Schopenhauer Als Erzieher

17
Unzeitgemäße Betrachtungen, Drittes Stück: Schopenhauer als Erzieher, Schloss-chemnitz: Schmeitzner, 1874. Fichamento Um catálogo de 1909 oferece um exemplar do livro com a seguinte dedicatória das mãos do próprio Nietzsche: “Como é difícil aprender a se compreender a si mesmo, a conhecer com clareza o que se quer, propriamente e especialmente, mais que todas as coisas, e o que, por conseqüência, é primeiro e essencial para nossa felicidade, o que, então, o primeiro lugar conquista, assim como o segundo e o terceiro. E sem esse conhecimento, se vive sem plano – um marinheiro sem bússola – Schopenhauer”. Não se conhece o destinatário dessa dedicatória. A correspondência de Nietzsche nos dá pistas sobre o processo e a história da redação desse texto. Os planos para a elaboração das Considerações Extemporâneas variaram muito, e as anotações dos cadernos de Nietzsche dão conta das grandes tranformações que sofreram o projeto desde seu início: a dedicação com que se dedicou a esses escritos, quase sempre iniciando uma redação após a outra – ainda que nem todas tenham sido concluídas – parece apontar para sua intenção de dar forma a um corpus filosófico-estético capaz de refletir e legitimar suas propostas de reforma, schopenhaueriana e wagneriana, para a cultura alemã. A Malwida von Meysenberg, por exemplo, ele confessa o plano de 13 Considerações, e chega mesmo a afirmar que pretende terminá-las em um prazo de cinco anos. (KSB IV, 268 – carta de 25 de outubro de 1874). A intenção de se dedicar à terceira delas tem lugar já no final de março de 1874, um mês após a publicação da segunda, em 22 de março (carta de 26 de março de 1874 à mãe e à irmã, KSB IV, 212), e Nietzsche trabalha no texto entre abril e julho, sem um título definitivo – adotando muitas vezes o título Schopenhauer unter den Deutschen (cf. Carta de 8 de maio a von Gersdorff – KSB IV, 222 – e de 14 de maio a Rhode – KSB IV, 227). Em julho, escreve a Ernst Schmitzner, que havia fundado recentemente uma casa de edição, oferecendo o texto para publicação, uma vez que seu editor até então, Fritzsch, por

description

Schopenhauer Als Erzieher

Transcript of Schopenhauer Als Erzieher

Unzeitgeme Betrachtungen,

Drittes Stck: Schopenhauer als Erzieher, Schloss-chemnitz: Schmeitzner, 1874.FichamentoUm catlogo de 1909 oferece um exemplar do livro com a seguinte dedicatria das mos do prprio Nietzsche: Como difcil aprender a se compreender a si mesmo, a conhecer com clareza o que se quer, propriamente e especialmente, mais que todas as coisas, e o que, por conseqncia, primeiro e essencial para nossa felicidade, o que, ento, o primeiro lugar conquista, assim como o segundo e o terceiro. E sem esse conhecimento, se vive sem plano um marinheiro sem bssola Schopenhauer. No se conhece o destinatrio dessa dedicatria.A correspondncia de Nietzsche nos d pistas sobre o processo e a histria da redao desse texto. Os planos para a elaborao das Consideraes Extemporneas variaram muito, e as anotaes dos cadernos de Nietzsche do conta das grandes tranformaes que sofreram o projeto desde seu incio: a dedicao com que se dedicou a esses escritos, quase sempre iniciando uma redao aps a outra ainda que nem todas tenham sido concludas parece apontar para sua inteno de dar forma a um corpus filosfico-esttico capaz de refletir e legitimar suas propostas de reforma, schopenhaueriana e wagneriana, para a cultura alem. A Malwida von Meysenberg, por exemplo, ele confessa o plano de 13 Consideraes, e chega mesmo a afirmar que pretende termin-las em um prazo de cinco anos. (KSB IV, 268 carta de 25 de outubro de 1874). A inteno de se dedicar terceira delas tem lugar j no final de maro de 1874, um ms aps a publicao da segunda, em 22 de maro (carta de 26 de maro de 1874 me e irm, KSB IV, 212), e Nietzsche trabalha no texto entre abril e julho, sem um ttulo definitivo adotando muitas vezes o ttulo Schopenhauer unter den Deutschen (cf. Carta de 8 de maio a von Gersdorff KSB IV, 222 e de 14 de maio a Rhode KSB IV, 227). Em julho, escreve a Ernst Schmitzner, que havia fundado recentemente uma casa de edio, oferecendo o texto para publicao, uma vez que seu editor at ento, Fritzsch, por dificuldades financeiras fora obrigado a abandonar temporariamente a atividade (Cf. KSB IV, 243-244; e tambm as cartas do mesmo perodo a von Gersdorff KSB IV, 247 e a Overbeck KSB IV, 250-251).. Uma vez estabelecido o acordo, Nietzsche revisa as primeiras provas para impresso no final daquele ms, e continuaria a fazer essas correes at o comeo de outubro. No dia 16 dquele ms, envia um primeiro exemplar me e irm (cf. KSB IV,267). Ao longo de sua correspondncia, Nietzsche confessa freqentemente a dificuldade em redigir o trabalho: quase considerei todo esse tema muito difcil para mim(KSB IV, 246 carta de 26 de julho a von Gersdorff). Mas havia na execuo do texto uma tarefa, algo que ele define como um golpe contra os professores de filosofia (KSB IV, 253 carta de 30 de julho a Overbeck), ou como a resposta questo colocada por uma de suas correspondentes, Emma Guerrieri-Gonzaga, a de saber se eu acredito, como a senhora, em uma religio por vir, fundada sobre uma base totalmente filosfica(KSB IV, 235 carta de 14 de junho). O resultado final agrada Nietzsche: algo decente foi trazido ao mundo(KSB IV, 257 carta de 24 de setembro a von Gersdorff), e as reaes positivas de Richard e Cosima Wagner (cf. KGB II-4, 591) apenas lhe confirmam o sucesso de sua empreitada.Verificar como Ecce Homo analisa a inteno do texto.

Muito mais tarde, em 1888, Nietzsche reflete retorspectivamente sobre seus escritos nesse perodo em uma carta a Georg Brandes: Ambos os escritos sobre Schopenhauer e Richard Wagner resultam, como me aparece hoje, em mais auto-conhecimento, mais ainda, em auto-comprometimento [Selbstgelbnisse] comigo mesmo, algo como uma verdadeira psicologia que se relacionou comigo profundamente como um mestre antagonista. ( - eu fui o primeiro que abstraiu de ambos um tipo de unidade: agora esta superstio est bem em primeiro plano na cultura [Kultur] alem: todo wagneriano um partidrio de Schopenhauer. Isso era diferente quando eu era jovem: haviam ento os ltimos hegelianos que se apegaram a Wagner, e Wagner e Hegel soou como a palavra de ordem [Parole] ainda nos anos cinqenta (KSB VIII, 260 carta de 19 de fevereiro de 1888).1.

[ 1] Jener Reisende, der viel Lnder und Vlker und mehrere Erdteile gesehen hatte und gefragt wurde, welche Eigenschaft der Menschen er berall wiedergefunden habe, sagte: sie haben einen Hang zur Faulheit. Manchen wird es dnken, er htte richtiger und gltiger gesagt: sie sind alle furchtsam. Sie verstecken sich unter Sitten und Meinungen. Im Grunde wei jeder Mensch recht wohl, da er nur einmal, als ein Unikum, auf der Welt ist und da kein noch so seltsamer Zufall zum zweitenmal ein so wunderlich buntes Mancherlei zum Einerlei, wie er es ist, zusammenschtteln wird: er wei es, aber verbirgt es wie ein bses Gewissen - weshalb? Aus Furcht vor dem Nachbar, welcher die Konvention fordert und sich selbst mit ihr verhllt. Aber was ist es, was den einzelnen zwingt, den Nachbar zu frchten, herdenmig zu denken und zu handeln und seiner selbst nicht froh zu sein? Schamhaftigkeit vielleicht bei einigen und seltnen. Bei den allermeisten ist es Bequemlichkeit, Trgheit, kurz jener Hang zur Faulheit, von dem der Reisende sprach. Er hat Recht: die Menschen sind noch fauler als furchtsam und frchten gerade am meisten die Beschwerden, welche ihnen eine unbedingte Ehrlichkeit und Nacktheit aufbrden wrde. Die Knstler allein hassen dieses lssige Einhergehen in erborgten Manieren und bergehngten Meinungen und enthllen das Geheimnis, das bse Gewissen von jedermann, den Satz, da jeder Mensch ein einmaliges Wunder ist; sie wagen es, uns den Menschen zu zeigen, wie er bis in jede Muskelbewegung er selbst, er allein ist, noch mehr, da er in dieser strengen Konsequenz seiner Einzigkeit schn und betrachtenswert ist, neu und unglaublich wie jedes Werk der Natur und durchaus nicht langweilig. Wenn der groe Denker die Menschen verachtet, so verachtet er ihre Faulheit: denn ihrethalben erscheinen sie als Fabrikware, als gleichgltig, des Verkehrs und der Belehrung unwrdig. Der Mensch, welcher nicht zur Masse gehren will, braucht nur aufzuhren, gegen sich bequem zu sein; er folge seinem Gewissen, welches ihm zuruft: sei du selbst! Das bist du alles nicht, was du jetzt tust, meinst, begehrst.Substituindo o medo pela indolncia [Faulheit] como fator responsvel pela prpria construo de uma conveno social, Nietzsche se afasta do contratualismo hobbesiano. Isso porque seu interesse, ainda nessa altura, no apenas denunciar o fundamento da natureza humana no mal, mas propor uma possvel reverso desse estado. A natureza do preguioso aquela que impede a do medroso [furchtsam]. A inteno refromadora de Nietzsche j se anuncia nesse primeiro pargrafo: ela traa a diferena entre o que escolhe no procurar sua verdadeira natureza e aquele que atende ao apelo de sua conscincia de ser verdadeiro, de ser ele mesmo. A cultura do contratualismo julgava impossvel o retorno ao Uno, ela deduz a superao do individual, o estabelecimento das generalizaes e convenes na verdadeira natureza do homem. Em Nietzsche, isso se inverte, e todo o convencionalismo da sociedade fundado sobre uma falsificao da natureza da qual somente o artista, homem detido na verdade de sua natureza, consegue escapar. [ 2] Jede junge Seele hrt diesen Zuruf bei Tag und bei Nacht und er zittert dabei; denn sie ahnt ihr seit Ewigkeiten bestimmtes Ma von Glck, wenn sie an ihre wirkliche Befreiung denkt: zu welchem Glcke ihr, so lange sie in Ketten der Meinungen und der Furcht gelegt ist, auf keine Weise verholfen werden kann. Und wie trost- und sinnlos kann ohne diese Befreiung das Leben werden! Es gibt kein deres und widrigeres Geschpf in der Natur als den Menschen, welcher seinem Genius ausgewichen ist und nun nach rechts und nach links, nach rckwrts und berallhin schielt. Man darf einen solchen Menschen zuletzt gar nicht mehr angreifen, denn er ist ganz Auenseite ohne Kern, ein anbrchiges, gemaltes, aufgebauschtes Gewand, ein verbrmtes Gespenst, das nicht einmal Furcht und gewi auch kein Mitleiden erregen kann. Und wenn man mit Recht vom Faulen sagt, er tte die Zeit, so mu man von einer Periode, welche ihr Heil auf die ffentlichen Meinungen, das heit auf die privaten Faulheiten setzt, ernstlich besorgen, da eine solche Zeit wirklich einmal gettet wird: ich meine, da sie aus der Geschichte der wahrhaften Befreiung des Lebens gestrichen wird. Wie gro mu der Widerwille spterer Geschlechter sein, sich mit der Hinterlassenschaft jener Periode zu befassen, in welcher nicht die lebendigen Menschen, sondern ffentlich meinende Scheinmenschen regierten; weshalb vielleicht unser Zeitalter fr irgendeine ferne Nachwelt der dunkelste und unbekannteste, weil unmenschlichste Abschnitt der Geschichte sein mag. Ich gehe durch die neuen Straen unserer Stdte und denke, wie von allen diesen greulichen Husern, welche das Geschlecht der ffentlich Meinenden sich erbaut hat, in einem Jahrhundert nichts mehr steht, und wie dann auch wohl die Meinungen dieser Huserbauer umgefallen sein werden. Wie hoffnungsvoll drfen dagegen alle die sein, welche sich nicht als Brger dieser Zeit fhlen; denn wren sie dies, so wrden sie mit dazu dienen, ihre Zeit zu tten und samt ihrer Zeit unterzugehen, - whrend sie die Zeit vielmehr zum Leben erwecken wollen, um in diesem Leben selber fortzuleben.Dois temas tipicamente associados idia de uma reforma redentora, messinica, da cultura, nesses primeiros escritos de Nietzsche: o da juventude e o do apelo da verdade. A libertao, Befreiung, o reconhecimento do Genius de cada um.O gnio aparece aqui como a natureza ntima, o daimon, do indivduo e a caracterizao do gnio como messias da cultura o duplo dessa idia. A juventude o momento em que esse reconhecimento parece ser mais solicitado. Falsificada pela preguia e pelo medo ela perde seu ser mesmo, e toda uma gerao, ou toda uma cultura se degenera. Os homens, enquanto espcie, passam a ser seres aparente, Scheinmenschen, e no seres verdadeiramente vivos, lebendigen. interessante notas que a polarizao aparncia/ essncia um duplo da polarizao abstrao / vida. Essa contraposio entre aperncia/ sociedade e verdade/ essncia/ cultura atravessa todos os textos pedaggicos de Nietzsche desse perodo. Uma cultura da aparncia no gera nada, no deixa nenhum legado para as futuras geraes e impede qualquer finalidade, esterelizando-a. O episdio mais inumano da histria [unmenschlichste Abschnitt der Geschichte] aquele em que a histria est vazia de seu contedo positivo, metafsico, em que a histria apenas isso: o devir infrtil dos dias. Os que no so cidados desse tempo, so cidados da cultura alem, supra-histrica, e devem estar felizes porque sua ptria verdadeira a extemporaniedade, o estar fora do tempo histrico, justamente a medida desse pertencimento ideal.[ 3] Aber auch wenn uns die Zukunft nichts hoffen liee - unser wunderliches Dasein gerade in diesem Jetzt ermutigt uns am strksten, nach eignem Ma und Gesetz zu leben: jene Unerklrlichkeit, da wir gerade heute leben und doch die unendliche Zeit hatten zu entstehen, da wir nichts als ein spannenlanges Heute besitzen und in ihm zeigen sollen, warum und wozu wir gerade jetzt entstanden. Wir haben uns ber unser Dasein vor uns selbst zu verantworten; folglich wollen wir auch die wirklichen Steuermnner dieses Daseins abgeben und nicht zulassen, da unsre Existenz einer gedankenlosen Zuflligkeit gleiche. Man mu es mit ihr etwas kecklich und gefhrlich nehmen: zumal man sie im schlimmsten wie im besten Falle immer verlieren wird. Warum an dieser Scholle, diesem Gewerbe hngen, warum hinhorchen nach dem, was der Nachbar sagt? Es ist so kleinstdtisch, sich zu Ansichten verpflichten, welche ein paar hundert Meilen weiter schon nicht mehr verpflichten. Orient und Okzident sind Kreidestriche, die uns jemand vor unsre Augen hinmalt, um unsre Furchtsamkeit zu narren. Ich will den Versuch machen, zur Freiheit zu kommen, sagt sich die junge Seele; und da sollte es sie hindern, da zufllig zwei Nationen sich hassen und bekriegen, oder da ein Meer zwischen zwei Erdteilen liegt, oder da rings umher eine Religion gelehrt wird, welche doch vor ein paar tausend Jahren noch nicht bestand. Das bist du alles nicht selbst, sagt sie sich. Niemand kann dir die Brcke bauen, auf der gerade du ber den Flu des Lebens schreiten mut, niemand auer dir allein. Zwar gibt es zahllose Pfade und Brcken und Halbgtter, die dich durch den Flu tragen wollen; aber nur um den Preis deiner selbst: du wrdest dich verpfnden und verlieren. Es gibt in der Welt einen einzigen Weg, auf welchem niemand gehen kann, auer dir: wohin er fhrt? Frage nicht, gehe ihn. Wer war es, der den Satz aussprach: ein Mann erhebt sich niemals hher, als wenn er nicht wei, wohin sein Weg ihn noch fhren kann?O signo da extemporaneidade assume seus duplos negativos: o gnio, como homem da ptria metafsica, tem uma estranha existncia, se a confrontarmos com o presente, sua qualidade factual a inexplicabilidade [Unerklrlichkeit] e eles indicam o problema central de Schopenhauer als Erzieher: o que trata do problema da funo do gnio para a cultura, sua relao com a histria, ou, em outras palavras, sobre que tipo de interveno ele pode promover para associar uma outra. Mais tarde, Nietzsche dir que nasceu pstumo, mas nesse momento a extemporaneidade no exclui o homem ideal de seu tempo; antes, ela coloca o tempo altura do gnio, isso como projeto filosfico-pedaggico. O procedimento dessa reverso condena sempre o artista solido, ele est em confronto com seu tempo, mas apenas para ensin-lo a ser verdadeiro, a recuperar sua essncia. A medida e a lei do gnio dada por ele mesmo, toda medida externa uma falsificao que pretende funcionar como ersatz de sua conscincia. A histria, a sociedade, a religio e a profisso (ofcio, Gewerbe) so o duplo vazio dessa conscincia ideal do artista. Mas o que caracteriza essa conscincia que ela no opera segundo conceitos ou segundo nenhuma teleologia: No pergunte, siga [ Frage nicht, gehe ihn] revela o mecanismo capaz de promover a verdadeira cultura como um mecanismo no-intelectual, como vida mesma.MEDIDA E LEI AUTONOMIA E MENORIDADEA medida e a lei prpria [eignem Maass und Gesetz] KSA I, 339 so os nicos princpios de ao do gnio. Sua autonomia reside no fato de que ele no se deixa guiar, como o homem esclarecido em Kant, pelo entendimento ou autoridade de outros: nem a histria ( preciso eliminar a histria [Geschichte] da verdadeira libertao da vida, na medida em que ela estril, desprovida de verdadeiro contedo metafsico) KSA I, 338; nem a religio (uma religio que j no existia h milhares de anos- KSA I 339-340.); nem a propriedade ou a profisso, ndices de seu lugar na sociedade (Porque se apegar a esse bocado, a esse ofcio [Gewerbe](...)? KSA I 339). Esses duplos vazios da conscincia do artista, do gnio, do homem emancipado, ao se perpetuarem ao longo da histria tornam a prpria espcie desprovida de sua essncia: uma poca futura, reformada segundo os princpios da autonomia, s pode enxergar o passado o presente de Nietzsche como o episdio mais inumano da histria [unmenschlichste Abschnitt der Geschichte] KSA I, 339, aquele em que a cultura apenas isso: o devir infrtil dos dias.(...) uma iluso que um esprito seja livre e autnomo [selbstndig], quando essa soberania [Unumschrnktheit] adquirida que , fundamentalmente, uma auto-limitao produzida [im Grunde schpferische Selbstumschrnkung ist] no se manifesta de novo a cada olhada e a cada passo, da manh at a noite. KSA I, 351.TAREFA DA AUTONOMIA / AFASTAMENTO DA SOCIEDADEA tarefa da autonomia diante da cultura justamente essa: Temos de nos responsabilizar diante de ns mesmos pela nossa existncia; logo, queremos assumir essa existncia como verdadeiros timoneiros e no admitir que nossa existncia se iguale a um acaso sem pensamento [einer gedankenlosen Zuflligkeit] KSA I, 339. Se Schopenhauer representava o filsofo-educador, isso se dava sobretudo por esse procedimento oposto ao dilogo, a auto-reflexo seus escritos revelam que ele discursa consigo mesmo KSA I, 347. interessante notar que essa tarefa coloca o gnio em confronto com seu tempo e o condena solido, idia que j estava desenvolvida em muitos dos escritos anteriores, mas assume aqui uma relvncia muito maior, embora deva ser superada. Nietzsche sublinha muito mais a dificuldade do empreendimento de reforma da cultura, que comea por uma reforma em si mesmo, pela obteno da autonomia, ou, para falar como Kant, da maioridade.

A essncia da cultura alem parece aqui mais intangvel, e o homem verdadeiro representado especialmente aqui como um mrtir, ou, literalmente, um santo: a santidade, Heiligkeit, o oposto da virtude fria, adequada pelos hbitos [gewohnheitsmssigen]- KSA I, 358. No se trata de uma santidade nostlgica, que esteriliza enquanto nihilismo, asctica, crist, mas de uma santidade que demanda fora, impe uma tarefa, uma santidade estica. (cf. KSA I, 358-359.), que no resulta nem na idolatria gragria nem no fanatismo infrtil, na medida em que seu eixo sempre e unicamente ntimo.ESCUTA DE SI/ HEITERKEITH no mpeto inicial para a autonomia um exerccio que deve ser cumprido, que lembra a ascese estica, embora Nietzsche mesmo nutilize o termo ascese quase sempre segundo uma acepo negativa nesse perodo: a jovem alma deve se dedicar escuta de sua histria ntima, avaliao de seus gestos e suas conseqncias uma prescrio que se aproxima muito daquelas sugeridas por Sneca em suas cartas e consolaes: Coloque diante de si a srie desses objetos adorados, e talvez eles te revelem, atravs de seu ser [Wesen] e sua continuidade, uma lei, uma lei fundamental de teu prprio eu. KSA I, 340.

(Nietzsche conhecia profundamente os textos de Sneca, embora no tenha tratado deles com maior ateno em seus escritos ou cursos. J em 1867 Nietzsche recomenda a von Gersdorff a leitura das Epistulae morales, como obra capaz de, de um s golpe, ater antigidade e lembrar Schopenhauer KSB II, 201. Em 1871, toma de emprstimo da biblioteca da universidade um volume contendo a retrica de Sneca (cf. CRESCENZI, p. 407). Essa leitura subterrnea, contudo, fundamental como iindcio de uma tendncia tica, especialmente presente nesses primeiros textos mais tarde Nietzsche manter sua admirao por Sneca, e lhe aplicar o epteto toreador da virtudeem Gtzen-Dmmerung - KSA VI, 111.Essa escuta de si deve ser feita com serenidade ou temperana, Heiterkeit, ndice do modo prprio de ser da essncia artstica-genial. com esse adjeyivo que Nietzsche caracteriza Schopenhauer, por exemplo. (cf. KSA I, 348). Sobra a traduo desse termo para o portugus, cf. A nota de Jacob Guinsburg na traduo de O nascimento da tragdia. Considero a opo de Guinsburg, serenojovialidade estilisticamente dissonante, tanto com relao ao texto sobre o trgico quanto, mais ainda, no caso da Extempornea, e, ainda que fiel ao seu significado, trai sua inteno retrico-estilstica aqui fundamentalmente importante.PEDAGOGIA NEGATIVA

Teus verdadeiros educadores e formadores [Erzieher und Bildner] te revelaro o que o verdadeiro sentido originrio e o contedo fundamental da tua essncia [der wahre Ursinn und Grundstoff deines Wesens], algo que absolutamente no pode ser ensinado nem formado [etwas durchaus Unerziehbares und Unbildbares], mas de todo modo de difcil acesso, unidade e rigidez: teu educador [Erzieher] no pode ser seno teu libertador [Befreier]. KSA I, 341.A reforma da educao de que fala Nietzsche no pretende apenas substituir o contedo positivo da Kultur por um outro, mas, mais fundamentalmente, ela pretende diagnosticar a artificialidade desse contedo e destru-lo, afim de fazer surgir algo que da ordem da essncia, e que, portanto, no pode ser ensinado. Mesmo as prescries morais referentes prtica da linguagem tm essa funo negativa. Essa outra pedagogia libertao, limpeza de toda erva daninha, escombros, vermes que querem atacar o jovem germe das plantas, emanao de luz e calor, o amoroso e baixo murmrio da chuva noturna , ela a imitao e adorao da natureza [Nachahmung und Anbetung der Natur], onde esta entendida como maternal e misericordiosa, ela a completude da natureza [Vollendung der Natur] (...) KSA I 341.Ao mesmo tempo cpia e completude, a pedagogia negativa encontra os mesmos limites e goza dos mesmos privilgios da linguagem tal como ela entendida no incio de 1872: ela revela a natureza, eleva a essncia dos indivduos verdadeira idia de cultura, mas s pode faz-lo ao preo de uma imitao. Tal como a linguagem mitolgica no interior de O nascimento da tragdia, a pedagogia negativa orienta essa cpia segundo critrios no-conceituais, e exatamente essa a sua relativa adequao: ela no opera segundo conceitos ou segundo uma teleologia obtida externamente; a divisa No pergunte, siga [ Frage nicht, gehe ihn] KSA I, 340 revela o mecanismo capaz de promover a verdadeira cultura como um mecanismo no-intelectual, como vida mesma. Essa pedagogia mantm com a natureza uma relao anloga que o discurso e a representao estabelecem com a origem metafsica: ela a duplicao amorosa da origem do mundo, atravs da qual tudo que no essncia , ao mesmo tempo, denunciado como artifcio.

SCHOPENHAUER COMO NICO MESTRE / ZUCHT / NATUREZAE assim eu quero trazer mente o nico professor e mestre da disciplina [des einen Lehrers und Zuchtmeisters] de que me orgulhei, Arthur Schopenhauer KSA I, 341.

A primeira impresso que Nietzsche descreve da leitura de Schopenhauer no intelectual, e isso definitivamente a via pela qual uma leitura formadora deve se orientar: uma origem fsica: No descrevo nada seno a primeira impresso, como que fisiolgica, que Schopenhauer operou em mim, essa mgica emanao da fora [Kraft] mais ntima de uma natureza que cresce de um ao outro, que segue o primeiro e mais leve contato (...)- KSA I, 349. Seu princpio de transmisso ou difuso obedece a leis estranhas ao intelecto, anteriores a ele, regras dadas pela prpria natureza: ele segue, ento, como que impulsionado por uma lei da gravidade. (KSA I, 350). Nesse mesmo sentido, toda a filosofia schopenhaueriana vale pelo uso que fazemos dela em e para nossa vida, a interpretao de seus textos , do indivduo sozinho consigo mesmo KSA I, 357 deve revelar em ns um procedimento, mais que um contedo.O encontro de leis capazes de fornecer o modelo da verdadeira formao cultural assume em Nietzsche a direo de uma pesquisa natural, embora metafsica. O prprio uso do termo Grundstze para identificar os princpios que animam essas leis deixa ver claramente a inteno semntica de Nietzsche. Ver DEL CARO, Nietzsches Rhetoric on the Grounds of Philology and Hermeneuticsin Philosophy and Rhetoric, Vol. 37, No. 2, 2004, p. 102: In an early aphorism entitled .Origin of faith. Nietzsche concluded: .Habituation of spiritual principles [Grundstze] without grounds [Grnde] is called faith..2 I provide the German to demonstrate that whenever possible, Nietzsche drew on the Germanic Grund in his discussions of grounding, even though he was keenly aware of Greek and Latin alternatives and could have used them. So for example Nietzsche.s translator (say Hollingdale) could have chosen to use English .grounds. for German Grnde, but chose instead to use .reasons,. which is also correct though not exactly in the spirit of Nietzsche.s etymological nuance.3 Grundstze, literally .grounding propositions,. given idiomatically as .principles,. has no comparable etymology in English. What one becomes accustomed to or adopts as a habit based on faith versus grounds, cannot by definition be grounded, whether or not it is a principle. Based on this example, living with grounds or reasons is living with foundation, with base and support. Living without grounds is simply acquiring habits, living by faith, living groundlessly. A similar usage is involved in English .grounds for dismissal,. Whereby grounds. equals .reasons.. Even the words founded and unfounded preserve

some of the strength of .grounded. and .ungrounded. as I use them. In German .unfounded. is unbegrndet or grundlos, participle and adjective respectively, and Nietzsche availed himself whenever possible of German expressions based on ground.De fato, como Del Caro afirma, a tarefa de reconduzir o homem natureza atravessa todo o trabalho filosfico de Nietzsche, e o valor da linguagem como meio nessa reconduo tambm. CF. Del Caro, A. Nietzsches Rhetoric on the Grounds of Philology and Hermeneuticsin Philosophy and Rhetoric, Vol. 37, No. 2, 2004, p. 118: . The task of philosophers is to translate human back into nature, master the interpretations and connotations that have been scribbled over the eternal Grundtext homo natura, make it so that humans stand before their own nature as they stand before the rest of nature, intrepidly, not seduced by the flattery of metaphysics. Mas a attitude em relao metafsica que parece mudar aps 1876, e, por consequencia, a idia de educao e cultura que ela deriva. Cf. Tambm ALLISON, D. B., Some remarks on Nietzsches draft of 1871, On Music and Words in New Nietzsche Studies, vol 1, vol.1/ 2, pp. 29 e ss. A dinmica dos sons, das sensaes, das pulses [Triebe] pretence a esse nvel elementar, natural; ela funciona no interior da linguagem e determina a ancoragem da linguagem na natureza. Uma linguagem vazia dessa dinmica uma linguagem grndelos, sem fundamento, e, portanto, artificial.ORIGEM BIOGRFICA DO PROBLEMA

A origem do problema de como um gnio pode propor uma idia de cultura e educao aparece nesse texto como derivada da prpria biografia de Nietzsche, da poca de sua juventude. (KSA I, 341-342).

EXERCCIO DA LINGUAGEM

O problema da Alemanha que ela no conseguiu conceber que o discursar e o escrever [Reden und Schreiben] so artes [Knste] que no so adquiridas sem a mais cuidadosa orientao [Anleitung] e os mais penosos anos de estudo KSA I, 342.

Diferena entre a retrica das conferncias e a da terceira Extempornea.KANT VERSUS SCHOPENHAUER

Kant se apegou universidade solidamente, sujeitou-se aos governos, preservou, aparentemente, uma f religiosa, permaneceu entre colegas e estudantes: assim, naturalmente, que seu exemplo produziu, sobretudo, professores universitrios e professores de filosofia. Schopenhauer tem pouco a ver com as castas eruditas [gelehrten Kasten], distaciava-se, buscou independncia [Unabhngigkeit] em relao ao estado e sociedade esse seu exemplo, seu modelo para comeo aqui com o mais externo- KSA I, 351.Na verdade, Schopenhauer acrescenta a Kant a dimenso da transformao da filosofia em prtica de vida, do ceticismo crtico em divisa existencial. A revoluo copernicana de Kant, assim, s se completa quando absorvida pelo esprito artstico: Mas logo que Kant comea a exercer um apelo popular, percebemos que elas se transformam na forma de um cetisiscmo e relativismo corrosivos e destruidores; e que somente nos espritos mais hbeis e nobres, que nunca suportaram a dvida, surgiu em seu lugar essa comoo e esse desepero quanto toda verdade, como foi vivida [erlebt] a fora a filosofia kantiana, por exemplo, por Heinrich von Kleist. KSA I, 355.PROBLEMA DA RARIDADE DE SCHOPENHAUER

um milagre [ein Wunder] que Schopenhauer possa ter surgido como exemplo. A pretensa cultura alem [sogenannten deutschen Bildung] tem a fora de eliminar tudo aquilo que no igual a ela: Hlderlin, Kleist, Goethe, Schopenhauer e Wagner alguns fatalmente de algum modo sucumbiram a essa atmosfera sufocante, castradora. Cf. KSA I, 352.

Os filisteus da cultura.

Compl contra Schopenhauer: KSA I, 353: unverbrchliches Schweigen. O silncio inviolvel. OKDe certo modo, o filsofo artista, como modelo genial da cultura, aparece aqui condenado falsificao de sua essncia, aquela que eles conhecem porque se dedicam ao exame solitrio de seu ntimo e que nunca ser vista como tal pelos seus contemporneos: Eles sabem, esses solitrios e livres em esprito que conatantemente aparecero de alguma forma diferente do que pensam (...) KSA I, 354.

Um desejo de sociedade, uma vontade de gregariedade ainda resiste aqui, mas muito mais sob sua forma negativa, sob a aparncia de um ressentimento ameaador: (...) o pior antdoto contra os homens extraordinrios for-los a se recolher profundamente em si mesmos. KSA I, 355. Do mesmo modo, KSA I, 359: um destino de isolamento o presente que lhe do os contemporneos (...). O pessimismo trgico reconciliado Apolo/ Dioniso substitudo pelo pessimismo trgico desagregador de Empdocles KSA I, 361 e 363.

Em relao sua poca, o gnio, como Schopenhauer, um filho bastardo [Stiefkind] KSA I, 362.PEDAGOGIA COMO GESAMTKUNSTWERK(...) pode-se dizer que somente aquele que teve diante dos olhos o quadro [Gemlde] geral da vida e da existncia pode se haver com as cincias particulares sem nenhum dano, pois sem essa imagem de conjunto reguladora [regulatives Gesammtbild] elas so apenas cordas, que no levam a nenhuma concluso [Ende] e faz nossa histria de vida [Lebenslauf] apenas ainda mais confusa e mais labirtica. KSA I, 356.Ascese, Zucht, Autonomia

Ver meu fichamento da primeira extempornea, I.

uma teoria do sujeito excessivamente abstrata em Nietzsche, to celebrada, na verdade uma derivao, talvez involuntria, dessa tica da autonomia, que se modifica ao longo dos anos de reflexo.

Significado do ascetismo em Nietzsche: nos primeiros anos e depois.(Nasc. Tragedia, 3/ Consid. Ext. I, VII /FR. Heft - Sommer 1871 - Frhjahr 1872, 24 / FR. Heft - Sommer 1872 - Anfang 1873, 285/ FR. Heft - November 1882 - Februar 1883,49 / Die dionysische Weltanschauung, 2. (i) / Umwertungsheft Herbst 1887, 33 / Umwertungsheft Herbst 1887, 145 / Umwertungsheft September - Oktober 1888, 2)/ Die Geburt der Tragdie aus dem Geiste der Musik, 7 (v) / Ueber die Zukunft unserer Bildungsanstalten, Vortrag V. (xxxiii) ). Parece ser sempre um significado negativo, exceto algumas vezes, em se referindo esfera individual, nos ltimos anos. Ver como a imagem do santo aparece em Schopenhauer como educador. A leitura de Seneca nesse mesmo texto: ver fichamento, Escuta de si.Esttica como domnio aristocrtico:

WAIT, Geoff, The Politics of Reading Formations: The Case of Nietzsche in Imperial Germany (1870-1919) in New German Critique, n. 29, 1983, p. 189: Nietzsche provides an exemplary illustration of the proposition that "Democratization necessarily entails aesthetic loss," wherein each of the three main terms of the proposition requires diacritical stress. Democratization is thereforene gative. Aesthetic loss is more to be lamented that any other. And, finally, for Nietzsche and for any consistent "Nietzschean" posi-tion, this entailment is not merely a necessary but the sufficient condi-tion for posing any really significant question.

Militarizao da pedagogia deve ser acompanhada por uma estetizao do militarismo. Isso porque o esttico refora uma aristocracia que no pode ser revelado na fora da guerra a decepo crescente de Nietzsche com poltica de conquista de Bismarck assinala exatamente isso.

Desconstruo dos dois modelos positivos da pedagogia ginasial de ento, a composio alem [deutsche Arbeit] e a Vorlesung. Uma nova economia da prtica pedaggica? : a Vorlesung como forma e seus limtes (ouvidos olhos). Ver Paulsen, German Universities, p. 141 e ss.

Autonomia como problema esttico e esttico como problema pedaggico: a educao esttica de Nietzsche.

O racionalismo e sua forma histrica, positivista, do sculo XIX funcionam na Alemanha como representantes de uma poltica econmica industrial, liberal no que diz respeito distribuio das camadas sociais.

Aufklrung :

Lutero (Foucault) Nietzsche adota o recurso retrico de Lutero, aposiopesis (ver Del Caro Nietzsches rhetoric..., p. 110).

Kant (emancipao dos livros no texto de 1874)

Nietzsche Humano, demasiado humano, 1, 227 comparar com Emancipao em Schopenhauer como educador

Condies da emancipao: treinamento da linguagem.