“THE GARDEN OF EARTHLY DELIGHTS” por André...

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“THE GARDEN OF EARTHLY DELIGHTS” por André Carvalho Muito obrigado pela sua presença, neste que será um concerto único com o apoio da Antena 2.. Estaremos a tocar a música do meu novo álbum - “The Garden of Earthly Delights” - num sítio muito especial, o Museu Nacional de Arte Antiga. Este meu novo projecto concretiza a minha vontade de escrever uma peça de longa dimensão com vários andamentos ligados entre si por um conceito forte, nomeadamente um dos mais fascinantes quadros de Hieronymus Bosch - “The Garden of Earthly Delights”. A suite que escrevi teve como inspiração determinados momentos e paisagens que fazem parte do famoso tríptico. Estar a tocar esta música no Museu Nacional de Arte Antiga é muito especial, não só por ser um dos museus mais importantes do país, mas também porque o museu tem na sua coleção o único quadro do misterioso pintor holandês presente em Portugal que, apesar de não ter sido o ponto de partida para a minha composição, é um quadro igualmente enigmático e que partilha muitas características com o “The Garden of Earthly Delights”. O novo álbum foi gravado em Nova Iorque e saiu pela editora americana Outside in Music. I. PRELUDE Este movimento é inspirado no painel exterior do tríptico e introduz a Suite. Bosch retrata o 3º dia da Criação da Terra, segundo o Antigo Testamento. No canto superior esquerdo, encontra-se uma representação de Deus e uma inscrição em Latim “Pois Ele falou, e tudo foi criado; Ele ordenou, e tudo surgiu”. O movimento desenvolve-se lentamente, como se a Terra se estivesse a formar a pouco e pouco, terminando num gesto musical Impressionista que simboliza a abertura do tríptico e o espanto com o seu interior. II. THE FOOLS OF VENUS Uma vez aberto, no painel esquerdo, observa-se uma cena fantástica de Cristo a celebrar o casamento de Adão e Eva. O título deste movimento é uma sátira ao que acontecerá mais tarde nos painéis seguintes, por isso se chama The Fools of Venus (Os Tolos de Vénus). A composição tenta dar ao ouvinte esta sensação visceral que, de acordo com Bosch guiou a Humanidade ao Apocalipse, o Amor. III. THE FOUNTAIN Entre os vários elementos simbólicos presentes no painel da esquerda, encontra-se uma fonte - a Fonte da Vida. Este movimento caracteriza-se por melodias que se desenvolvem como água a correr numa fonte, para cima e para baixo numa corrente infindável. IV. DRACAENA DRACO No lado esquerdo, junto a Adão e Eva, está representada a Dracaena Draco cheia de misticismo. Esta árvore, também conhecida por Dragoeiro, é famosa pelos seus efeitos medicinais e simboliza a Árvore da Vida. É este esoterismo, contemplatividade e misticismo que tentei apresentar neste movimento. O movimento assemelha-se a uma canção, onde o espaço é fundamental. A melodia é tocada inicialmente pelo contrabaixo, passando posteriormente para os sopros que terminam com um efeito etéreo no registo agudo.

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Page 1: “THE GARDEN OF EARTHLY DELIGHTS” por André …img.rtp.pt/icm/antena2/docs/b8/b8400eddee2811c45c17a2271...nomeadamente um dos mais fascinantes quadros de Hieronymus Bosch - “The

“THE GARDEN OF EARTHLY DELIGHTS”por André Carvalho

Muito obrigado pela sua presença, neste que será um concerto único com o apoio da Antena 2.. Estaremos a tocar a música do meu novo álbum - “The Garden of Earthly Delights” - num sítio muito especial, o Museu Nacional de Arte Antiga.

Este meu novo projecto concretiza a minha vontade de escrever uma peça de longa dimensão com vários andamentos ligados entre si por um conceito forte, nomeadamente um dos mais fascinantes quadros de Hieronymus Bosch - “The Garden of Earthly Delights”. A suite que escrevi teve como inspiração determinados momentos e paisagens que fazem parte do famoso tríptico. Estar a tocar esta música no Museu Nacional de Arte Antiga é muito especial, não só por ser um dos museus mais importantes do país, mas também porque o museu tem na sua coleção o único quadro do misterioso pintor holandês presente em Portugal que, apesar de não ter sido o ponto de partida para a minha composição, é um quadro igualmente enigmático e que partilha muitas características com o “The Garden of Earthly Delights”.

O novo álbum foi gravado em Nova Iorque e saiu pela editora americana Outside in Music.

I. PRELUDEEste movimento é inspirado no painel exterior do tríptico e introduz a Suite. Bosch retrata o 3º dia da Criação da Terra, segundo o Antigo Testamento. No canto superior esquerdo, encontra-se uma representação de Deus e uma inscrição em Latim “Pois Ele falou, e tudo foi criado; Ele ordenou, e tudo surgiu”. O movimento desenvolve-se lentamente, como se a Terra se estivesse a formar a pouco e pouco, terminando num gesto musical Impressionista que simboliza a abertura do tríptico e o espanto com o seu interior.

II. THE FOOLS OF VENUSUma vez aberto, no painel esquerdo, observa-se uma cena fantástica de Cristo a celebrar o casamento de Adão e Eva.

O título deste movimento é uma sátira ao que acontecerá mais tarde nos painéis seguintes, por isso se chama The Fools of Venus (Os Tolos de Vénus).

A composição tenta dar ao ouvinte esta sensação visceral que, de acordo com Bosch guiou a Humanidade ao Apocalipse, o Amor.

III. THE FOUNTAINEntre os vários elementos simbólicos presentes no painel da esquerda, encontra-se uma fonte - a Fonte da Vida.

Este movimento caracteriza-se por melodias que se desenvolvem como água a correr numa fonte, para cima e para baixo numa corrente in� ndável.

IV. DRACAENA DRACONo lado esquerdo, junto a Adão e Eva, está representada a Dracaena Draco cheia de misticismo. Esta árvore, também conhecida por Dragoeiro, é famosa pelos seus efeitos medicinais e simboliza a Árvore da Vida.

É este esoterismo, contemplatividade e misticismo que tentei apresentar neste movimento. O movimento assemelha-se a uma canção, onde o espaço é fundamental. A melodia é tocada inicialmente pelo contrabaixo, passando posteriormente para os sopros que terminam com um efeito etéreo no registo agudo.

Page 2: “THE GARDEN OF EARTHLY DELIGHTS” por André …img.rtp.pt/icm/antena2/docs/b8/b8400eddee2811c45c17a2271...nomeadamente um dos mais fascinantes quadros de Hieronymus Bosch - “The

V. OF MERMAIDS AND MERMENNas margens do rio que se encontra no painel central, poderá ver o cortejo entre sereias e tritões. Estas � guras mitológicas parecem estar envolvidas em cenas de luxúria e paixão o que se pode ver em todo o quadro.

Esta selva de sentimentos levou-me a escrever este movimento. Começando com uma secção polifónica o movimento � ui de forma natural para uma passagem com um efeito impressionista. Melodias ascendentes e descendentes formadas por notas nos vários instrumentos, precedem uma improvisação livre. Este é talvez um dos movimentos mais desa� antes de toda a Suite.

VI.CHERRIES, BRAMBLES AND STRAWBERRIESHomens e mulheres a segurarem em frutos com proporções gigantescas? Claro que sim, poderá encontra-los facilmente no painel central e cada um destes tem um signi� cado especí� co.

Enquanto as cerejas estão associadas a fertilidade e erotismo, as amoras simbolizam amor e os morangos abundância e mortalidade.

Consegue sentir o sabor doce das frutas neste movimento?

VII. THE TOWERS OF EDENDiversas torres podem ser observadas nos painéis da esquerda e centrais. Estas têm diferentes e estranhas formas contribuindo para este ambiente idílico.

O seu signi� cado há muito que é debatido, tendo diversas interpretações. Para mim, estas são as torres do paraíso ou “The Towers of Eden”.

Como pinceladas, melodias ascendentes tentam criar este efeito vertical dos “guardiões” do Jardim.

VIII. EVIL PARADEBem-vindo ao Inferno! Sim, chegámos � nalmente ao painel da direita. Se reparou que há um caminho fatalista e apocalíptico que vai conduzindo o observador ao longo obra, é neste último painel que se atinge o clímax.

Encontrar-se-á rodeado por todo o tipo de pecadores: apostadores, música diabólica, luxúria, gula, demónios, almas a arder e muito mais!

Neste movimento, tentei retratar toda esta perversão através de ritmos ásperos e fortemente in� uenciados por rock. IX. THE THINKER IN THE TAVERN

De todas as personagens presentes neste último painel, nenhuma me impressionou mais que o pensador que está na taberna dentro do Tree Man.

Do meu ponto de vista, esta personagem está a pensar ou a contemplar, assim como se Bosch estivesse a fazer o mesmo, a pensar sobre a Humanidade.

Tentei criar um ambiente de contemplação no meio de um ambiente ébrio numa taberna.

X. THE FORLORN MILLÀ medida que nos aproximamos do clímax do Apocalipse todas as almas dos pecadores movem-se em direcção a um moinho, onde serão queimados. É esta agressividade, brutalidade e crueza que tentei descrever neste movimento.

A música assume esta tensão ao usar um ostinato no baixo e melodias que � utuam livremente sobre este. A dualidade entre tocar a tempo e em rubato foi uma das técnicas composicionais que utilizei para dar vida a Belzebu!XI. PHOWA

Ao aproximarmo-nos do � m da Suite, tentei dar uma visão pessoal sobre como vejo este cenário apocalíptico criado pelo Homem e pintado por Bosch. Difícil de encontrar, mas retratada no último painel está a batalha � nal entre um demónio e uma personagem de branco.

Para mim, é o derradeiro combate entre o Bem e o Mal e, sendo eu um otimista, tudo acabará bem. E ao fecharmos o tríptico, termina a Suite, utilizando o mesmo motivo rítmico e melódico do prelude. Consegue reconhece-lo?

Muito obrigado por ter vindo e espero que goste do

espectáculo!