencial desta funo.Noanode1933,nodecursodanomeaodeHitler como Chanceler a 30 de Janeiro, Schmitt procurar interpretar a chegada do nazismo ao poder de ummodo igualmente polmico. Nesse ano, apressando-se a aderir ao Partido Nazi depois de se termanifestadoexplcitaepublicamentecontraele,Schmitt procura centrar-se numa viso do nazismo segundo a qual este surgiacomoumaoportunidadepararestauraraautoridade doEstado,bemcomoasuafunodeneutralizaopoltica dareligio,deseitasedepartidosnasuaatitudepotencialmentefantica.Contrariandoa visodoEstadodeidelogos nazis como Alfred Rosenberg(10)ou de juristas nazis como Otto(8)CariSchmitt.Der Hter derVerfassung.Berlin:Duncker8cHumblot, 1996.(9)CariSchmitt.Legalittund Legitimitt.Berlin:Duncker8cHumblot, 1993.(10)Alfred Rosenberg. DerMythus des 20. Jahrhundertsr. Munique, Hohenei- chen-Verlag,1933.INTRODUO19Koellreutter(n),osquaisreduziamexplicitamenteoEstadoa um instrumento nas mos do povo poltico e do movimento encarregado de expresar a sua mobilizao, Schmitt interpreta o novo Estado Nazi como uma estrutura poltica que teria superado a dicotomia liberal Estado-sociedade atravs de uma trade constituda por Estado-movimento-povo:uma estrutura na qual o povo permaneceria sempre como o depositrio de uma vida protegida e subtrada politizao, como o elemento da trade que, na articulao poltica, constituiria o seu lado impol- tico ou apoltico(die unpolitischeSeit) (12). Assim, se o nazismo correspondeu,defacto,aodesenvolvimentoqueSchmitt tinha previsto em1932 com o conceito deumEstadototalde partidos,seeleconsistiunaocupaodoEstadoporumpartido que se propunha politizar totalmentetodos os mbitos da vida social, transformando o povo num povo poltico e fanati- zando esse mesmo povo, Schmitt procura, em1933, interpretar o Estado Nazi como uma estrutura poltico-estticana qual o movimentoseconstituiriacomoumeixopoltico-dinmico atravs do qual, na sua relao com o povo, o Estado recuperariaasuaautoridadeordenadora,protectorae,nessesentido, despolitizante. Desta linha de interpretao do Estado nazi participaro discpulos de Schmitt como Ernst Forsthoff, o qual, em 1933,evoca claramentea autoridadedoEstadofaceinflunciaemobilizaopolticaexercidapelomovimentoemesmo pelo carisma pessoaldo Fuhrer:Estadoemovimentono so identificveisumcomooutro.Omovimentopodeemergir napessoadoseulder[Fuhrer].OEstadono.[...]OEstado est ligado tradio, lei e ordem(13) . Assim, segundo esta tentativadeinterpretao,explicitamenterejeitadaecomba-(n)OttoKoellreutter.Volkund Staatin der Weltanschauung des Nationalso- zialismus.Berlin:Pan-Verlagsgesellschaft,1935.(12)CariSchmitt.Staat,Bewegung,Volk.Hamburg:Hanscalisclu*Verlag- sanstalt,1933,p.12.(,s)Ernst Forsthoff. Der totale Staat. Hamburg: Hanseatisclu* Ver lagsanstalt, 1933, p.31.20CARLSCHMITTtidaportericosnaziscomoAlfredRosenberg(14),oEstado Nazi que acabara de se estabelecer, superando o liberalismo da Constituio de Weimar de1919,significaria essencialmente a reconquistadaautoridadepolticadoEstadoedasuacapacidadeprotectoraeneutralizadoradosconflitos.Asprofundas alteraes sofridas pelo texto deO Conceito do Poltico, aquando da sua publicao em1933,testemunham precisamente, antes demais,esta tentativa de interpretao (15).SeOConceito do Poltico de1932tinha sidopublicadosoba ideia de que o Estado estava a ponto de morrer, o texto de1933 substitui a referncia evocao da morte do Estado(a referncia, por exemplo, a um autor como Lon Duguit)pela polmica contraaconvergnciaentresocialismoeliberalismonasua rejeiodoEstadocomounidadepolticasuprema(C55-56). Para o Schmitt de1933, intensificando a ubiquidade do poltico talcomotinhasidoapresentadaem1932,apolticaodestino, envolvendo o homem na integralidade da sua existncia e podendo, por essa razo, estar presente em qualquer dimenso da vida humana.Dir-se-ia que,na sequncia tambm da recen-(,4)Cf.Alfred Rosenberg.Totaler Staat?.inGestaltungder Idee: Blut und Ehrell.Munchen:Zentralverlag der NSDAP,1936.(l!i)Cf.,aestepropsito,omeuartigoAQuestodoNacionalismono Pensamento de Cari Schmitt: o conceito schmittiano do poltico entre a Repblica de Weimar eoEstadoNazi,inRevista Filosfica de Coimbra,n 31,2007, pp.239-260[publicadotambmem:AlexandreFrancodeS.Poder,Direito e Ordem: ensaios sobreCari Schmitt.Riode Janeiro:Via Verita,2012].Duranteo IIIReich,Schmittnopouparesforosparaapresentarasalteraesde O Conceito do Poltico comomelhoriasdotexto semsignificadoemtermosde contedo.Por essarazo,na colectneaPosies eConceitos,quepublicaem 1940,voltaapublicara versode1927,apresentada comumanota emque, no fazendoqualquerreferncia s variaes ocorridasnas duas verses subsequentes, se l o seguinte: A segunda edio deO Conceito do Poltico apareceu em1931naDuncker 8cHumblot,aterceira eseguintesedies apareceram, desde1933,na editora da Hanseatische Verlagsanstalt,deHamburgo.A presente edio foi elaborada literalmente segundo a publicao do ano de1927, para um melhor juzo das tentativas feitas por revistas de emigrantes para estabelecer algumas melhorias que empreendi mais tarde como indecentes alteraes depensamento[unanstndige GesinnungsnderungenY(Cf.CariSchmitt. Positionenund Begriffe.Berlin:Duncker 8c Humblot,1994, p.75).INTRODUO21so deO Conceito do Poltico escrita por Leo Strauss em1932 (16) , Schmitt rejeita aquidefinitiva eintegralmente qualquer possibilidade de compreenso liberal do poltico como um mbito de coisasou uma esfera de coisas polticas, situada ao lado de coisas no polticas. Contudo, para o Schmitt de1933, importa sobretudonoconfundirestarejeiodeumaconcepo liberaldopolticocoma adesopropostatotalitria deuma politizaodetodasasdimensesda vidaindividualesocial. E importa no faz-lo justamente porque o argumento ltimo de Schmitt, na sua defesa de um Estado dotado de uma autoridade absoluta, soberana e incontestada, encontra-se na noo de que soEstado,aodotaroagrupamentoamigo-inimigodeum sentidopuramenteexistencial,estariaemcondiesdeevitar uma politizao total da vida. Neste sentido, significativo que Schmitt,natransioentreasediesde1932e1933,depois de caracterizar a poltica como o destino, e a unidade poltica comoparadigmtica,totalesoberana,tenhatidoocuidado de manter inalterada a passagem emqueafirmava quetalno quereria dizer quecada aspecto singular da existncia decada homemtivesse de ser comandado pelo poltico(C21-22),nem queaunidadepolticasedevessesobrepor vida, famlia, amizade, aos vrios tipos possveis de associao humana, politi- zando-os e eventualmente aniquilando-os. Na verso de1933 de O Conceito do Poltico, a partir das mudanas relativas edio do ano anterior, muito clara a tentativa deconjugar a afirmao daubiquidadedopolticocomaafirmaodaautoridadede um Estado cujo poder se exerceria atravs no da politizao de cadadimensoda vidadecadaum,masprecisamentedoseu contrrio, ou seja, atravs da possibilidade de que o monoplio da diferenciaoamigo-inimigopeloEstadocorrespondesse possibilidade de proteger o povo(e a vida individual e social de cada um)relativamenteapartidos,seitasemovimentosquea procurariaminvadir e mobilizar. A este propsito, eloquente(16)SobrearelaoentreCariSchmitteLeoStraussapropsitodesta recenso, cf. sobretudo Heinrich Meier.Cari Schmitt, teo Strauss undDer Begriff des Politischen\Zu einem Dialog unter Abwesmden.Estugarda e Weimar:Metzler, 1998.22CARLSCHMITTqueSchmitt acrescente,precisamentenotextode1933eno momento da ocupao do poder pelo nazismo, uma referncia crtica ao aborto, morte livre e eutansia, escrevendo expli- citamente que nenhum programa,nenhum ideal e nenhuma finalidade poderiam fundar um direito pblico de dispor sobre a vida fsica de outros homens(C31).Emsuma,contrariando a viso donazismoquedesenvolve em1932, na qual este aparecia claramente caracterizado como ummovimentototalitrioperigosoqueprocuravaconquistaropodernoEstadoparaosubverterpordentro,Schmitt esforar-se- em1933por ver noEstadoNazia restauraoda autoridadedo Estado e,portanto,o oposto de uma tal subverso. Dir-se-ia que, ao aderir ao Estado Nazi, Schmitt investe um singularesforointelectualempensaroestabelecimentoda liderana(daFiihrung),enquantoprincpioconsagradopelo novoEstado,comoapossvelrestauraodestaautoridade. Asmudanasqueocorremnotextode1933 expressamsobretudoesteesforopara,nodecursodadecisodeaderirao movimento, manter o essencial daquilo que tinha sido o alvo dassuascrticasanterioresaonazismo.Noentanto,umatal inteno,importadiz-lo,noimpedirqueocompromisso deSchmitt comonovoregime,sobretudoentre1933e1936, tenhasidocrescenteetenhaidotambmdemasiadolonge. Entre esses anos,procurando assegurar a sua situao no novo regime,Schmittcedertentaodealudiraoconceitode raacomoabaseparapensaroprincpiodaidentidade dopovo,transformandoa suacaracterizaodesteatravsde afinidades e similaridade(atravs do conceito de Gleichartigkeit, comotinha ocorridona sua Doutrina daConstituio em1928) naevocaodeumaigualdadedetiporacial,aqueserefere comoigualdadedeespcie(Artgleichheit) (17) .Domesmo modo, acompanhando esta transformao daGleichartigkeit em Artgleichheit,eleiraopontodeinterpretar older(oFhrer) noapenascomochefedopoderexecutivoelegislador,mas tambmcomo juiz,numa altura emque o generalSchleicher,(17)Cf.CariSchmitt.Staat,Betvegung,Volk,pp.42, 45 etc.INTRODUO23o antigo Chanceler em que ele depositara ainda algumas esperanas em1932, era assassinado na Noite das Facas Longas(18); outambmao ponto desaudar as Leis deNuremberga,as leis raciaisde1935 (19).Noentanto,aocontrriodoquesepassa emtextosmais pequenos e circunstanciais onde manifesto o esforo de mostrar uma adeso ao regime, ou mesmo em algumas passagens de Estado,Movimento,Povo,livroondepretende apresentar a sua concepo do Estado Nazi, a verso de1933 de O Conceito do Poltico nopodeser compreendida luz deuma tentativadecompromissocomoregime,comoseuracismo, com o seu biologismo e com a sua vocao totalitria.Reescrevendopelaterceira vezotextoquepublicaraemlivronoano anterior, Schmitt pretende certamente pensar o novo regime a partir doseuconceitodopoltico,masnotransformaroseu conceitodopolticoapartirdasuaadesoaonovoregime. Dir-se-ia, por isso, queO Conceito do Poltico, na verso publicada em1933,tambmaobraquemaisclaramentemanifestao pensamentoschmittianonocontextodotrnsitoentreacrise finaldaRepblicadeWeimareaascensodonazismo;uma obra que o manifesta quer pelo que altera quer pelo que deixa inalterado das verses anteriores.Abril de2015A l e x a n d r e F r a n c o d e S(,H)Cf.CariSchmitt.DerFuhrer schutztdasRecht,inPositionenund Begriffe.Berlin:Duncker & Humblot,1988,pp.227-232.(,9)Cf.CariSchmitt.DieVerfassungderFreiheit.inDeutsche Juristen- -Zeitung, 40,1935,pp1134-1135.A presentetraduotemcomoreferncia,comoemgeral acontece nas edies desta obra, a verso deO Conceito do Poltico publicada em livro em1932 e reeditada em1963, com um prefcio e trs corolrios. Contudo, ela apresenta em nota tambm as variantes presentes quer na primeira verso do texto, publicada em1927 no Archiv fur Sozialwissenchaft und Sozialpolitik, quer na edio em livro de1933. As trs verses so referenciadas pelas letras A, B e C, sendo a paginao dos textos originais indicada nas margens.Os originais a partir dos quais foramfeitas as tradues so os seguintes:Al . averso(1927): Der Begriff des Politischen.Publicado in Frie- denoder Pazifismus ?Arbeiten zumVlkerrechtund zur intemationa- lenPolitik1924-1978 (ed.Gunter Maschke).Berlin:Duncker & Humblot,2005,pp.194-219.B2.~ verso(1932):Der Begriff des Politischen:Text von1932 mit einemVonvortunddreiCorollarien.Berlin:Duncker&Hublot, 1996;6.1edio.C3.verso(1933):Der Begriff des Politischen.Hamburg:Han- seatische Verlagsanstalt,1933.memria do meu amigo August Schaetz,de Munique, cado a 28 de Agosto de 1917, no ataque a Moncelul.Prefcio...Aristtelesdiz,oquealgunsdizemeacham,edi-locom aprovao,queaamizadeeaguerrasocausadafundaoe da corrupo.Cillierchronik,p.72(por OttoBrunner,Land und HerrschafU 1939, colocado como mote na seco Poltica efaidas (*)).Estareimpressodoescritosobreoconceitodopoltico contm o texto completo, sem modificaes, da edio de1932. No posfcio de1932 destacado e explicitamente acentuado o carcter rigorosamente didctico do trabalho, de tal modo que tudo o que aqui dito em relao ao conceito do poltico deve apenasenquadrarteoricamenteumproblemaincomensurvel.Por outras palavras,deve ser demarcadoumquadropara determinadasperguntasdacincia jurdicaafimdeordenar uma temtica confusa e encontrar uma tpica dos seus conceitos.Isso umtrabalho que no pode comear com determinaes essenciais intemporais, mas que s arranca, partida, com critrios para no perder de vista o material e a situao. Trata- -senele,principalmente,darelaoedaposiocontraposta dos conceitos estatal e poltico, por um lado, guerra einimigo, por outro,a fimdereconhecer o seu teor deinformao para este campo conceptual.OPara o esclarecimento do termo faida,cf.nota subsequente(N.T.).30 CARLSCHMITTO desafioOcamporelacionaldopolticoaltera-seconstantemente, decada vezsegundoasforaseospoderesqueseligamuns comosoutrosouqueseseparamentresiparaseafirmarem. A partir da polis antiga, Aristteles adquiriu determinaes do polticodiferentesdeumescolsticomedievalqueassumisse literalmenteas formulaesaristotlicas e,noentanto,tivesse em vista algo completamente diferente, designadamente a contraposio entre espiritual-eclesistico e secular-poltico, isto , B10uma relao de tenso entre duas ordens concretas.Quando a unidade da Igreja da Europa Ocidental colapsou, no sculo xvi, e a unidade poltica foi destruda por guerras civis confessionais crists, chamavam-se em Frana politiques precisamente aqueles juristasque,naguerraentreirmosquesedesenrolavaentre partidosreligiosos,defendiamo Estado comoaunidadesuperior, neutral. Jean Bodin, o pai do direito do Estado e do direito das gentes europeu, era umtal poltico tpico destetempo.A parte europeia da humanidade vivia, at h pouco, numa poca cujos conceitos jurdicos eram completamente cunhados a partir do Estado epressupunhamoEstado comomodelo da unidadepoltica.Apocadaestatalidadechegaagoraaoseu fim. Sobre isso j no vale a pena perder tempo a discutir. Com ela, chega ao fimtoda a superestrutura de conceitos relacionadoscomoEstadoqueumtrabalhodepensamentodequatro sculos da cincia do direito do Estado e dodireito das gentes eurocntrico edificou.O Estado enquanto modelo da unidade poltica,oEstadoenquantoportadordomaisespantosode todos os monoplios,nomeadamente o monoplio da deciso poltica,esta obra-prima da forma europeia edoracionalismo ocidental, destronado.Mas os seus conceitos so mantidos,e mesmo ainda como conceitos clssicos. Certamente que o termo clssico soa hoje quase sempre ambguo e ambivalente, para no dizer irnico.Houverealmenteuma vez umtemponoqualfazia sentido identificar os conceitos estatale poltico. Pois para o Estado europeuclssicotinha sidoalcanadoalgocompletamenteimpro-OCONCEITODOPOLTICO31vvel:criarpaznoseuinterioreexcluirainimizadecomo conceito jurdico.Eleconseguira eliminar as faidas(*),uminstituto de direito medieval, pr fim s guerras civis confessionais dos sculos xvi e xvn, que eram conduzidas de ambos os lados como guerras particularmente justas, e produzir, dentro do seu territrio,tranquilidade,segurana eordem.A frmula tranquilidade, segurana e ordemservia reconhecidamente como definiodapolcia.NointeriordeumtalEstado,havia,de facto, apenas polcia, e j no poltica; a no ser que se designe como poltica intrigas de corte,rivalidades, faces e tentativas de rebelio de descontentes, numa palavra, perturbaes. Um tal emprego do termo poltica , naturalmente, igualmente possvel, e discutir sobre a sua correco ou incorreco seria uma lutaterminolgica.Ssetemdenotarqueambosostermos, polticaepolcia,soderivadosdamesmapalavragrega polis. Polticaemsentidogrande,altapoltica,eraentoapenasa poltica externa queumEstado soberano enquantotal,diante deoutros Estados soberanos que elereconhecia comotal,realizava no plano deste reconhecimento, na medida em que decidia sobrerecproca amizade,inimizade ouneutralidade.Queoclssiconumtalmodelodeumaunidadepoltica pacificadaefechadaparadentro,equesurgefechadapara foracomoumsoberanodiantedesoberanos?Oclssicoa possibilidadedediferenciaesclarasinequvocas.Dentroe fora,guerraepaz;duranteaguerra,militarecivil,neutralidadeouno-neutralidade,tudoistoestreconhecidamente separadoenomisturadopropositadamente.Tambmna guerra,todos,deambososlados,tmoseustatusclaro.Tambmoinimigo,na guerra dodireito das gentesinter-estatal, reconhecidocomoEstadosoberanonomesmoplano.Neste direito das gentes inter-estatal, o reconhecimento como Estado, enquanto este ainda dver um contedo, contm j o reconhecimento do direito guerra e, portanto, o reconhecimento como(*)O termo faida traduz o alemo Fehde. Com origem no italiano medieval,estetermorefere-seslutasquepoderiamresultar,naIdadeMdia,da execuode vinganasedecompensaesprivadaspor partedefamliasou outro tipo de grupos(N.T.).Bl l32CARLSCHMITTinimigo justo. Tambm o inimigo temum status; ele no um criminoso.Aguerrapodeserdelimitadaecircunscritacom circunscriesdodireitodasgentes.Emconsequnciadisso, elapodiatambmserterminadacomumtratadodepaz que normalmentecontinhaumaclusuladeamnistia.Sassim possvel uma diferenciao clara entre guerra e paz, e s assim uma neutralidadelimpa, inequvoca.A circunscrioeclara delimitaoda guerra contmuma relativizao da inimizade. Cada relativizao um grande progressono sentido da humanidade.Certamente que no fcil implement-lo,poisparaoshomensdifcilnoteremoseu inimigopor umcriminoso.Emtodo o caso,para o direito das genteseuropeu,odireitodaguerrainter-estatalquedecorre sobreaterra,foiconseguidoessepassoraro.Dequemodo eleserconseguidoporoutrospovosque,nasuahistria,s conhecemguerrascoloniaisecivis,estaindaporsaber.Em B12nenhum caso um progresso no sentido da humanidade interditarcomoreaccionriaecriminosaaguerracircunscritado direito das gentes europeu e,em vez dela, em nome da guerra justa,desencadearinimizadesrevolucionriasdeclasseede raaque jnopodemetambm jnoqueremdiferenciar inimigo e criminoso.Estado e soberania so os fundamentos das delimitaes de guerra e inimizade que at agora foram alcanadas. Na verdade, umaguerralevadaacaboconcretamentesegundoasregras dodireitodasgenteseuropeucontmemsimaissentidode direito e de reciprocidade, mas tambm mais emprocedimentos jurdicos, mais aco jurdica, como antigamente se dizia, doqueumprocessoespectculo,encenadopelosmodernos detentoresdopoder,paraa aniquilaomoralefsicadoinimigopoltico.Quemdeitar abaixoasdiferenciaesclssicas eascircunscriesdaguerrainter-estatal,construdassobre elas, tem de saber o que faz. Revolucionrios profissionais como Lenine e Mao Tse-tung sabiam-no. Alguns juristas profissionais noosabem.Noconseguemnotarcomoosconceitosclssicostradicionaisdaguerracircunscritasoutilizadoscomo armasdaguerrarevolucionria,dosquaispossvelservir-seOCONCEITODOPOLTICO|33deforma puramenteinstrumental, vontadee semobrigao dereciprocidade.Estaasituao.Umasituaointermdiatoconfusa entreformaeno-forma,guerraepaz,levantaquestesque so incmodas e incontomveis e quecontmem si um genunodesafio.Apalavraalemdesafio[Herausforderung] (*)traz aqui expressotanto o sentido de umchallenge como de uma provocao.Tentativa de uma respostaOescritosobreoconceitodopolticoumatentativade ser justo para com as novas questes e de no desvalorizar nem ochallenge nemaprovocao.Enquantoaconfernciasobre HugoPreuB( 1930)(**)eostratadosDer Huter derVerfassung (1931) (***) e Legalitt undLegtimitt ( 1932)(****) investigam a nova problemtica de direito constitucional intra-estatal, os temas de teoria doEstadoencontram-seagoracomostemasdodireito dasgentesinter-estatal;nosefalaapenasdadoutrinapluralista do Estado -na Alemanha deento ainda completamnte desconhecida-,mastambmdaSociedadedasNaesde Genebra.O escrito responde ao desafio de uma situao intermdia.Odesafio,queresulta destamesma situao,dirige-se,(*)O termo alemo Herausforderung possui precisamente, na sua etimologia,esteduplosentidodeprovocaredesafiar,namedidaemquesetrata precisamente de se dirigir a algo{fordem)para extrair algo dele etir-lo para fora(heraus).apartirdesteduplosentidoqueMartinHeidegger,noseu ensaioAquestodatcnica,elegeprecisamenteotermoHerausforderung para designar o modo como o ente tcnico vem a ser(N.T.).(*")Schmittrefere-seaotextoquepublicouem1930 sobottuloHugo Preuss: o seu conceito de Estado e a sua posio na doutrina alem do Estado: Hugo Preuss: Sein Staatsbegriff und seine Stellung in der deutschen Staatslehre. Tubin- gen:J.C.B.Mohr,1930(N.T.).(***)Trad.port.: Cari Schmitt.O Guardio da Constituio.Belo Horizonte: DelRey,2007(N.T.).(****)Trad. port.: Cari Schmitt. Legalidade eLegitimidade. Belo Horizonte: Del Rey,2007(N.T.).B1334|CARLSCHMITTemprimeiralinha,aperitosconstitucionaisea juristasdo direito das gentes.Assim, diz logo a primeira frase: O conceito de Estado pressupe o conceito do poltico. Quem dever compreender uma teseformuladadeummodotoabstracto?Paramim,ainda hojeduvidososefaziasentidocomearumaapresentao nestecarcterabstracto,nadatransparenteprimeiravista, porque frequentemente j a primeira frase decide sobre o destinodeuma publicao.Noentanto,o enunciadoconceptual quaseesotriconoest,precisamentenesteponto,forado lugar. Ele expressa pelo seu carcter de tese provocadora a que destinatriossedirigeemprimeiralinha,designadamentea conhecedores do jus publicum Europaeum, conhecedores da sua histria e da sua problemtica actual. E apenas comreferncia a tais destinatrios que o posfcio em geral ganha sentido, pois destaca tanto a inteno de enquadramento de um problema incomensurvelcomotambmocarcterrigorosamente didctico da apresentao.Um relatrio sobre os efeitos do escrito dentro deste mbito especializado dos seus autnticos destinatrios teria de envolver publicaes subsequentes queultrapassamoponto de partida desteconceito dopolticoeprocurampreencher o enquadramento.AissopertenceaconfernciasobreAviragempara oconceitodeguerradiscriminante(1938)eolivrosobreo NomosdaTerra* (1950).Umtalrelatrioteriatambmde abarcar o desenvolvimento das intuies sobre o procedimento polticoeoasilopoltico,esobrea justiciabilidadedosactos polticos e decises de questes polticas que envolvem a forma dajustia; teria mesmo de envolver os fundamentos do processo B14judicirio em geral, ou seja, uma investigao sobre at onde o procedimento judicirio jmodificaporsimesmo,enquanto procedimento,asuamatriaeobjecto,levando-oaumoutro estado de agregao. Tudo isso ultrapassa de longe o quadro de um prefcio e pode aqui apenas ser indicado como tarefa. Tam-OSchmitt refere-se ao livro Der Momos derErde (Berlin:Duncker 8cHum- blot). Trad. port.:O Momos da Terra. Rio de Janeiro: Contraponto, 2014(M.T.).OCONCEITODOPOLTICO35bm a questo da unidade poltica -no apenas econmica ou tcnica -do mundo pertenceria a isso.No entanto,do grande numero demanifestaes,gostaria aquidetomar dois ensaios sobre direito das gentes que se confrontam criticamente com as minhas ideias, rejeitando-as, e contudo mantm objectivamente em vista otema:as duastomadas deposioqueoProf.Hans Wehberg,deGenebra,publicounasuarevista Friedenswarte, em1941e1951.Como o escrito sobre o conceito do poltico,tal como qualquerelucidaodeconceitosconcretosnoplanodacincia jurdica, trabalha um material histrico, ele dirige-se simultaneamente aos historiadores, em primeira linha aos conhecedores dapocadaestatalidadeeuropeiaedapassagemdasfaidas medievaisparaoEstadoterritorialsoberanoeasuadiferenciaoentreEstadoesociedade.Nestecontexto,temdeser mencionado o nome de um grande historiador,Otto Brunner, que na sua obra precursora Terra eDomnio [Land und Herrschaft] (l . aedio,1939)trouxe uma importante verificao histrica domeu critrio do poltico.Ele dedica tambmateno a este pequeno escrito, mesmo que o registe apenas como um ponto final,designadamenteopontofinaldodesenvolvimentode uma doutrina da razo deEstado. Ao mesmotempo,levanta a objeco crtica de que este estabelece o inimigo e no o amigo como a marca conceptualautenticamentepositiva.Atravsdacaracterizaopontofinal,oescritoremetidoparaaeraimperialistaeoseuautorclassificadocomo umepgonodeMaxWeber.OmodocomoosmeusconceitosserelacionamaosconceitosdeumadoutrinadoEstado edodireitodasgentestipicamenteimperialistaresultacom suficiente clareza da anotao 9,p.B33,quediz respeitoaum produtotpicodestaera.Arecriminaodeumsupostoprimado do conceito de inimigo est geralmente espalhada e um esteretipo.Elaignoraquequalquermovimentodeumconceito jurdico emerge, com necessidade dialctica, da negao. Na vida jurdica, como na teoria jurdica, a incluso da negao algo completamente diferente de um primado daquilo que negado.Umprocessocomoaco jurdicaspodeserpen-B1536 CARLSCHMITTsado, em geral, se um direito for negado.Pena e direitopenal pem no um acto, mas um delito* no seu incio.Ser que isso uma concepo positiva do delito e um primado do crime?Independentementedisso,ohistoriadorparaquemahistria no apenas passado notar tambm o desafio concretamente actual da nossa elucidao do poltico, designadamente a confusa situao intermdia de conceitos jurdicos clssicos e revolucionrios,eno confundir o sentido da nossa resposta a estedesafio.Odesenvolvimento deguerra einimigoque se psemmarchaem1939conduziuanovosmodosdeguerra, mais intensivos, e a conceitos de paz completamente confusos, conduziu para a moderna guerra de guerrilha e revolucionria. Comosepodeabarcarteoricamentetudoisso,seseafasta da conscinciacientficaarealidadedequehinimizadeentre os homens?No podemos aprofundar aqui a discusso detais questes;lembre-seapenasdequeodesafioparaoqualprocuramos umarespostanodesapareceu entretanto,mas a sua fora ea sua urgncia incrementaram-seainda demodoinesperado. Alm disso, o segundo corolrio acrescentado, de 1938, forneceumavisodeconjuntosobrearelaodosconceitos guerra e inimigo.Masnoapenas juristasehistoriadoresseocuparamcom oconceitodopoltico,tambmtelogosefilsofossignificativosofizeram.Paraisso,seriaexigveligualmenteumrelatrioparticularmentecrticoparatransmitir umaimagemmeio completa.Neste mbito emergem, com efeito, novas e extraordinrias dificuldades de compreenso mtua, de tal modo que setorna quaseimpossvelumenquadramento convincenteda problemticacomum.OditoSilete theolog\,queum juristado direitodas gentes(**),no comeo da poca estatal, bradou aos telogos deambas as confisses,continua ainda a fazer efeito.(*)Traduzimos por delito otermoUntat> o qual,no alemo,anegao doacto,aquiloquenegaoacto[ Tat]queseconstituicomo objecto da prescrio ou doque seria expectvel(N.T.).(*)Schmitt refere-se a Albericus Gentilis, o qual, no sculo XVI, defendia queasquestesteolgicasnodeveriaminterferiremquestespolticas, devendoostelogossilenciar-seemquestesquenolhesdiziamrespeito (N.T.).OCONCEITODOPOLTICO 37Afragmentaodaspartesdotrabalhodanossadoutrinae investigaoemcinciasdoespritoconfundiualinguagem comum, e precisamente em conceitos como amigo e inimigo quase indispensvel umaitio in partes.Aauto-conscinciaorgulhosaquefalavaapartirdaquele Silete! noinciodapoca estatalest acair dasmos,emlarga medida, dos juristas do seu fim. Muitos procuram hoje apoios e revalorizaes num direito natural teolgico-moral, ou mesmo em clusulas gerais deuma filosofia dos valores.O positivismo legaldosculoxix jnosuficiente,eoabusodosconceitosdeumalegalidadeclssicapatente.O juristadodireito pblico v-se -diantedateologia ouda filosofia,deumlado, edosajustamentostcnico-sociais,dooutro- numaposio intermdiadefensiva,naqualaintangibilidadeautctoneda sua posio desaparece e o teor informativo das suas definies estameaado.Umasituaoconfusadestaespcie justificaria junicamenteporsiareimpressodeumescritosobreo conceito do poltico quesetornou,desdeh muitos anos,inacessvel,para queumdocumentoautnticopossaser salvode mitificaes falsas e possa ser restitudo um enunciado genuno sua determinao originria,informativa.O justificadointeressepeloautnticosentidoliteralde umenunciadoaindamuitomaisvlidoparambitosextra- -cientficos, para o jornalismo dirio e a esfera pblica dosmass media.Nestembitos,tudoadaptadoaos finsmaisimediatos do combate poltico do dia ou do consumo. Aqui torna-se simplesmenteabsurdooesforoporumenquadramentocientfico.Nestemeio,fez-seda primeira implantaocuidadosa de umcampoconceptualumapalavradeordemprimitiva,uma chamada teoria do amigo-inimigo, que s se conhece por ouvir dizerequeseatiracontraopartidocontrrio.Aqui,oautor nada mais pode fazer seno pr o texto completo, tanto quanto possvel,emsegurana.Deresto,eletemdesaber queosefeitoseconsequnciasdassuaspublicaes jnoestonassuas mos.Osescritospequenos,emparticular,percorremoseu prprio caminho,e aquilo queo seu autor autenticamente fez comeles s o diz o dia seguinte.B1638CARLSCHMITTB17Prosseguimento da respostaA situaodepartidacontinua a durar enenhumdosseus desafiosestultrapassado.Acontradioentreoemprego oficialdeconceitosclssicosearealidadeefectivademetas emtodosrevolucionriosnoplanomundialsseagudizou ainda mais. A reflexo sobre um desafio desta espcie no pode terminar e a tentativa de uma resposta tem de ser prosseguida.Comopodetalacontecer?Otempodossistemaspassou. Quandoapocadaestatalidadeeuropeiateveasuagrande ascenso,htrezentosanos,surgiramossistemasdepensamentodominantes. J nosepodehojeconstruir assim.Hoje j s possvel uma retrospectiva histrica que reflicta o grande tempo do jus publicum Europaeum e os seus conceitos de Estado e guerra einimigo justo na conscincia da sua sistematicidade. Tentei-a nomeu livro sobre o Nomos daTerra(1950).Aoutrapossibilidade,contrapostaaesta,seriaosaltono aforismo.Enquanto jurista,este-meimpossvel.Nodilema entre sistema e aforismo s resta uma sada: manter o fenmeno vista etestar asperguntas,quesempredenovo selevantam, desituaestumultuosassemprenovaspelosseuscritrios. Edestamaneira quecresceumconhecimentoqueseestende aoutro,esurgeumasriedecorolrios.H jmuitosdeles, masnoseriaprticosobrecarregarcomelesareimpresso deumescritodoanode1932.Apenasumacategoriamuito particulardetaiscorolrios,osquaistransmitemumaviso deconjunto sobre as relaes de um campo conceptual,entra aquiemconsiderao.Elesdelineiamumcampoconceptual noqualos conceitosseinformammutuamenteatravsda sua posionocampoconceptual.Uma visodeconjuntodesta espciepodeser particularmentetilpara o fimdidcticodo escrito.Otextoreimpressode1932,enquantodocumento,teve deserapresentadoinalterado,comtodososseusdefeitos. Odefeitoprincipalencontra-se,objectivamente,emqueas diferentes espcies de inimigo -inimigo convencional, real ou absoluto -no so separados e diferenciados com suficiente cia-OCONCEITODOPOLTICO39reza e preciso. Agradeo a um francs, Julien Freund, da UniversidadedeEstrasburgo,ea umamericano,GeorgeSchwab, daUniversidade Columbia deNova Iorque,a indicaodestas lacunas.A discussodoproblemaprossegueinexoravelmente eleva-seacaboumgenunoprogressonaconscincia.Pois osnovostiposeosnovosmtodosdeguerra,adequadosao nossotempo,obrigama uma meditao sobreo fenmeno da inimizade.Mostrei isso num exemplo particularmente actual e agudo,numtratado autnomo sobre a teoria do partisan(*), oqualapareceuaomesmotempoqueestareimpresso.Um segundoexemplo,igualmenteimpressivo,oqueoferecea chamada Guerra Fria.Naguerradeguerrilhahodierna,talcomosedesenvolveuprimeirona guerrachino-japonesadesde1932,depoisna SegundaGuerraMundiale,finalmente,depoisde1945,na Indochinaeemoutrasterras,ligam-sedoisacontecimentos contrapostos,duasespciesdeguerraedeinimizadecompletamente diferentes: primeiro, uma resistncia autctone, defensivana sua essncia,queapopulaodeumaterracontrape invasoestrangeira,edepoisoapoioecontrolodeumatal resistnciaporterceiraspotnciasinteressadas,agressiva^no plano mundial.O partisan, o qual era para a conduo clssica daguerraummeroirregular,umafigurameramentemarginal,tornou-seentretanto,senoumafiguracentral,certamente uma figura chave da conduo da guerra revolucionria no plano mundial.Recorde-se apenas a mxima clssica com a qual o exrcito alemo-prussiano esperava derrotar os pardsans: a tropa combate o inimigo; os saqueadores so eliminados pela polcia. Tambm na outra espcie moderna da guerra actual, na chamadaGuerraFria,quebram-setodososeixosconceptuais que o sistema tradicional de delimitao e de circunscrio da guerraatagorasuportou.AGuerraFriazombadetodasas diferenciaes clssicas entre guerra e paz e neutralidade, entre polticaeeconomia,militarecivil,combatenteeno-comba-B18(*)Schmittrefere-seaolivroTheoriedesPartisanen(BerlimDuncker& Humblot,1963). Trad. port.:Teoria da Guerrilha.Lisboa: Arcdia,1975(N.7').40CARLSCHMITTtente -apenas no da diferenciao entre amigo e inimigo, cuja consequncia constitui a sua origem e a sua essncia.No deadmirar quea velha palavra inglesa foe acordedo B19seu torpor arcaico de quatrocentos anos e volte a estar em uso, juntodeenemy,desdehduasdcadas.Comoseriatambm possvel,numaeraqueproduzmeiosdeaniquilaonuclearese,aomesmotempo,apagaadiferenciaoentreguerra e paz,manter uma reflexo sobre a diferenciao entre amigo e inimigo? O grande problema , ento, a limitao da guerra, e esta, se no estiver ligada em ambos os lados a uma relativizao do inimigo, ou um jogo cnico, a encenao de uma dogfight, ou uma auto-iluso vazia.O prefcio da reimpresso de um pequeno escrito no pode terosentidodetratarexaustivamentedetaisproblemasede completar a manifesta incompletude de um texto que remonta atrintaanos;tambmnopodesubstituirumlivroqueest ainda por ser escrito.Umtalprefciotem de se satisfazer com algumas aluses s causas que explicam o persistente interesse no escrito e aconselharam a sua reimpresso.Maro de1963Ca r l Sc h m i t tOConceitodoPoltico(textode1932)1.OconceitodeEstadopressupeoconceitodopoltico[J]. Estado ,segundo o uso da linguagemhodierna,o status poltico de um povo organizado numa unidadeterritorial [2].Com isso,apenasdadaumaprimeiracircunscrio,enouma determinaoconceptualdoEstado.Taldeterminaotambmnoexigvelaqui,onde setrata da essncia do poltico. PodemosdeixaremabertoaquiloqueoEstadosegundoa suaessncia,seumamquinaouumorganismo,umapessoa ouuma instituio,uma sociedadeouuma comunidade,uma fbricaouumacolmeia,outalvezatumasriedeprocedimentos.Todasestasdefinieseimagensantecipamdemasiadonoquetocainterpretao,atribuiodesentido, ilustraoeconstruoenopodemformar,porisso,um ponto departida adequadoparauma exposio simples eelementar.O Estado , segundo o seu sentido literal e o seu fenmenohistrico,umestadoparticularmenteespecficodeum[']As verses de A e deBcomeam assim; C suprimiu toda aparte inicialdo texto.[2]A:Estadoostatuspoltico deumpovo.AI 94, B2042CARLSCHMITTpovo[3], o estado paradigmtico num caso decisivo e,por isso, ostatuspuroesimples,emcontraposioaosmuitosstatus individuais e colectivos que so pensveis.Mais,deincio,no sepodedizer.Todasasmarcasdestarepresentao -statuse povo -adquirem o seu sentido atravs da subsequente marca do poltico e tornam-se incompreensveis se a essncia do poltico for mal compreendida.Raramenteseencontrarumadefinioclaradopoltico. O termo, na maior parte das vezes [4] , s usado negativamente, emcontraposioadiferentesoutrosconceitos,emantteses comopolticaeeconomia,polticaemoral,polticaedireito e,dentrododireito,novamentepolticaedireitocivil(!),etc. Atravsdetais[5]contraposiesnegativas,na maior partedas B21vezes [6]tambmpolmicas,podebemser designado algo suficientemente claro,sempre deacordo com o contexto ea situaoconcreta[7],masissoaindanoumadeterminao[8] daquiloqueespecfico.Emgeral [9],poltico,dealguma maneira,equiparadoaoestatal,ou,pelomenos,referidoao A195Estado(n).OEstadoaparece,ento,como algopoltico,maso[3]OrestodafrasenoseencontraemA.[4]A:frequentemente.(!)Acontraposioentredireitoepolticamistura-sefacilmentecoma contraposioentredireitociviledireitopblico,porexemploBluntschli, Allgem.Staatsrecht I(1868),p.219:Apropriedadeumconceitodedireito privado, no um conceito poltico. O significado poldco destas antteses surge particularmentenoscomentriossobreaexpropriaodopatrimniodas casas senhoriais que anteriormente governavam na Alemanha, em1925 e1926; como exemplo, mencione-se a seguinte frase do discurso do deputado Dietrich (sesso parlamentar de 2 de Dezembro de1925, transcrio 4717):Somos da opiniodequesetrataaqui,emgeral,nodequestesdedireitocivil,mas unicamente de questes polticas(Muito bem! Nos democratas e na esquerda).[5]A:semelhantes.[6]A:frequentementet7]"easituaoconcreta"acrescentadoemB.[8]A:determinaouniversal.[9]A:Namaiorpartedasvezes.(n)Tambmnasdefiniesdopolticoqueexploramoconceitodo poder comocaracterstica decisiva estepoder aparecequasesemprecomo poder estatal,por exemplo,emMax Weber:anseio departicipao no poderOCONCEITODOPOLTICO|43polticocomoalgoestatal - manifestamente,umcrculoinsatisfatrio [10].Na literaturajurdica especializada, encontram-se muitas circunscriessemelhantesdopoltico[n],masque,namedida em que no tenham um sentido polmico-poltico, s se podem compreenderapartirdointeresseprtico-tcnicodadeciso jurdicaouadministrativadecasossingulares.Elasrecebem, ento,oseusignificadoaopressuporemcomonoproblemticoumEstadoexistenteemcujoquadrosemovimentam [12]. H assim, por exemplo, umajurisprudncia e uma literatura em relao ao conceito deassociaopolticaou deassembleia poltica no direito das associaes(,H); alm disso, a prtica dooudeinfluncianarepartiodopoder,sejaentreosEstados,sejadentrodo Estadoentreosgruposhumanosqueeleabarca;ouadirecoeinfluncia deuma associaopoltica,ou seja,hoje,deumEstado(Politik ais BeruJ [Poltica como Profisso],2.-edio,1926,p.7);ou(Parlament und Regierung im neu- geordneten Deutschland,1918,p.51):Aessnciadapoltica,c omoaindase acentuarfrequentemente:combate,c ompetiopeloscidadoseporum squitovoluntrio.H.Triepel( Slaatsrecht und Politik,1927,p.16)diz:Compreendeu-se ainda h poucas dcadaspor polticapura esimplesmente a doutrinadoEstado...AssimWaitzdesignaapolticac omoaelucidaocientfica dasrelaesdoEstadocomremissotantoaodesenvolvimentohistricodos Estadosemgeralc omoaosestadosenecessidadesestataisdopresente.Triepelcritica,ento,comboasecompreensveisrazesomododeconsiderao supostamenteno-poltico,puramenteligadocincia jurdica,daEscola Gerber-Laband,eatentativa doseuprosseguimentonotempodops-guerra (Kelsen).Noentanto, Triepelnor ec o nh ec euaindaosentidopuramente poltico desta pretenso deuma pureza no poltica,poismantm-sefixona equiparaopoltico=estatal.Naverdade,c omoaindasemostrarmaisfrequentemente adiante,que se estabelea oopositor como poltico ea simesmo comonopoltico(isto,aqui,comocientfico, justo,objectivo,apartidrio, etc.)umamaneiratpicaeparticularmenteintensivadefazerpoltica.[10]No texto de A,no sefazpargrafo.[n]A:numerosas circunscries dopoltico.[12]Frase queno constaemA.(,u)Segundoo3,ponto1,daLeidasAssociaesdoReichAlemo,de 19 de Abril de1908, uma associaopoldca qualquer associao que almeje terumaintervenoemquestespolticas.Asquestespolticasso,ento, naprtica,designadashabitualmentecomoquestesquesereferemmanutenooualteraodaorganizaoestatalouinflunciadasfunesdo44|CARLSCHMITTdireito administrativo francs procurou estabelecer um conceito do motivo poltico(mobile politique)com a ajuda do qual os actos govemativos polticos(actes de gouvemement) devem ser diferenciados dos actos administrativos no polticos e subtrados aos controlos dos tribunais administrativos(w) [13].Estado ou das corporaes pblicojurdicas neleintegradas.Emtais e semelhantes descries,passamumaspara asoutrasquestespolticas,estatais e pblicas. At1906(juzo do Tribunal de Recurso de12 de Fevereiro de1906, Johow, vol. 31C. 32-34), a prtica na Prssia tratava tambm, debaixo da regulao de13 de Maro de1850(GesS., p.277), de toda a actividade de associaes eclesisticas e religiosas sem qualidades de corporao, mesmo das horas de edificao religiosa enquanto interferncia em questes pblicas ou elucidao de tais questes; sobre o desenvolvimento desta prtica, cf. H. Geffcken, ffendiche Angelegenheit,politischer Gegenstandundpolitischer Verein nach preuBischem Recht, FestschriftfurE. Friedberg,1908, pp. 287 ss.. No reconhecimento judicirio do carcter no estatal de questes religiosas, culturais, sociaiseoutrasencontra-seumindciomuitoimportante,eatdecisivo,de que aqui determinados mbitos de coisas, enquanto esferas de influncia e de interesse dedeterminados grupos e organizaes, so subtrados ao Estado e ao seudomnio.Nomodo deexpressodo sculoxix,isso quer dizer que a sociedadesecontrapeautonomamenteaoEstado.Se,pois,ateoriado Estado, a cincia jurdica, mantm o modo de falar dominante de que poltico =estatal, d-seento a concluso(logicamenteimpossvel,mas,na prtica, aparentementeinevitvel)dequetudoaquiloqueno-estatal,portanto, tudo aquilo que social, , emconsequncia disso, no poltico!Isso , em parte, um erro ingnuo, que contm toda uma srie de ilustraes particular- mente passveis de serem intudas da doutrina de V. Pareto acerca dos resduos edasderivaes(Trait de Sociofogie gnrale,ediofrancesa,1917e1919,I, p.450 ss.,II,p.785ss.);mas emparte,numa ligao quequaseno sepode diferenciar com aquele erro, ummeio tctico que,na prtica, muito utilizvel, supremamente eficaz, no combate intra-poltico com o Estado existente e o seutipo de ordem.(,v)Jze,I^es prncipes gnrauxdudroiadministratift I,3.*edio,1925, p. 392, para quem toda a diferenciao apenas uma questo de opportunit politique.Almdele:R.Alibert,l^econtrole juridictionnel de VadministrationyParis,1926, pp. 70 ss.. Subsequente literatura em Smend, Die politische Gewalt im Verfassungsstaat und das Problem der Staatsform, FestschriftfurKahl, Tbin- gen,1923,p.16; alm disso,Verfassung undVerfassungsrecht, p.103,133,154 e orelatrionaspublicaesdoInstitutInternationaldeDroitPublic,1930; atambmosrelatriosdeR.LauneP.Duez.DorelatriodeDuez(p.11)OCONCEITODOPOLTICO45Semelhantes determinaes, que vo ao encontro das necessidades da prtica jurdica [14], procuram, no fundo, apenas um manuseioprticoparaadelimitaodediferentessituaes defacto;elasnotmporfimnenhumadefiniouniversal dopolticoemgeral.Da quesuijamcoma suarefernciaao Estadoeaoestatal,enquantooEstadoeasinstituiespuderemserpressupostoscomoalgobvioeseguro.Tambmas determinaesconceptuaisuniversaisdopoltico,quenada contmsenoumaevocaoouumaremissoaoEstado,soretenhoumadefiniodoacte de gouvemement especificamentepoltico,particularmenteinteressanteparaocritriodopolticoaquiestabelecido(orientaoamigo-inimigo),queDufour( 1 po qu e legrandconstructeurdela thoriedesactesdeg o uv e m e me nt ),Trait de Droit administratif appliqu;t.V, p.128,estabeleceu:cequefait1actedeg ouv e me me nt, c estlebutquese proposefauteur.Lactequiapourbutladfensedelasocitpriseenelle- -mmeoupersonnifiedanslegouvemement, contresesennemisintrieurs ouextrieurs,avousoucachs,prsentsou venir,voil1actedeg o uve m e ment. A diferenciao entre actes deg ouve me me nt e actes de simple admi- nistrationadquireumposteriorsignificadoquando,em Junhode1851,na Assembleia NacionalFrancesa, aresponsabilidadeparlamentar doPresidente daRepblicafoielucidada eoPresidentequisassumir elemesmoaresponsabilidadeautenticamente poltica,isto,aresponsabilidadeporactos de governo, cf.Esmein-Nzard,Droit constitutionnel,7.8 edio,I,p.234.Semelhantesdiferenciaesnoc omentriodaautorizaodeumministriodosn e g c i o s segundoo art.599,2,daConstituioPrussiana,por ocasio da questo sobre seoMinistriodosNegciospoderiaresolver apenasosnegcioscorrentes nosentidodosn e g c ios polticos;cf.Stier-Somlo,ArchffR.Vo.9(192 5 ) ,p.233;L.Waldecker,Kommentar zur Preufi.Verfassung;2.-edio,1928,p.167, eadecisodoSupremoTribunaldoReichAlemode21deNovembrode 1925(RGZ. apndice,p.25). Aquirenuncia-se finalmente a uma diferenciao entrenegcioscorrentes(nopolticos)eoutrosnegcios(polticos).na contraposioentrene gc ioscorrentes(=administrao)epolticaquese baseia o ensaio de A.SchTle,Uber den wissenschaflichenBegrifT der Politik, Zeitschr. f.d. ges. Staatswissenschaft, vol.53(1897);KarlMannheim,Ideologie und Utopie,Bona,1929,p.71ss.,assumiuestacontraposiocomopontodepartidaorientador.Detiposemelhantesodiferenciaescomo:alei(ouo direito)polticaque secristalizou,apoltica lei(oudireito)emdevir,uma esttica,aoutradinmica,etc..[13]Notexto de A;nosefazpargrafo.[14]A:Tais conceitos,surgidos apartir das necessidades daprticajurdica...B23 AI 9646CARLSCHMITTcompreensvele,nessamedida,tambmcientificamentecor- rectas enquanto o Estado for, efetivamente, uma grandeza clara, inequivocamentedeterminada,esecontrapuseragrupose assuntos no-estatais, precisamentepor isso no polticos, ou seja, enquanto o Estado tiver o monoplio do poltico [15].Isso B24era o caso quando o Estado ou(como no sculo xvm)no reconhecia qualquer sociedade como adversrio ou,pelo menos, (comona Alemanha duranteo sculoxix eat ao sculoxx) estavaacima dasociedadecomoumpoder estvelediferen- civel.Ao invs, a equiparao estatal = poltico toma-se incorrecta eindutora emerro medida queEstado esociedade sepenetrammutuamente,tornando sociaistodos os assuntos que at agora eramestataise,aocontrrio,tornandoestataistodos os assuntos que at agora eramapenas sociais, tal como ocorre, de modo necessrio, numa comunidade organizada democraticamente. Ento, os mbitos que at agora eram neutrais -religio,cultura,formao,economia - deixamdeserneutrais nosentidodeno-estataiseno-polticos.Enquantocontra- -conceito polmico contra tais neutralizaes e despolitizaes de importantes mbitos de coisas aparece o Estado total da identidadeentreEstadoesociedade,oqualnodesinteressado em relao a nenhum mbito de coisas e agarra potencialmente qualquer mbito. Consequentemente, nele,tudo poltico, pelo menos segundo a possibilidade, e a referncia ao Estado j no estaptaafundarumamarcaespecficadediferenciaodo poltico.[,5]O texto de A encerra a seco1 destamaneira:"Da que elas surjam com asuarefernciaaoEstadoeaoestatalemgeralepossampressuporoEstadoe as instituies estatais como grandezas conhecidas.Mas tambm as determinaes conceptuaisuniversais dopolticonasquaisseremeteparaoEstadoso compreensveisetambmcientificamentecorrectasenquantooEstadopuderserpressuposto como uma grandeza clara e determinada,ao passo que hoje,de facto,tanto oconceitodeEstadocomotambmasuarealidadeefectivasetornaramproblemticos."OCONCEITODOPOLTICOI 47O desenvolvimento vai do Estado absoluto do sculo xvm,por sobre o Estado neutral(no-intervencionista)do sculo xix, at ao Estado total do sculo xx, cf.CariSchmitt.O Guardio da Constituio. Tubingen,1931, pp.78-79. A democracia tem de revogar todas asdiferenciaesedespolidzaestpicasdosculoxixliberale eliminar,comacontraposioEstado -sociedade(=poltico contra social),tambmas contraposies e separaes correspondentes situaodo sculoxix,nomeadamenteasseguintes:religioso(confessional)comocontrapostoapoltico cultural...comocontrapostoapoltico econmico...como contrapostoapoltico jurdico...comocontrapostoapoltico cientifico...comocontrapostoapolticoemuitasoutrasantteses,completamentepolmicase,porisso, tambmelasmesmasnovamentepolticas.Ospensadoresmais profundosdosculoxixcedooreconheceram.NasConsideraesde HistriaUniversal(dotempoemtornode1870),de Jacob Burckhardt,encontram-seasfrasesseguintessobreademocra- cia,isto,umamundividnciaformadaapartirdaconvergncia demilharesdefontesdiferentes,extremamentediferenteconsoanteonveldosseusdefensores,masqueconsequentenuma coisa:namedidaemqueparaelaopoderdoEstadosobreos indivduosnuncapodesersuficientementegrande,detalmodoB25 queeladissolveas fronteirasentre Estadoesociedade,reclamapara oEstadotudoaquiloqueasociedadeprevisivelmentenofar, masquermantertudo constantementediscutvel emovimentvel e, porfim,reivindicaparacastassingularesumdireitoespecialao trabalhoe subsistncia.BurckhardttambmnotouacontradiointrnsecaentredemocraciaeEstadoconstitucionalliberal:OEstado deve ser,ento,por umlado,arealizao e a expresso daideiadeculturadecadapartido;por outrolado,deveser apenas o revestimento visvel da vida burguesa e s ser omnipotentead hoclEle deve poder tudo aquilo que possvel, mas j nada lhe deve ser permitido,nomeadamentenolhepermitidodefenderasua forma existentecontra qualquer crise -e,finalmente,querer-se- sobretudovoltaraparticipardoseuexercciodopoder.Assim,a forma do Estadotoma-se cada vez mais discutvel e adelimitao do poder cada vezmaior(ed.Krner,p.133,135,197).48CARLSCHMITTA doutrina do Estado alem, partida, ainda se apegou(sob a influncia do sistema da filosofia doEstado de Hegel)a que o Estado era,emrelao sociedade,qualitativamente diferente e algo mais elevado. Um Estado que est acima da sociedade podia ser chamado universal, mas no total no sentido hodierno, desig- nadamentenosentidodanegaopolmicadoEstadoneutral (emrelao cultura e economia)para o qual a economia e o seudireitoera vlida como algoeoipso apoltico.Noentanto,a diferenciao qualitativa entre Estado e sociedade, qual Lorenz vonSteineRudolf Gneistaindaseatinham,perde,depoisde 1848,a sua anterior clareza.O desenvolvimento da doutrina do Estado alem, cujas linhas fundamentais esto apontadas no meu opsculo Hugo Preuss: o seu conceito de Estado e a sua posio na doutrinado Estadoalem (Tubingen,1930),seguefinalmente,com muitaslimitaes,reservasecompromissos,odesenvolvimento histricoemdirecoidentidadedemocrticaentreEstadoe sociedade.Uminteressanteestdiointermedirio nacional-liberaldeste caminhoreconhecvelem A.Haenel;elemenciona(nos seus Estudos para a doutrina do Estado alem //, 1888, p. 219, e na Doutrina do Estado alem I,1892, p.110)um erro flagrante de universalizar oconceitodeEstadocomoconceitodasociedadehumanaem geralM;ele vno Estado uma organizao social detipoparticularque se acrescenta s outras organizaes sociais,mas que se eleva acima destaseasresume,cujo fimcomumcertamente universal,masapenasnatarefa particular da delimitaoedo ordenamento conjunto das foras de vontade socialmente actuan- tes, isto , na funo especfica do direito; de igual modo, a opinio segundo a qual o Estado temtambm como seu fim, pelo menos na sua potncia,todos os fins sociais da humanidade designada explicitamentepor Haenelcomoincorrecta;portanto,o Estado para eleuniversal,masdemodonenhumtotal.Opassodecisivo encontra-se na teoria das corporaes de Gierke(o primeiro volume do seu DireitoCorporativo Alemo apareceu em1868), porque ela concebe o Estado como uma corporao essencialmente igual s outras associaes.E certo que, juntamente com os elementos corporativos,tambmdevemfazerpartedoEstadoelementos relativosaodomnio,esoacentuadosdemodooramaisforte ora mais fraco. Mas como se tratava, precisamente, de uma teoria das corporaes, e no de uma teoria do domnio do Estado, noOCONCEITODOPOUTICO49sepodiamrejeitar asconsequnciasdemocrticas.Na Alemanha, foramtraadasporHugoPreusseK.Wolzendorff,enquantona Inglaterra conduziram para teorias pluralistas(acerca disso, acima p.B40).A doutrina daintegraodoEstadodeRudolf Smendparece-B26 -mecorresponder,salvosubsequentesexplanaes,aumasituaopolticanaqualasociedade jnointegradadentrode umEstadoexistente(comoaburguesiaalemoeranoEstado monrquicodosculoxix) , masasociedadesedeveintegrara ela mesma como Estado.Ena nota de Smend(Constituio eDireito Constitucional,1928,p.97,nota2)aumafrasedadissertaode H. Trescher sobre Montesquieu e Hegel(1918), onde dito acerca dadoutrinadarepartiodospoderesdeHegelqueelasignificaamais vivapenetraodetodas asesferassociaispeloEstado paraumfimuniversal,afimdeadquirirtodasasforasvitaisdo corpopopularparaotododoEstado,quemaisclaramentese expressa que esta situao exige o Estado total. Smend anota sobre isso quetalexactamente o conceito deintegrao do seulivro sobreaconstituio.Narealidade,oEstadototal,que jno conhecenadaquesejaabsolutamenteapoltico,quetemdeeliminarasdespolitizaesdosculox ix epeumfimaoaxioma daeconomia(apoltica)livredoEstadoedoEstadolivredaeconomia.2.Uma determinao conceptual do poltico s atravs da descobertaedaverificaodascategoriasespecificamentepolticaspodeseradquirida.Designadamente,opolticotemos seuscritriosprprios,osquaissetornamactuantes,deum modopeculiar,emrelaoaosdiferentesmbitosdecoisas, relativamenteautnomos,dopensaredoagirhumanos,em particular emrelao ao moral, ao esttico, ao econmico.Da queopolticosetenhadeencontraremdiferenciaesltimasquelhesoprprias,squaissepodereconduzirtodo50|CARL SCHMITToagirpolticoemsentidoespecfico [16].Assumamosque,no mbito do moral, as diferenciaes ltimas so bom e mau; no esttico, belo e feio; no econmico, til e nocivo ou, por exemplo,rentvel eno-rentvel. A questo , ento, setambmh uma diferenciao particular, certamente no semelhante nem anlogaquelasoutrasdiferenciaes,mas,noentanto,uma diferenciaoindependenteemrelaoaelas,autnomae, enquantotal,elucidativasemmaisenquantocritriosimples do poltico, e em que que ela consiste.C7[ 17] [ 18]Adiferenciaoespecificamentepoltica,qualse podemreconduzir as aces e os motivos polticos, a diferen-[1]A:Umadeterminaoconceptualdopolticosatravsdadescobertae daverificaodascategoriasespecificamentepodeseradquirida.Designada- mente,o poltico est autonomamente como mbito prpriojunto de outros mbitos relativamenteautnomosdopensareagirhumanos,juntodomoral,doesttico, doeconmico,etc.,cujaenumerao exaustivanoaquinecessria.Daque o polticotenhadeterassuasdiferenciaesprprias,relativamenteautnomas, relativamenteltimas,squaissepodereconduzir todooagirpoltico emsentido especfico.[17]A:Adiferenciaoespecificamentepoltica,qualsepodemreconduzir asaceseosmotivospolticos,adiferenciaoentreamigoeinimigo.Ela correspondeparao mbito do poltico s contraposies relativamente autnomas deoutrosmbitos:bememal,nomoral;beloefeio,noesttico,etc..Elaautnoma,isto,noderivvelnemreconduzvelaalgumadestasoudeoutras contraposies.Porpoucoque acontraposioentrebememalnosejasimplesmenteidntica,semmais,comacontraposioentrebeloefeioouentretile nocivo,enolhepossaser imediatamentereduzida,muito menos a contraposio entre amigo einimigo pode ser confundidaoumisturadacomuma daquelas outras contraposies.A diferenciao entre amigo einimigopode existir emteoriaena prticasemque,aomesmotempo,sejamaplicadasdiferenciaesmorais,estticas,econmicas ou outras.Oinimigo poltico no precisa de ser moralmentemau...[18]ComeodeC,seco1:Adiferenciaoautenticamentepolticaa diferenciao entreamigo einimigo.Ela fornece s aces e aosmotivoshumanos oseusentidopoltico;aelasoreconduzidos,emltimaanlise,todasasaces emotivospolticos.Elapossibilita,consequentemente,tambmumadeterminao conceptualnosentidodeumamarcacaracterizadora,deumcritrio.Namedida emquenoderivveldeoutrasmarcas,elacorresponde,paraopoltico,s marcasrelativamenteautnomasdeoutrascontraposies:bememal,nomoral; belo e feio,no esttico,tile nocivo,no econmico.Em cada caso,elaautnoma nonosentido deummbito de coisasprprio enovo,semelhante aomoraleporOCONCEITODOPOLTICO51daoentreamigo einimigo.Elaforneceumadeterminao conceptual no sentido de um critrio, no como uma definio definitivaouumresumo.Namedidaemquenoderivvel deoutroscritrios,ela corresponde,paraopoltico,aos crit-B27 rios relativamente autnomos de outras contraposies:bem e mal,nomoral;beloe feio,noesttico,etc..Emcada caso,ela autnomanonosentidodeummbito decoisas prprio e novo,masdemaneiraqueelanopodenemser fundada em algumadaquelasoudeoutrascontraposies,nempodeser reconduzida a elas.Sea contraposioentrebememalno simplesmente idntica, sem mais, contraposio entre belo e feioouentretilenocivo,enolhepodeser imediatamente reduzida,muito menos a contraposio entre amigo e inimigo podeserconfundidaoumisturadacomumadaquelasoutras contraposies.[19]A diferenciao entre amigo e inimigo tem osentidodedesignar omaisextremograudeintensidadede umaligaoouseparao,deumaassociaooudissociao; elapodeexistiremteoriaenaprticasemque,aomesmo tempo,tenhamdeseraplicadastodasaquelasdiferenciaes morais, estticas, econmicas ou outras. O inimigo poltico noA197 precisadesermoralmentemau,noprecisadeserestetica-C8 mente feio;no tem de surgir como concorrente econmico e attalvezpossaparecer vantajosofazernegcioscomele.Ele [20],precisamente,o outro,o estrangeiro,e suficiente,paraa adiante,mas de maneira que elano pode nemser fundada em alguma daquelas oude outrascontraposies,nempodeserreconduzidaaelas,nempodeser negadaourefutadapor elas.Semesmoas contraposiesentrebememal,belo e feio ou entre til enocivo no so simplesmente as mesmas,semmais,e no so reconduzveisumassoutrasimediatamente,muitomenosacontraposioentre amigo e inimigo,muito mais profunda,pode ser confundida ou misturada com uma daquelasoutrascontraposies.[,9]Otexto Cabrepargrafoecomea:"Adiferenciaoentre amigo einimigo designa amais extremaintensidade de umaligao ou separao.Elapode existir emteoriaenaprtica...[20]At frase que comea "Na realidade psicolgica...",presente no prximo pargrafo,Capresentaaseguinteredaco alternativa:"Mas elepermaneceum outro,umestranho.Apossibilidadederelaesespecificamentepolticasdada52|CARLSCHMITTa sua essncia, que ele seja existencialmente, num sentido particularmenteintensivo,algooutroeestrangeiro,detalmodo que[21] , em caso extremo, sejam possveis conflitos com ele que nopossamserdecididosnemporumanormatizaogeral, quepossa ser encontrada previamente,nempela sentena de um terceiro no participante e,portanto,apartidrio.A possibilidadede umconhecimento edeuma compreensocorrectose,comisso,tambma autorizaodeteralgoa dizerede julgaraquidadaapenasatravsdaparticipao existencialedeumtomar partido.Sosprpriosparticipantespodemconstituir elesmesmosentresiocasoextremode conflito;nomeadamente,scadaumdelespodeelemesmo decidir seoser outrodoestrangeiro,nocasodeconflitoquepornohaveremapenas amigos -semelhantes e associados -mas tambminimigos.Oinimigo ,numsentido particularmente intensivo,existencialmente um outro eumestranho,comquem,emcasoextremo,sopossveisconflitosexistenciais. Conflitosdestetiponopodemserdecididosnemporumanormatizaogeral, quepossaserencontradapreviamente,nempelasentenadeumterceiro"no participante" e,portanto,"apartidrio".Nem a questo sobre se est dado o "caso extremo",nem a questo subsequente,sobre o que se tornanecessrio vida como "meioma isextremo"paradefender aprpriaexistnciae salvaguardar oprprio ser - insuo essere perseverare - , poderiaser decididaporumestranho.O estrangeiroeaquelequedeoutraespciebempodeoferecer-sedemodorigorosa- mente"crtico","objectivo","neutral","puramente cientfico",eimiscuir o seujuzo estrangeirosobsemelhantesdissimulaes.Asua"objectividade"ouapenas umadissimulaopolticaouacompletaausnciaderelao,quefalhatudoo queessencial.Nasdecisespolticas,asimplespossibilidadedeumconhecimentoedeumacompreenso correctose,comisso,tambmaautorizao de ter algo adizer e dejulgar repousam elas mesmas apenas na participao existencial enotomarpartido,apenasnaparticipatio genuna.Daquesosprpriosparticipantespossamconstituir eles mesmos entresio caso extremo de conflito;nomeadamente,s cadaumdelespodeele mesmo decidir se oser outro do estrangeiro, nocasodeconflitoqueconcretamenteselhedepara,significaanegaodotipo prpriodeexistnciaese,porisso,temdeserrepelidoecombatidoparasalvar otipodevidaprprio,adequadoaoseuser."[21]At frase que comea "Na realidade psicolgica...",presente no prximo pargrafo,Acontinuaassim:"...de talmodo que,emcasode conflito,signifique anegaodotipoprpriodeexistnciae,porisso,repelidoecombatidopara salvaguardarotipodevidaprprio,adequadoaoseuser."OCONCEITO1)0POLTICO| 53concretamenteselhedepara,significa anegaodotipoprprio de existncia e, por isso, repelido e combatido para salvaguardar o tipo de vida prprio, adequado ao seu ser.[22] [23]Na realidade psicolgica, o inimigo tratado facilmente como mauB28 efeio,porquequalquerdiferenciaoeagrupamento,sobretudo,naturalmente,adiferenciaoeagrupamentopoltico enquanto o mais forte eintensivo, convoca em seu apoio todas asoutrasdiferenciaesutilizveis.Issonadaalteranaauto-C9 nomia[24]detais contraposies.Consequentemente, vlido tambmocontrrio:aquiloquemoralmentemau,esteticamentefeioeeconomicamenteprejudicialaindanoprecisa, por isso, de ser inimigo; aquilo que moralmente bom, esteticamente belo e economicamente til ainda no se torna amigo no sentido especfico,isto ,poltico da palavra. A objectualidade eaautonomiadopoltico,conformeaoser,[25]mostra-se j nestapossibilidadedeseparardeoutrasdiferenciaesuma contraposio especfica destetipo, como amigo-inimigo,ede conceb-la como algo autnomo.[22]Retoma-se a redaco de A:"Na realidade psicolgica, o inimigo tratado facilmentecomomauefeio,porqueopoltico,comoqualquermbitoautnomo da vidahumana, convoca de bom grado em seu apoio as diferenciaes dos outros mbitos.Issonadaalteranaautonomia..."[23]Depoisdaredaco alternativa,Cabrecomestapassagemopargrafo seguinteligeiramentealterado:"Narealidadepsicolgica,oinimigotratado facilmente como mau e feio,porque qualquer diferenciao e agrupamento,sobretudo,naturalmente,adiferenciao e agrupamentopoltico enquantomaisforte e intensivo,convocaeutilizacomo ajuda,paraasuajustificao efundamentao consciente,todasasoutrasdiferenciaespossveis."[24]C:enocarcterparadigmtico[25]C:A autonomiadopolticomostra-sej...54CARLSCHMITT3 . [ 26]Osconceitosamigoeinimigosoparatomarnoseusentidoconcreto,existencial,enocomometforasousmbolos, no misturados e lavados atravs de representaes econmicas, moraiseoutras,muitomenospsicologicamente,numsentido privado-individualista, como expresso de sentimentos e tendnciasprivados.Elesnosocontraposiesnormativasepuramente espirituais [27] . O liberalismo [2H]procurou, num dilema que para ele tpico(a tratar em 8[29]de forma mais detalhada) entreespritoeeconmico,dissolveroinimigo,dissolvendo- -onumconcorrente,do ladodosnegcios,enumopositor na discusso,doladodoesprito.Nodomnio doeconmicono h,alis,quaisquer inimigos,mas apenasconcorrentes,enum mundo completamente moralizado e eticizado talvez j s haja opositoresnadiscusso [30].Sesetemounoporlamentvel, seseachatalvezumresduoatvicodetemposbrbarosque ospovosseagrupemainda,realmente,segundoamigoeinimigo [31],[32]seseesperaqueadiferenciaovenhaumdia adesaparecerda Terra,setalvezbomecorrectofingir,por razeseducativas,que jnohaja[33]maisnenhunsinimigos,[26]C:2[27]C: Os termos amigo e inimigo so para tomar aquino seu sentido concreto, existencial,enocomomodosdefalarsimblicosoualegricos,nomisturados elavadosatravsderepresentaeseconmicas,moraiseoutras,muitomenos psicologicamente,num sentido privado-individualista,como expresso de sentimentosetendnciasprivados.Elessodetipoespiritual,comotodaaexistnciado homem,masnosocontraposies"normativas"e"puramenteespirituais.[28]Aapresentadasfrasesseguintesumaformulaomaissimples:"Oliberalismo(como abaixo se mostrar de formamais detalhada)transformou oinimigo numconcorrente,doladodosnegcios,enumopositornadiscusso,dolado tico.Masinimigooutracoisa.Seissosetemounoporrepreensvel..."[29]C:9[30]C:quefalemdetudoentresi.[31]A:queoshomenssediferenciemaindasegundoamigoeinimigo[32]A:ousese...[33]A:emgeralOCONCEITODOPOLTICO55nada disso entra aqui em considerao [34] . No se trata aqui de ices e de normatividades, mas da realidade, conforme ao ser, cda possibilidaderealdesta diferenciao. possvelpartilhar ou no aquelas esperanas [35]e aqueles esforos educativos; mas nosepodenegarracionalmente [%]queos povos [37]seagrupamsegundoa contraposioentreamigoeinimigo,queesta contraposio ainda hoje real e est dada como uma possibilidade real para qualquer povo politicamente existente.O inimigo no , portanto, o concorrente ou o opositor em geral. O inimigo tambm no o opositor privado que se odeia com sentimentos de antipatia[38] [39] . O inimigo , apenas, uma[34]C:Pode-seterissoporlamentveleachar apenasumresduo atvicode temposbrbarosqueospovosseagrupemainda,realmente,segundoamigoe inimigo;pode-seesperarqueadiferenciao venhaumdiaadesaparecercompletamentedaTerra;pode-seacharmaisapropriadoecorrecto,porrazeseducativas ou tcticas, calar-se sobre tais coisas desagradveis e fazer como se j no houvessemaisnenhunsinimigos -nadadissoentraaquiemconsiderao.[35]C:deprogresso[3]C:honestaeracionalmente[37]A:athoje[38]A:Oinimigo tambmnooopositorprivadoqueseodeia.[39]C:Oinimigotambmnooadversrio,o"antagonista"notorneio sangrento do "Agon"( j.O inimigo menos que tudo um qualquer opositor privado queseodeiacomsentimentosde antipatia(*(*)**).(*)A.Baeumlerinterpretao conceito de combate de Nietzsche e deHeraclito orientando-o completamentepara o "agonal".Questo:no Walhall,de onde vm osinimigos?H.Schaefer,FormadeEstadoePoltica(1932),apontaparao"fundamentalcarcteragonal"davidagrega;mesmonoconfrontosangrentoentre gregos e gregos o combate eraapenas"Agon",o opositor apenas"antagonista", adversriooucompetidor,noinimigo,eafinalizaodacompetiotambm noera,emconsequnciadisso,umfazer apaz(ciprjvr]).Issosterminacoma GuerradoPeloponeso,quandosequebrouaunidadepolticadoshelenos.A grande contraposio metafsica entre o pensar agonal e poltico surge em qualquer discussomaisprofundadaguerra.Dostemposmaisrecentes,gostariaaquide mencionaragrandiosapolmicaentreErnst JungerePaulAdams(Deuschland- -Sender,1 deFevereirode1933)que,esperemos,embrevetambmpoderser lidaimpressa. Aqui,Ernst Junger defendeu o princpio agonal("o homemno est inclinadoparaapaz"),enquantoPaul Adams viaosentido daguerranaintroduododomnio,daordemedapaz.()O"HinodedioInglaterra",compostoedifundidonaAlemanha,em 1914,duranteaGuerraMundial,novemnemdeumsoldadoalemonemde umpolticoalemo.B29,CIOAI 9856CARLSCHMITTtotalidadedehomenspelomenoseventualmentecombatente, isto,combatentesegundoumapossibilidadereal,aqualse contrape a uma totalidade semelhante.O inimigo apenas o inimigo pblico,poistudoaquilo quetemrelao comuma tal totalidadedehomens [4()],emparticularcomtodoumpovo, setornaporissopblico.Oinimigohostis,noinimicus em Cllsentido mais amplo; 7toX.|iio,nox0p(v). A lngua alem, como tambm outras lnguas, no diferencia entre o inimigo privado e o inimigopoltico, detal modo que so aquipossveismuitos equvocos efalsificaes.A passagemmuitocitada amaios vossosinimigos(Mateus5,44;Lucas6,27)dizdili- gite inimicos vestros, yanxE xob x0po) pcov, e no:diligite Aostes vestros; no do inimigo poltico que se fala. Tambm [4I] nocombatemilenarentreacristandadeeoislonuncaum cristo chegou ao pensamento de que, por amor aos sarracenos ou aos turcos, se tinha de entregar a Europa ao islo, em vez de[40]C:totalidadecombatentedehomensqueselevaacabo.(v)EmPlato,Repblica,LivroV,Cap.XVI,470,acontraposioentre 7toXpioex9pacentuadamuitofortemente,masligadacomaoutra contraposio entre tiA.8|o (guerra) e axai(tumulto, levantamento, rebelio,guerra civil).ParaPlato,sumaguerra entrehelenos e brbaros(que so inimigospor natureza)realmenteguerra,enquanto que,para ele,os combates entrehelenos so cttcctei(natraduo da PhHosophische Bibliothek, vol. 80, p. 208, traduzida por Otto Apelt como discrdia)[N. T.: na traduo portuguesa de Maria Helena da Rocha Pereira, ed.Gulbenkian,otcti traduzidaporsedio;cf.Repblica,470b].Aquiestactuanteopensamento dequeumpovonopodefazer guerracontra simesmo equeumaguerra civilapenassignificaumauto-dilaceramento,masnotalvez aformaode umnovoEstado oumesmo de umpovo.Para oconceitohostis so,na maior partedasvezes,citadasaspassagensdeDigest,50,16,118dePompnio. A definio mais clara encontra-se, com maior documentao, no l^exicon totius Latinitatis, deForcellini,III,320 e 511:Hostis is est cum quopublice bellum habe- mus...inquo ab inimicodiffert,qui estis,quocum habemusprivata odia.Distingui etiarnsic possunt,utinimicussitquinosodit;hostisquioppugnat.[N.T.:trad. Hostis aquelecomquemtemosuma guerrapblica...no quedifere doinimicus, que aqu